Tyrer correu mais uma vez para a bacia. McFay permaneceu na porta, apreensivo.
— Pelo amor de Deus, George, o Sr. Struan vai ou não ficar bom?
— Não sei! — explodiu Babcott, sua impotência incessante por não saber aflorando como raiva, sem compreender por que alguns pacientes sobreviviam e outros com ferimentos menos graves morriam, por que alguns ferimentos infeccionavam e outros saravam. — Ele perdeu muito sangue. Costurei um intestino cortado, três talhos profundos, há ainda três veias e dois músculos para serem reparados e o ferimento a ser fechado, e só Deus sabe quanta sujeira veio do ar para infeccioná-lo, se é daí que vem a doença ou a gangrena. Mas não sei! Não sei de nada! E agora saiam daqui, procurem aqueles desgraçados do Bakufu e descubram quem fez isso!
— Claro, George, e peço desculpas por interrompê-lo — murmurou McFay, na maior preocupação, chocado com a veemência de Babcott, normalmente imperturbável. — Tentaremos... Dmitri está comigo... mas já sabemos quem foi... pressionamos o chinês que é dono de uma loja na aldeia. É muito estranho, todos os samurais eram de Satsuma, e...
— Onde fica isso?
— Ele disse que é um reino perto de Nagasáqui, na ilha do sul, a cerca de mil quilômetros de distância, e...
— E o que eles estão fazendo aqui?
— O chinês não sabia, mas jurou que eles estavam passando a noite em Hodogaya... é uma estação de posta na Tokaidô, Phillip, a uns quinze quilômetros daqui.... e que acompanhavam seu rei.
3
Sanjiro, senhor de Satsuma, olhos rasgados e implacáveis — um homem corpulento, barbado, de quarenta e dois anos, suas espadas de valor inestimável, o manto azul da mais pura seda —, fitou o conselheiro em que mais confiava.
— O ataque foi uma coisa boa ou uma coisa ruim?
— Foi boa, Sire — respondeu Katsumata, em voz baixa, sabendo que havia espiões por toda parte.
Os dois se encontravam sozinhos, ajoelhados de frente um para o outro, nos melhores aposentos de uma estalagem em Hodogaya, uma aldeia de posta na Tokaidô, a apenas três quilômetros da colônia estrangeira.
— Por quê?
Durante seis séculos, os ancestrais de Sanjiro haviam reinado em Satsuma, o mais rico e mais poderoso feudo de todo o Japão — exceto pelos de seus odiados inimigos, os clãs Toranaga —, e resguardado sua independência com todo empenho.
— Vai criar problemas entre o xogunato e os gai-jin — explicou Katsumata, um homem magro, duro como o aço, um espadachim magistral e o mais famoso de todos os sensei, mestres de artes marciais, na província de Satsuma. — Quanto mais esses cães tiverem conflitos, mais cedo entrarão em choque, e isso ajudará a derrubar os Toranagas e seus fantoches, permitindo-lhe instituir um novo xogunato, um novo xógum, novas autoridades, com Satsuma assumindo uma posição preeminente, e meu senhor integrando um novo roju.
Roju era outro nome para o Conselho de Cinco Anciãos, que governava em nome do xógum.
Um membro do roju? Por que apenas isso?, pensou Sanjiro, secretamente. Por que não o Chefe dos Ministros? Por que não o xógum? Afinal, tenho toda a linhagem necessária. Dois séculos e meio de xóguns de Toranaga são mais do que suficientes. Nobusada, o décimo quarto, deve ser o último... e pela cabeça de meu pai, será o último!
O xogunato fora instituído pelo belipotentado Toranaga, em 1603, depois de vencer a batalha de Sekigahara, onde suas legiões tomaram as cabeças de quarenta mil inimigos. Com Sekigahara, ele eliminara toda a oposição prática, e pela primeira vez na história subjugara Nipão, a terra dos deuses, como os japoneses chamavam seu país, impondo o domínio de um só.
Esse brilhante general e administrador, agora dispondo do poder temporal absoluto, aceitara agradecido o título de xógum, o mais alto posto que um mortal dia ocupar, de um imperador impotente, que o confirmara legalmente como ditador. Sem hesitar, ele tornara seu xogunato hereditário, ao mesmo tempo em que decretara que, no futuro, todas as questões temporais seriam da competência exclusiva do xógum, enquanto as questões espirituais ficariam a cargo do imperador.
Durante os últimos oito séculos, o imperador, o filho do céu, e sua corte haviam vivido em isolamento, dentro dos muros do Palácio Imperial, em Quioto. Só uma vez por ano ele deixava os muros de seu palácio, a fim de visitar o santuário sagrado de Ise, mas mesmo então era oculto de todos os olhos, seu rosto jamais visto em público. Mesmo no palácio, ele era resguardado de todos, com exceção da família imediata, por autoridades zelosas e hereditárias e por protocolos antigos e místicos.
Assim, o belipotentado que controlava os portões do palácio imperial, decidindo quem entrava e saía, exercia o controle de fato do imperador e seu ouvido, o que lhe proporcionava influência e poder. E embora todos os japoneses acreditassem absolutamente que ele era divino, e aceitavam-no como filho do céu, descendente da deusa do sol, numa linhagem ininterrupta desde o princípio dos tempos, pelo costume histórico o imperador e sua corte não tinham exércitos, e nenhuma outra fonte de renda que não a concedida pelo senhor da guerra em seus portões... anualmente, ao capricho do homem.
Por décadas, o xógum Toranaga, seu filho e neto reinaram com sabedoria, mas também com um controle impiedoso. As gerações seguintes afrouxaram esse poder absoluto, autoridades inferiores usurparam mais e mais influência, e foram aos poucos convertendo seus cargos em hereditários também. O xógum permaneceu como o chefe titular, mas há um século ou mais se tornara um fantoche... mas sempre e apenas escolhido da linhagem Toranaga, o que também acontecia com o Conselho de Anciãos. O atual xógum, Nobusada, fora escolhido quatro anos antes, quando tinha doze anos de idade.
E não continuaria por muito tempo neste mundo, prometeu Sanjiro a si mesmo, antes de retornar ao problema atual, que o perturbava.
— Katsumata, o ataque, embora merecido, pode ser uma provocação excessiva para os gai-jin, o que seria prejudicial para Satsuma.
— Não vejo nada de ruim no que aconteceu, Sire. O imperador também quer que os gai-jin sejam expulsos, assim como a maioria dos daimios. E o fato de que os dois samurais eram Satsumas vai agradar ao imperador. Não se esqueça de que sua missão em Iedo foi consumada com êxito.