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Fiora levou quatro dias a curar a constipação e, durante todo esse tempo, não voltou a ver Rodrigo. A devota Juana disse-lhe que o cardeal partira para o famoso convento de Subiaco, nos montes Sabina, que fazia parte dos seus privilégios e do qual só regressaria no fim da semana. Pelo que a jovem se mostrou aliviada. Aproveitou aquela pausa para se restabelecer por completo e para tentar fazer o ponto da situação.

Esta não era muito brilhante a despeito do facto de Fiora morar num quarto sumptuoso, todo decorado com veludo verde às franjas douradas e cujo chão, de mármore de várias cores, desaparecia sob um fabuloso tapete que as mulheres do longínquo KermanKI tinham enchido de flores desconhecidas e de aves fantásticas. A jovem tinha calor demasiado calor porque Juana, temendo que ela ficasse de novo doente, mantinha o quarto quente como um forno e ela estava quase bem alimentada demais pela aia, que não cessava de lhe levar guloseimas e bolos, na esperança de a ver engordar.

Estás muito magra reprovava-a ela. Rodrigo gosta das mulheres um pouco redondas, com carnes macias. A amante preferida dele, Vanozza, que lhe deu os dois filhos que tem, Juan e César, é uma loura soberba que tem o ar de ser feita de cetim branco. Os seios dela são como pequenos melões e...

Eu não quero ter seios como pequenos melões e recuso ser tratada como um ganso na engorda. Em vez de me trazer

Cidade do sul do Irão

guloseimas, faríeis melhor se me dissésseis o que se passa na cidade.

Nada. Não se passava nada, pelo menos pelo que Juana sabia. Os gritos de guerra dos dois bandos rivais dos Colonna e dos Orsini perturbavam as noites todas, mas Fiora ouvia-os tanto como os outros habitantes de Roma e, todas as manhãs, eram encontrados um ou dois cadáveres a boiar no Tibre, ou abandonados a um canto de uma rua.

Curada, Fiora começou a aborrecer-se. A doença, pelo menos, era uma companhia e agora, reduzida à de Juana, a jovem viu-se a achar o tempo longo, porque as ordens do cardeal eram formais: a porta do seu quarto devia permanecer fechada à chave e, em caso nenhum, podia sair. Podia-se ter confiança em Juana para as respeitar.

O único momento um pouco agradável era a manhã. Depois de se levantar, Fiora tomava um banho que lhe preparavam numa pequena divisão ao lado do quarto, também ela muito ornamentada. Uma bacia escavada no solo ocupava quase todo o espaço; que era suficientemente grande para que duas pessoas ali pudessem tomar banho juntas, o que era, parecia, ”um dos grandes prazeres de Rodrigo”. A água que os escravos do palácio transportavam havia uma trintena de cores variadas saía lentamente por uma estreita conduta que desembocava numa goteira. Banhada, o que ela apreciava sempre muito, Fiora era massajada por uma grande rapariga negra que ria o tempo todo e a massajava como se estivesse a fazer pão com óleos perfumados, o que era menos agradável, mas Fiora saía das suas mãos transbordante de uma vitalidade da qual, em seguida, não sabia o que fazer. Depois de ter dado a volta ao seu quarto vinte vezes num sentido e outras vinte noutro, só lhe restava uma distracção: olhar pela janela. Mais uma vez, Juana só consentia em abrir uma depois de ter aplicado uma máscara no rosto da jovem e atirado um véu por cima dos seus cabelos.

O quarto ocupado por Fiora estava situado, na parte mais alta da torre quadrada, sem a qual não se podia conceber um palácio romano. Imediatamente acima só havia as seteiras em forma de asas de borboleta e os dois vigias, que se revezavam dia e noite. Todas as grandes casas da cidade ofereciam, aliás, aquele aspecto de fortaleza, mesmo se as suas muralhas eram pintadas e decoradas, mesmo se possuíam um jardim que, como o do palácio Bórgia, descia até ao Tibre. Fiora só o constatou mais tarde, porque as suas janelas davam, uma para o pátio interior do palácio sempre cheio de servidores, de guardas, de familiares e de escravos e a outra para a cidade.

Fiora, que desde o primeiro dia só pensava em fugir, teve um choque quando se apercebeu que o seu quarto se encontrava àquela altitude. Para escapar, o único meio seria uma escada de corda e ela não via como arranjar uma. Mas a vista era esplêndida e a jovem aproveitou para estudar, enfim, Roma, cuja maior parte se estendia na sua frente.

Juana, desde que não se tratasse do seu ídolo, era boa rapariga. Contente por ver a sua prisioneira interessar-se por qualquer coisa, deu-lhe de boa vontade todas as explicações que ela desejava.

A cor de Roma era de um tom ocre quente e profundo, a patina que os séculos tinham dado às igrejas, aos palácios, às casas e às torres medievais que afirmavam a sua arrogância. Tinham aberto a janela ao fim do dia e o Sol, no seu declínio, exaltava ainda as cores. À direita e para lá do Tibre de leito amarelado, Fiora viu a massa vermelha do castelo de Saint-Ange dominando o Borgo, as torres ameadas e as campânulas perfuradas do Vaticano encostadas aos grandes pinheiros, aos ciprestes e aos teixos negros de um jardim. Viu também a Torre di Nona, quartel-general da polícia, plantada, como uma ameaça, à entrada do populoso bairro do Transtevere.

Na outra margem, atravancada de moinhos, o panorama confundia-se um pouco com os fumos e as poeiras que não conseguiam dissimular o lado desolador. A via Papalis, uma das mais importantes, porém, mas que ninguém tinha pavimentado, serpenteava através daquilo que fora, em tempos, o Fórum e os palácios imperiais. Talhos e bancadas de carpinteiros amontoavam-se lado a lado com amontoados de ruínas de onde surgiam, aqui e ali, uma coluna partida ou a abóbada rachada de uma basílica. As vacas, que se viam nos terrenos livres, eram ali mais numerosas do que noutro lugar qualquer. Também havia porcos, que juntavam a sua porcaria e o seu chapinhar devastador ao descalabro geral.

Mal aparecendo entre duas casas, o arco de Constantino tinha um ar miserável sob a espessa camada de caca de pombo que o cobria. Quanto ao Palatino, o antigo palácio dos Césares, não passava de um montão de ruínas fechado entre as muralhas de sílex negro, coroadas estas pelos muros vermelhos ameados que assinalavam o domínio dos Frangipani. Tendas e casebres disformes escoravam as abóbadas dos antigos teatros invadidos por ervas daninhas e uma população miserável vivia ali como podia.

Dominando aquele caos, as quatro torres ameadas do Capitólio surgiam, melancólicas na sua decrepitude, encimadas por uma grande e triste campânula, mas, mais a oeste, face ao símbolo irrisório das liberdades romanas perdidas, duas torres ferozes, a dos Milices e a dos Conti, estavam próximas do palácio guerreiro dos cavaleiros de Rhodes.

Em redor do Coliseu, do qual tinham feito uma vasta e fácil pedreira, uns fornos de cal funcionavam ininterruptamente, descarregando uma fumarada negra que irritava a garganta e os olhos e era causa, segundo Juana, de males incuráveis. Dali, pelas encostas cheias de erva do Célio, chegava-se ao Latrão. Uma via suficientemente larga para que uma procissão pudesse ali desenrolar a sua pompa, a via Lata, ia dar à catedral de Roma. Sempre segundo Juana, nenhuma procissão se arriscava a passar por ali desde que, em tempos longínquos, uma mulher, que conseguira fazer-se eleger para o trono pontifício fazendo-se passar por homem e a quem chamaram depois Papisa Joana, se revelara ao seu rebanho dando à luz nas lajes da dita via Lata. Uma estátua representando uma mulher deitada e amamentando um bebé marcava o local e como o povo de Roma declarara esse local maldito e possuído pelo demónio, nenhum padre, nem nenhum cortejo, por razões ainda, mais fortes, se arriscava a passar por ali. Para chegar a São João de Latrão, toda a gente fazia um desvio que passava pelo que tinham sido os jardins de Mecenas.

Naturalmente, Fiora pôde aperceber as grandes ruínas das termas de Caracalla, próximas das muralhas da cidade e a frondosidade do jardim de Santo Sisto. De lá, a jovem refez o caminho pelo qual Bórgia a levara até sua casa e, ao mesmo tempo, a cidade inteira entrou nos seus olhos e na sua memória. Mas ela tinha necessidade de certas informações e, para as obter, apanhou um desvio: