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Nunca ninguém tomará o teu lugar jurou ela silenciosamente para a sombra do seu amor. Quanto àquele, nem que tenha de me matar, não tocará em mim esta noite, nem nunca!

A voz do cardeal d’Estouteville fê-la reabrir os olhos e viu que o Papa, com a ajuda de dois diáconos, estava a vestir as vestes sacerdotais para celebrar o casamento.

Muito Santo Padre disse firmemente o francês peço-vos solenemente e pela última vez que reconsidereis quanto a este casamento. Nenhuma mulher consentiria numa tal união e custa-me a crer que Dona Fiora seja consentânea.

Vós não tendes a palavra! cortou brutalmente Riario. Ela deu o seu acordo e acabou!

Não acabou, não, porque é meu dever. Ela é súbdita do Rei de França e nem quero pensar no que ele dirá quando souber deste... deste acto insensato.

Onde é que fostes buscar essa de ela ser súbdita do Rei de França? disse Hironyma asperamente. Ela sempre foi conhecida por ser florentina e é viúva de um borgonhês. Este casamento vem, no fim de contas, no seguimento da natureza das coisas, porque, em tempos, ela foi noiva do meu pobre Pietro, o meu querido filho.

Eu nunca fui noiva do teu filho! exclamou Fiora. Eu sei que tu não conheces os limites da mentira, mas há, de qualquer maneira, limites...

Começada assim, a cerimónia nupcial prometia transformar-se num ajuste de contas e o Papa decidiu que era tempo de intervir. A sua voz de bronze soou, repercutindo-se nas abóbadas da capela.

Paz! Estamos num lugar santo, não no mercado. Nosso irmão d’Estouteville, tende calma! Amanhã escreveremos ao Rei Mui Cristão para lhe dar parte desta união que tanto alegra o Nosso coração paternal. Quanto a ti, Fiora Beltrami, consentiste, ou não, em casar com Cario aqui presente?

Consenti, mas com uma condição.

Qual?

Penso que Vossa Santidade não a ignora. Quero que o jovem que acompanha esta noite monsenhor d’Estouteville seja enviado imediatamente para Plessis-lès-Tours e com toda a segurança.

Riario desatou num grande riso que lhe fez tremer o duplo queixo e o ventre:

Tanto barulho por causa de um camponês! Palavra de honra, minha querida, dormíeis com ele?

Era mais do que aquilo que o visado era capaz de suportar.

Tu é que és camponês! grunhiu ele. Eu sou oficial da Guarda Escocesa do mui grande e poderoso Rei Luís, décimo primeiro do nome, pela graça de Deus Rei de França e de Navarra. E fui enviado aqui pelo meu senhor, cansado de ver partir duas embaixadas sem as ver regressar. Matai-me, se quiserdes, como matastes tantos outros, sem dúvida, mas recuso-me a que a minha liberdade tenha um tal preço! Acrescento, no entanto, que, se não regressar, o Rei considerará que se trata de um acto de hostilidade e não será uma embaixada que ele enviará, mas sim um exército.

Um exército? indignou-se Sisto IV. Ele ousaria declarar-Nos guerra?

Não, na verdade, mas sei que sonha em fazer valer os seus direitos hereditários sobre o reino de Nápoles, usurpado indevidamente pelos Aragoneses. Ora, acontece que Roma fica no caminho de Nápoles...

Foi a vez de Francesco Pazzi se lançar na batalha. Ele não mudara desde que Fiora o vira pela última vez quando, no dia da giostra, combatera contra Giuliano de Médicis pelos belos olhos de Simonetta. Continuava feio, atarracado, de cabelos negros e pele castanha. A sua voz continuava rude e a expressão do seu rosto continuava irritante:

A palavra de honra é a palavra de honra e Fiora deu a dela. Exijo que seja mantida.

E eu, Douglas Mortimer, dos Mortimer de Glen Livet, sustenho que essa palavra de honra lhe foi arrancada pela violência e que tu não passas de um mentiroso. E agora, se queres que discutamos de armas na mão, estou pronto a defender a causa de Dona Fiora até que a morte chegue para um de nós.

Um duelo! exclamou Estouteville. Lembrai-vos, Mortimer, que estamos numa capela!

Eminência, não sei se isso conta muito aqui. Não ouvi dizer que o duque de Milão foi, no ano passado, assassinado ao sair de uma igreja? Parece que, aparentemente, são esses os costumes neste país!

Chega! uivou o Papa cujo rosto se tornou cor de tijolo. Acabemos com isto. Dona Fiora, daqui a uma hora, este... oficial deixará Roma com a carta que Nós vamos escrever para o Rei de França e com um salvo-conduto assinado pela Nossa mão. Estais pronta a cumprir, nestas condições, a vossa parte do contrato?

Sem responder, Fiora aproximou-se do escocês, ergueu-se na ponta dos pés e pousou-lhe um beijo na face.

Obrigada, amigo Mortimer, obrigada pelo que quisestes fazer. Não vos preocupeis mais comigo, peço-vos.

Pedis-me o impossível.

- Não. Peço-vos que veleis pelo meu filho até que eu possa voltar a vê-lo, coisa que vai ser, doravante, o meu único objectivo.

E ides casar com aquele...

Shhh! Dei a minha palavra e cumpri-la-ei. Que Deus vos guarde!

Não digo nada ao Rei Luís?

Dir-lhe-eis que lhe agradeço do fundo do meu coração tudo o que fez por mim, quando eu acabava de rejeitar a sua protecção por causa da execução do meu marido. Não... não posso impedir-me de ter por ele uma grande amizade...

Sem acrescentar mais nada, ela dirigiu-se para o altar e tomou o seu lugar ao lado de Cario Pazzi, que cessara de cantarolar. O homem virara a cabeça para ela e, por entre as pálpebras que mantinha meio fechadas, ela pensou ver um brilho azul.

Soprando e resmungando, Sisto IV colocou-se em frente de ambos, segurou nas suas mãos e começou a resmonear as palavras sacramentais, das quais ninguém compreendia patavina. Visivelmente, o Papa tinha pressa de terminar e estava a despachar a cerimónia. Fiora não o escutava. Respondeu um ”sim” quase inaudível quando ele lhe perguntou se era da sua vontade, mas quando ele meteu a sua mão na de Cario, ela sentiu nitidamente que os dedos do rapaz apertavam docemente os seus. Ela ergueu o olhar, mas ele já tinha retomado o seu ar ausente e parecia contemplar atentamente um dos anjos gordos e de cabelos encaracolados que tocavam alaúde por trás do altar.

Para dar um ar solene ao acontecimento, Fiora e o seu novo marido foram conduzidos em cortejo e à luz de inúmeros archotes, através do Borgo, até à casa de Francesco Pazzi, onde iam morar enquanto esperavam que o Papa cumprisse a promessa feita à jovem. Não era verdadeiramente um palácio: era mais uma casa grande, que se parecia mais com o cofre de um banqueiro do que com uma habitação, mas o interior era suficientemente luxuoso para contentar o insaciável apetite de glória e de fausto de Hieronyma, que desempenhava dentro dela o papel de dona-de-casa.

No entanto, foi Francesco Pazzi que fez as honras da casa à sua nova sobrinha. Parecia extraordinariamente alegre, de repente, o que era pouco usual numa natureza tão sombria e vingativa como a sua. Afastando Cario, que nem pareceu aperceber-se, ofereceu a mão a Fiora para que ela transpusesse a soleira da sua casa e conduziu-a até uma grande sala onde estava preparada uma rica refeição. Junto dos vinhos mais doces encontrava-se todo o tipo de pastelaria e doçaria susceptível de tentar o apetite de uma jovem.

Hieronyma, que, segundo parecia, não estava ao corrente, olhou para a grande mesa com uma estupefacção que rapidamente se transformou em cólera:

O que é isto? Eu não ordenei nada disto!

Não. Fui eu e tu conceder-me-ás, espero, o direito de dar ordens na minha própria casa!

Mas porquê? Porquê?

Esta noite recebo aquela que é, certamente, a mulher mais bonita de Florença, aquela que será, amanhã, a Rainha... e que é minha sobrinha. Devemos festejar condignamente um acontecimento tão alegre.

Ele próprio encheu uma taça de malvasia e, mergulhando o seu olhar no de Fiora, molhou os lábios no vinho antes de lho oferecer, para mostrar que não tinha que temer qualquer veneno. Em seguida encheu uma para si próprio e ergueu-a: