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Três meses antes, Sanjiro persuadira o imperador Komei, através de intermediários na corte imperial, em Quioto, a assinar pessoalmente vários “desejos”, todos sugeridos por Sanjiro, e a designá-lo para escoltar o mensageiro imperial que entregaria o pergaminho em Iedo, o que garantiria sua aceitação — um “desejo” do imperador, se aceito, era às vezes difícil de recusar. Nos dois últimos meses, ele conduzira negociações delicadas. Apesar de toda a resistência dos anciãos e das autoridades ao Bakufu, acabara por prevalecer, e agora contava com o assentimento por escrito deles para determinadas reformas, destinadas a enfraquecer todo o xogunato. O mais importante, agora ele dispunha do consentimento formal para cancelar o odiado tratado, assinado contra a vontade do imperador, expulsar os odiados gai-jin e fechar o país, como era antes da indesejável chegada e entrada forçada de Perry.

— Mas o que devemos fazer com aqueles dois idiotas que deixaram a formação e mataram sem ordens? — perguntou Sanjiro.

— Qualquer coisa que embarace o Bakufu vai ajudá-lo.

— Concordo que os gai-jin foram provocadores. Aqueles vermes não tinham o direito de ficar perto de mim. Meu estandarte e o estandarte imperial estavam na frente do cortejo, proibindo.

— Portanto, vamos deixar que os gai-jin sofram as conseqüências por seu ato. Forçaram o desembarque em nossas praias, contra o nosso desejo, e se instalaram em Iocoama. Com os homens que temos agora, e um ataque de surpresa à noite, poderíamos destruir a colônia com a maior facilidade, e incendiar todas as aldeias ao redor. Poderíamos fazer isso esta noite, e resolver o problema em caráter permanente.

— Iocoama, sim, com um ataque súbito. Mas não podemos alcançar sua esquadra, neutralizar seus canhões.

— Tem razão, Sire. E os gai-jin retaliariam imediatamente. A esquadra bombardearia Iedo e a destruiria.

— Quanto a isso, não me importo. Mas não destruiria o xogunato, e depois de Iedo eles se voltariam contra mim e atacariam minha capital, Kagoshima. Não posso correr esse risco.

— Creio que Iedo os satisfaria, Sire. Se sua base for queimada, eles teriam de voltar a seus navios e partir, de volta a Hong Kong. Em algum momento, no futuro, podem retornar, mas precisariam desembarcar com efetivos consideráveis para instalar uma nova base. E, pior ainda, teriam de recorrer a forças de terra para mantê-la.

— Eles humilharam a China. Possuem uma máquina de guerra invencível.

— Isto não é a China, e não somos chineses hipócritas e covardes para sangrarmos até a morte, e nos apavorarmos com esses abutres. Dizem que querem apenas comerciar. Pois muito bem, também queremos comerciar, adquirir armas de fogo, canhões, navios.

Katsumata sorriu e depois acrescentou, insinuante:

— Sugiro que se incendiarmos e destruirmos Iocoama... claro que fingiríamos que o ataque é a pedido do Bakufu, a pedido do xógum... quando os gai-jin voltarem, quem controlar o xogunato na ocasião concordaria, com uma relutância ostensiva, em pagar uma modesta indenização, e em troca os gai-jin concordarão com todo prazer em rasgar seus vergonhosos tratados, e negociar sob quaisquer condições que quisermos impor.

— Eles nos atacariam em Kagoshima — insistiu Sanjiro. — E não poderíamos repeli-los.

— Nossa baía é perigosa para a navegação, não é aberta como a de Iedo, temos baterias secretas na praia, com canhões holandeses, e nos tornamos mais fortes a cada mês que passa. Esse ato de guerra dos gai-jin uniria todos os daimios, todos os samurais, o país inteiro, numa força irresistível, sob o seu estandarte. Os exércitos dos gai-jin não podem vencer em terra. Afinal, esta é a terra dos deuses, que também virão em nossa ajuda. — Katsumata falava com veemência, não acreditando em nada daquilo, mas manipulando Sanjiro, como vinha fazendo há anos. — Um vento divino, um vento camicase, destruiu as armadas do mongol Kublai Khan há seiscentos anos. Por que isso não pode acontecer de novo?

— É verdade — concordou Sanjiro. — Os deuses nos salvaram naquela ocasião. Mas gai-jin são gai-jin, são vis e insidiosos, e quem sabe que perversidade podem inventar? É tolice convidar a um ataque pelo mar, enquanto não tivermos vasos de guerra... embora seja certo que os deuses estão do nosso lado, e nos protegerão.

Katsumata riu para si mesmo. Não há deuses, nenhum deus, nem céu, nem vida depois da morte. É estúpido acreditar no contrário, os gai-jin são estúpidos, com seus dogmas estúpidos. Acredito no que o grande ditador Nakamura disse, em seu poema da morte: Do nada para o nada, o castelo Osaka e tudo o que já fiz não passam de um sonho dentro de um sonho.

— A colônia dos gai-jin está ao nosso alcance, como nunca antes. Os dois jovens aguardando julgamento apontaram um caminho. Suplico que o siga. — Katsumata hesitou, baixou a voz ainda mais. — Correm rumores, Sire, de que secretamente eles são shishi.

Os olhos de Sanjiro contraíram-se mais ainda.

Os shishi — homens de espírito, assim chamados por causa de sua bravura e de seus feitos — eram jovens revolucionários que vinham desfechando uma revolta sem precedentes contra o xogunato. Representavam um fenômeno recente, e calculava-se que não eram mais do que cento e cinqüenta, em todo o país.

Para o xogunato, e a maioria dos daimios, não passavam de terroristas e loucos, que deviam ser exterminados.

Para a maioria dos samurais, em particular os guerreiros comuns, eram legalistas travando uma batalha total para o bem, querendo obrigar os Toranagas a renunciar ao xogunato, e restaurar todo o poder do imperador, de quem fora usurpado, eles acreditavam com um fervor absoluto, pelo senhor da guerra Toranaga, há dois séculos e meio.

Para muitos plebeus, camponeses e mercadores, em particular para o mundo flutuante de gueixas e casas do prazer, os shishi eram tema de lenda, cantados, chorados, adorados.

Todos eram samurais, jovens idealistas, a maioria procedente dos feudos de Satsuma, Choshu e Tosa, uns poucos eram xenófobos fanáticos, a maioria era ronin — homens das ondas, por serem tão livres quanto as ondas —, samurais sem amo, ou samurais proscritos por seus senhores por desobediência ou algum crime, fugidos de sua província para escapar à punição, ou que haviam partido por opção própria, crendo numa nova e afrontosa heresia: a de que podia existir um dever maior do que era devido a seu senhor ou sua família, um dever exclusivo para com o imperador reinante.