— Tem toda razão, Sire... como sempre — declarou Katsumata. — Mas é possível que alguns homens assim, se forem homens de honra especiais, sabendo que perturbaram sua harmonia, sabendo que não teria alternativa que não puni-los com rigor, é possível que esses homens especiais, mesmo se tornando ronin, ainda zelassem por seus interesses, talvez mesmo os promovessem.
— Tais homens não existem — disse Sanjiro, secretamente satisfeito por seu conselheiro concordar com ele. Virou os olhos impiedosos para os dois jovens e acrescentou: — Existem?
Os dois jovens tentaram manter um olhar direto, mas se sentiram sufocados e baixaram a cabeça. Shorin, o mais velho, murmurou:
— Há homens assim, Sire.
O silêncio se tornou ainda mais opressivo, enquanto Sanjiro esperava que o outro jovem também se declarasse. Depois, o mais jovem, Ori, acenou com a cabeça abaixada, de forma quase imperceptível, encostou as mãos no tatame e se inclinou ainda mais.
— Eu concordo, Sire.
Sanjiro ficou satisfeito, pois agora, sem qualquer custo, contava com a fidelidade deles, e tinha dois espiões dentro do movimento... pelos quais Katsumata seria o responsável.
— Tais homens seriam úteis, se existissem. — Sua voz era brusca e decidida. — Katsumata, escreva imediatamente uma carta ao Bakufu, informando que dois goshi chamados...
Ele fez uma pausa, pensativo, sem prestar qualquer atenção aos sussurros na sala.
— Ponha os nomes que você quiser. Comunique que eles saíram da formação, mataram alguns gai-jin hoje, por causa de sua atitude provocadora e insolente. Os gai-jin estavam armados com pistola, que apontaram para o meu palanquim, ameaçadores. Esses dois homens, provocados como todos os meus demais homens escaparam antes de ser detidos. — Sanjiro tornou a olhar para os jovens. — Quanto a vocês dois, terão de voltar na vigia da primeira noite para a punição. Katsumata apressou-se em interferir:
— Sire, posso sugerir que acrescente na carta que eles foram declarados proscritos, proclamados ronin, seus estipêndios cancelados, e uma recompensa oferecida por suas cabeças?
— Dois koku. Poste em suas aldeias, quando voltarmos.
Sanjiro tornou a olhar para Shorin e Ori, acenou com a mão em dispensa. Os dois fizeram uma reverência profunda e se retiraram. Ele ficou satisfeito ao ver as marcas de suor nas costas dos quimonos, embora a tarde não fosse quente.
— Katsumata, sobre Iocoama — disse Sanjiro, em voz baixa, quando ficaram a sós outra vez. — Mande alguns dos nossos melhores espiões verificarem o que está acontecendo por lá. Ordene que voltem antes do anoitecer e providencie para que todos os samurais se aprontem para a batalha.
— Pois não, Sire.
Katsumata não permitiu que o sorriso aflorasse em seus lábios.
Depois que os jovens passaram pelos círculos de guardas, Katsumata alcançou-os e disse:
— Venham comigo.
Ele seguiu à frente, por caminhos sinuosos pelos jardins, até uma porta lateral, que se encontrava desguarnecida.
— Sigam imediatamente até Kanagawa, procurem a estalagem das Flores da Meia-Noite. É um lugar seguro e outros amigos esperam ali. Depressa!
— Mas, sensei — protestou Ori —, devemos primeiro pegar nossas outras espadas, armaduras, dinheiro e...
— Silêncio! — furioso, Katsumata enfiou a mão pela manga do quimono, tirou uma bolsa pequena, com umas poucas moedas, e entregou-a aos homens. — Levem isto, e devolvam o dobro pela insolência. Ao pôr-do-sol, mandarei que homens saiam atrás de vocês, com ordens para matá-los, se foram apanhados a menos de uma ri.
Uma ri era uma légua, cerca de cinco quilômetros.
— Está bem, sensei. Peço desculpas por ser tão insolente.
— Não aceito seu pedido de desculpas. São ambos tolos. Deveriam ter matado todos os quatro bárbaros, não apenas um... em particular a mulher, pois isso deixaria os gai-jin loucos de raiva. Quantas vezes tenho de lhes dizer? Eles não são civilizados como nós, encaram o mundo, a religião e as mulheres de uma maneira diferente. Vocês são ineptos, completamente idiotas. Iniciaram um bom ataque, e depois deixaram de pressionar, implacáveis, sem se preocuparem com suas próprias vidas. Hesitaram, e por isso perderam. Tolos! Esqueceram tudo o que lhes ensinei!
Dominado pela raiva, ele desfechou um golpe violento no rosto de Shorin com o dorso da mão. No mesmo instante, Shorin se inclinou, murmurou um pedido de desculpas abjeto por fazer com que o sensei perdesse a wa, perdesse a harmonia interior, mantendo a cabeça baixa e tentando desesperadamente ignorar a dor. Ori permaneceu imóvel, rígido, esperando pelo segundo golpe, que deixou a pele lívida, ardendo. Também se desculpou, submisso, manteve baixa a cabeça latejando, apavorado. No passado distante, um companheiro de estudos, o melhor espadachim da tuma, respondera rudemente a Katsumata, durante uma prática de luta. Sem hesitação, Katsumata enfiara sua espada na bainha, atacara com as mãos nuas, desarmara-o, humilhara-o, expulsara-o de volta à sua aldeia, para sempre.
— Por favor, perdoe-me, sensei — balbuciou Shorin.
— Vão para a estalagem das Flores da Meia-Noite. Quando eu enviar uma mensagem, obedeçam imediatamente, não importa o que eu ordene, pois não terão uma segunda oportunidade! Imediatamente, entendem?
— Entendemos, sensei, e nos perdoe, por favor — murmuraram os dois. Eles suspenderam seus quimonos e se afastaram apressados, gratos por ficaram fora de seu alcance, com mais medo de Katsumata do que de Sanjiro. Katsumata fora seu mestre por anos, tanto nas artes da guerra como, em segredo, nas outras artes: estratégia, passado, presente e futuro, porque o Bakufu fracassara em seu dever, os Toranagas também, por que devia haver mudanças, e como promovê-las. Katsumata era um dos poucos shishi clandestinos que era um hatomoto — um honrado servidor, com acesso instantâneo a seu senhor —, um veterano samurai, com um estipêndio anual de mil koku.
— Puxa, como deve ser bom ser tão rico! — sussurrara Shorin para Ori, ao descobrirem isso.
— O dinheiro não é nada, absolutamente nada. O sensei diz que quem tem poder não precisa do dinheiro.
— Concordo, mas pense em sua família, em seu pai e no meu, e no avô, como eles poderiam comprar suas próprias terras, não precisariam mais trabalhar nos campos dos outros... nem teriam de fazer as coisas que fazemos de vez em quando para ganhar um extra.
— Tem razão — admitira Ori. Shorin soltara uma risada.
— Mas não se preocupe, pois nunca teremos sequer cem koku... e se tivéssemos, gastaríamos nossa parte em mulheres e saquê, e nos tornaríamos daimios do mundo flutuante. Mil koku é todo o dinheiro do mundo!