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Riario agarrou em Fiora pelo braço para a aproximar da luz do archote:

Como esta, talvez?

O outro afastou os lábios para mostrar uma coisa parecida com um sorriso.

Juraria que sim! Encontraste-a, por fim, senhor?

Não sem dificuldade. E trago-ta para que ma guardes enquanto esperamos que o Santo Padre peça para a ver. Quanto ao teu francês, se bem compreendi, já estavas a fazer-lhe algumas perguntas?

Exactamente, senhor! Queres ir ver?

Vamos lá os dois! Não é verdade, Senhora Condessa? Pode ser interessante.

O movimento de recuo de Fiora foi facilmente neutralizado. Riario segurava-a e segurava-a bem. Quer quisesse, quer não, teve de seguir o albanês por uma estreita escada que mergulhava nas profundezas da enorme torre. O seu coração estava cheio de uma angústia que tinha dificuldade em reprimir ao pensar que, dentro de instantes, iriam metê-la, segundo parecia, numa câmara de tortura para assistir ao suplício de um francês, e de um francês que, sem dúvida, a procurava. Mesmo que não o conhecesse, ia ao encontro de uma terrível provação.

Jorge parou diante de uma porta de carvalho enegrecido que não tinha qualquer ferrolho e que, até, estava entreaberta, deixando sair uma luz avermelhada. Lá dentro ouvia-se ofegar alguém que devia lutar contra o sofrimento.

O espectáculo que descobriu era ainda pior do que esperava: um homem estava estendido em cima do cavalete, os punhos e os tornozelos presos em pulseiras de ferro ligadas a um cabrestante destinado a puxá-las até à deslocação. A máquina hedionda estava parada devido à ausência do vice-governador e o carrasco, um negro gigantesco e nu até à cintura, esperava placidamente novas ordens de braços cruzados ao lado da vítima. Fiora não teve qualquer dificuldade em reconhecer aquele rosto de olhos fechados e empalidecido pela dor: era o de Douglas Mortimer, o sargento da Guarda Escocesa do Rei de França e um dos seus melhores amigos.

A jovem não pôde reprimir um estremecimento que não escapou a Riario, assim como a súbita palidez das suas faces.

Algo me diz que vos conheceis, os dois? perguntou ele com um sorriso pleno de fel.

Já Flora se recompunha. Rezando mentalmente a Deus para que Mortimer não estivesse inconsciente e pudesse ouvi-la, declarou, mais alto, talvez, do que o necessário e com uma indignação que não precisava de forçar:

É evidente que conheço! É o intendente do meu solar de La Rabaudière. Está muito ligado a mim e não me espanta nada que se tenha posto à minha procura. Há meses que fui raptada.

Vosso intendente? Um simples camponês? Como se compreende, então, que ele tenha vindo a Roma? Quem lhe terá dito que vós estáveis aqui?

Quem havia de ser? Eu pensava que, desde a minha chegada, o cardeal d’Estouteville tinha enviado um mensageiro a Plessis-lès-Tours para dar a conhecer ao Rei Luís as exigências do Papa? O meu solar é vizinho do castelo real e os meus empregados devem ter sabido do meu destino. A propósito, o Rei não enviou um mensageiro, uma delegação, uma carta, qualquer coisa, como resposta à mensagem do cardeal?

Não enviou nada! disse Riario, encolhendo os ombros. Não deveis ter tanta importância como o meu tio imaginava.

Isso é uma grande mentira! disse uma voz que parecia vir das profundezas da terra e que era a de Mortimer em pessoa. A despeito da sua situação trágica, os seus olhos azuis, muito abertos, brilhavam com um fogo alegre que reconfortou o coração de Fiora. Graças a Deus, o escocês ouvira, reconhecera-a e, entre os dois, talvez conseguissem enganar o funcionário alfandegário disfarçado de príncipe que os observava.

Ah, tu, afinal, falas? grunhiu ele. Talvez consintas em nos dizer o teu nome?

Chama-se Gaucher disse Fiora Gaucher Lê Puellier. O tio e a tia dele, Étienne e Péronnele, são os guardiões da minha propriedade. Apanhastes uma grande presa, ha? Um simples camponês, que neste mundo só responde perante Deus e o seu senhor!

Mas que se atreve, mesmo assim, a acusar-me de mentiroso? Que pode ele saber das relações entre o Rei e o Sumo-Pontífice?

O que toda gente sabe em Plessis, onde todos têm pena de Dona Fiora continuou o falso Gaucher. Que o Rei Luís já enviou para aqui, e por duas vezes, gente dele... que nunca mais regressou!

Os caminhos não são seguros nos tempos que correm suspirou Riario hipocritamente. Acontece que não recebemos ninguém... e que tu tens sorte, amigo, por teres chegado inteiro.

O conde aproximou-se do corpo estendido, sobre o qual se debaiçou:

Tens a certeza de que não foste enviado pelo rei? Apetece-me atormentar-te um pouco mais, apenas para saber se não tens ainda alguma coisa para me dizer!

Já sou suficientemente grande para me enviar a mim mesmo! grunhiu Mortimer, forçando o seu tom de camponês. Lá em casa nós gostamos da nossa patroa e eu quis ver o que vocês tinham feito dela! Mas... nunca pensei que havia de a encontrar numa cave destas!... prisioneira, a bem dizer!

A bem dizer, não. Eu sou mesmo prisioneira, meu bom Gaucher. O Papa pôs a minha cabeça a prémio e não vou sair daqui viva! Fui apanhada esta noite, mas há meses que andam à minha procura!

Chega! rangeu Riario. Eu não vos dei autorização de falardes... sobretudo para dizerdes tolices! O Santo Padre é demasiado bom, meu rapaz, para mandar executar esta bela dama. O que ele quer, como ela é viúva, é dar-lhe um marido, um marido florentino, jovem, nobre...

E odioso! cortou Fiora, indignada. Nunca casarei com ele, estais a ouvir-me? Podeis arrastar-me até diante de um padre, mas ninguém me obrigará a dizer ”sim”. E agora, libertai esse rapaz, contra o qual não tendes nada!

Não tenho nada? Nada!... Pelo contrário, penso, talvez, que ainda nos virá a ser útil! Zamba acrescentou ele para o gigante negro põe mais algumas garras de ferro a aquecer!

Não ides continuar a atormentá-lo? exclamou Fiora. Que há-de ele dizer-vos mais?

Nada, sem dúvida, mas vós, vós podeis dizer muitas coisas! Basta uma pequena palavra: esse ”sim” que vos recusais a dizer com tanta teimosia!

Depois, mudando de tom:

Ou jurais que casareis, ou, à fé de Riario, esfolo este homem vivo diante dos vossos olhos!

Sois louco? exclamou Fiora, estupefacta.

Não creio, mas eu sei o que quero, o que o Santo Padre quer e saberemos forçar-vos porque, uma vez casada com Cario Pazzi, não nos preocuparemos mais convosco.

Não ides aceitar isso? gemeu Mortimer. Não têm o direito de vos forçar...

Temos. Temos o direito do mais forte! Decidi, Dona Fiora, mas depressa! Vede como estes ferros estão de um belo vermelho! Zamba está impaciente por começar. O que ele gosta mais é de arrancar a pele a um homem! Vamos, Zamba, ajuda um pouco a senhora condessa!

Com uma luva de couro, o carrasco pegou num dos ferros que estavam metidos nas chamas de uma braseira. Fiora gritou como se o ferro incandescente tivesse entrado na sua própria pele.

Não!...

Em seguida, mais baixo:

Se eu jurar, libertais-lo?

Imediatamente.

Que garantias tenho? Quem me diz que uma vez na posse da minha palavra não mandais degolar o meu pobre Gaucher?

Mas... a minha palavra!

Perdoai-me, mas a vossa palavra não me inspira grande confiança. Proponho o seguinte: ele assistirá ao casamento e com ele o cardeal d’Estouteville. Depois, será entregue ao cardeal, que o enviará ele mesmo... e em segurança, para França. Senão, juro por Deus, que me está a ouvir, que responderei ”não” enquanto me restarem forças e podereis matar-nos aos dois! E tomai cuidado para não ofenderdes o Rei Luís durante muito mais tempo!

O quê, declara-nos guerra?

Não, mas será preciso, então, desconfiar de todos aqueles que se aproximarem de vós. Ele sabe melhor do que vós servir-se do ouro e é tão rico quanto poderoso. Pode comprar qualquer consciência, qualquer amigo e pagar a dez, cem, mil assassinos. Ele abateu o duque de Borgonha, que era um príncipe a sério. Portanto, honrai a vossa palavra, ou tende cuidado!