— Fiquem quietos, pelo amor de Deus! — gritou ele. No súbito silêncio, o escocês acrescentou: — Depressa, conte-nos o que aconteceu. Onde está o jovem Sr. Struan?
— Oh, Jamie, je... eu... eu... — A moça fez um esforço desesperado para se controlar, completamente desorientada. — Oh, Mon Dieu!
O escocês levantou a mão, afagou seu ombro, como se fosse uma criança, para tranqüilizá-la, adorando-a, como todos os outros.
— Não precisa mais se preocupar, pois está sã e salva agora, Srta. Angelique. Não se apresse. Dêem espaço para ela respirar, pelo amor de Deus! — Jamie McFay tinha trinta e nove anos, era o gerente de Struan no Japão. — Agora, conte-nos o que aconteceu.
Ela passou a mão pelo rosto para remover as lágrimas, os cabelos fulvos desgrenhados.
— Nós... fomos atacados... atacados por samurais. — Era um fio de voz, com um sotaque agradável. Todos esticaram o pescoço para ouvir melhor. — Estávamos... estávamos na estrada grande... — A moça tornou a apontar para o interior. — Foi nessa direção.
— A Tokaidô?
— Isso mesmo, a Tokaidô...
Essa grande estrada litorânea, que passava a quase dois quilômetros a oeste da colônia, ligava a capital proibida do xógum, ledo, trinta quilômetros para o norte, ao resto do Japão, também proibido para todos os estrangeiros.
— Estávamos... passeando... — Ela fez uma pausa, e depois as palavras foram despejadas depressa: — O Sr. Canterbury, Philip Tyrer, Malcolm... o Sr. Struan... e eu andávamos a cavalo pela estrada, e encontramos... uma longa fila de samurais, com bandeiras, esperamos para deixá-los passar, e de repente... de repente dois deles correram para nós, feriram monsieur Canterbury, atacaram Malcolm... o Sr. Struan... arrancando sua pistola, e Philip, que me gritou para fugir, ir buscar ajuda.
A tremedeira recomeçou, e a moça gritou:
— Depressa! Eles precisam de ajuda!
Já havia homens correndo para os cavalos, em busca de mais armas. Gritos irados soaram:
— Alguém chame os soldados...
— Samurais pegaram John Canterbury, Struan e aquele garoto chamado Tyrer, foram atacados na Tokaidô.— Por Deus, ela diz que samurais mataram alguns dos nossos homens!
— Onde isso aconteceu? — gritou Jamie McFay, acima do barulho, contendo sua frenética impaciência. — Pode descrever o lugar em que isso aconteceu, onde exatamente?
— Na beira da estrada, antes de Kana... Kana alguma coisa.
— Kanagawa? — indagou ele, indicando uma pequena estação de muda e aldeia de pescadores na Tokaidô, a um quilômetro e meio de distância pela baía, mais de cinco quilômetros pela estrada.
— Oui... isso mesmo, Kanagawa! Depressa!
Os homens já começavam a tirar os cavalos do estábulo de Struan, selados e prontos. Jamie jogou um fuzil ao ombro.
— Não se preocupe. Vamos encontrá-los num instante. Mas como está o Sr. Struan? Viu se ele escapou... se foi ferido?
— Non. Só vi o começo da confusão, pobre Sr. Canterbury, ele... eu me encontrava ao seu lado quando... — As lágrimas escorriam. — Não olhei para trás, obedeci sem... vim buscar ajuda.
Seu nome era Angelique Richaud. Tinha apenas dezoito anos. E aquela fora a primeira vez em que passara da cerca.
McFay pulou para a sela e disparou com o cavalo, Cristo Todo-Poderoso, pensou ele, angustiado, já não tínhamos qualquer problema há um ano ou mais, caso contrário nunca teria permitido que saíssem. Sou o responsável, Malcolm é o herdeiro, e eu sou o responsável! Em nome de Deus, o que terá acontecido?
Não demorou muito para que McFay, uma dúzia ou por aí de mercadores, um oficial dos dragões e três de seus lanceiros encontrassem John Canterbury à beira da Tokaidô, mas a cena era terrível. Ele fora decapitado, e partes dos braços e pernas espalhavam-se pelas proximidades. Havia cortes profundos de espada por todo o seu corpo, e quase que qualquer um dos golpes já teria sido mortal. Não havia sinal de Tyrer e Struan, nem da coluna de samurais. Nenhuma das pessoas que passavam por ali sabia alguma coisa sobre o ataque, quem o cometera, quando ou por quê.
— Será que os outros dois foram seqüestrados, Jamie? — perguntou um americano, nauseado.
— Não sei, Dmitri. — McFay tentou pôr o cérebro para funcionar. — É melhor alguém voltar, avisar a Sir William e trazer... uma mortalha ou um caixão.
O rosto pálido, ele estudou as pessoas que passavam pela estrada; todas tomavam o cuidado de não olhar em sua direção, mas observavam tudo.
Aquela estrada de terra batida, bem cuidada, estava atulhada de fluxos disciplinados de viajantes, para e de ledo, que um dia seria chamada de Tóquio. Homens, mulheres e crianças, de todas as idades, ricos e pobres, todos japoneses, à exceção de um ou outro chinês numa túnica comprida. A predominância era de homens todos usando quimonos, de vários estilos e modéstia, com muitos chapéus diferentes, de pano e palha. Mercadores, carregadores seminus, monges budistas de túnica laranja, camponeses indo e vindo do mercado, profissionais itinerantes, adivinhos, escribas, mestres e poetas. Muitas liteiras e palanquins, de todos os tipos, para pessoas ou objetos, com dois, quatro, seis ou oito carregadores. Os poucos samurais na multidão lançavam olhares rancorosos para os estrangeiros ao passarem.
— Eles sabem quem fez isso — comentou McFay.
— Claro. Matyeryebitz’. — Dmitri Syborodin, o americano, corpulento, cabelos castanhos, de trinta e oito anos, mal vestido, amigo de Canterbury, estava fervendo de raiva. — Será muito fácil obrigar um deles a falar.
Foi então que notaram uma dúzia, ou mais, de samurais parados na estrada, formando um grupo, mais adiante, a observá-los. Muitos tinham arco e flecha, e todos os ocidentais sabiam como os samurais eram hábeis arqueiros.
— Não será tão fácil, Dmitri — disse McFay.
Pallidar, o jovem oficial dos dragões, interveio na conversa, em tom incisivo:
— Seria bem fácil dominá-los, Sr. McFay, mas também seria uma imprudência, sem permissão... a menos que nos ataquem, é claro. Estão seguros.