— Edward, ela está, não é? — perguntou Pallidar, cavalgando ao lado de Gornt, no outro lado da pista. — Ahn... atrasada?
— Sim, senhor, é o que indicam todos os cálculos.
Gornt contemplou-a, ponderando sobre o que faria agora. Ela montava o pônei preto que Malcolm lhe dera, usava um traje de montaria preto, elegante, botas pretas, um chapéu com meio véu.
— Seu alfaiate é muito bom, as roupas assentam com perfeição — comentou ele. — Nunca tinha visto esse traje antes.
— E não se pode deixar de reconhecer que ela também tem um assento muito bom — disse Pallidar, secamente.
Os dois riram.
— Mas ela cavalga como um sonho, não resta a menor dúvida quanto a isso, deslumbrante como qualquer beldade sulista.
— Falando sério, o que você acha? Há todos os tipos de rumores circulando sobre datas, não muitos de nós jamais tiveram... não muitos de nós sabem sobre o incômodo, os intervalos, essas coisas. Tem algum dinheiro apostado?
Tanto que você nem acreditaria, pensou Gornt.
— Perguntei ontem a Hoag, à queima-roupa.
— Por Deus, assim de repente? Eu nunca teria coragem, meu velho — Pallidar inclinou-se para mais perto, montado num castrado castanho dos dragões muito maior que o pônei de Gornt. — O que ele disse?
— Respondeu que não sabe mais do que nós. E, conhecendo-o, acredito
Gornt disfarçava sua impaciência por perder a companhia de Angelique. Haviam combinado que simulariam evitar um ao outro, até que ela tivesse certeza se estava ou não grávida. Nada poderia ser feito antes disso... ou até o segundo mês.
— O dia certo seria 11 ou 12, mas Hoag explicou que poderia atrasar, mas não muito, demorar um pouco para... começar. Se não vier, é que ela está esperando.
— Faz a gente pensar, hem? Difícil para ela se estiver, a pobre coitada, mais do que difícil, quando a gente se lembra de Hong Kong, Tess e todos os problemas. Pior ainda se não estiver, a se acreditar nos rumores... não sei qual seria o mais terrível.
Cornetas começaram a soar no penhasco por cima da pista, onde ficava o acampamento dos soldados; havia mil soldados ali.
— Droga! — murmurou Pallidar.
— O que é?
— Um toque de “retorno à base”. O general deve estar de ressaca e quer rosnar para todo mundo.
— Vai com Sir William amanhã?
— À conferência com Yoshi em Kanagawa? Acho que sim. Sempre me mandam para essas coisas. É melhor eu ir logo. Vamos jantar juntos?
— Seria um prazer.
Gornt observou Pallidar fazer uma volta impecável com o cavalo e partir a galope, misturando-se aos outros oficiais, que seguiam na mesma direção. Notou que Hoag vinha da colônia para o circuito. O médico montava bem, confortável na sela para um homem tão volumoso. Decidindo interceptá-lo, Gornt esporeou seu pônei — um garanhão castanho, o melhor no estábulo da Brock — para meio trote, mas depois mudou de idéia. Já cavalgara o suficiente hoje. E muito em breve teriam notícias, pois Hoag nunca seria capaz de guardar um segredo para si mesmo. Antes de deixar a pista, ele acenou para Angelique e gritou:
— Bom dia, madame! É uma alegria para os olhos num dia tão frio! Ela levantou os olhos, arrancada de seu mundo pessoal.
— Ahn... Obrigada, Sr. Gornt.
Ele percebeu sua melancolia, mas Angelique sorriu-lhe. Tranquilizado, Gornt se afastou a trote. Não havia necessidade de pressioná-la. Primeiro, ela está ou não? Qualquer que seja o caso, não é problema para mim.
Angelique ficara satisfeita ao vê-lo, apreciando sua admiração ostensiva, elegância e virilidade. A tensão da espera, permanecendo sozinha, atendo-se ao regime de luto, reprimindo segredos, começava a transparecer. As únicas distrações que se permitia agora eram os passeios matutinos a cavalo, as caminhadas ocasionais pelo passeio, a leitura de tantos livros quanto podia encontrar, as conversas com Vargas sobre seda e bicho-da-seda, na tentativa de ressuscitar o entusiasmo anterior. E, de repente, ela avistou Hoag.
Hoag! Se continuasse no mesmo ritmo, acabaria por alcançá-la. Poderia evitá-lo se trotasse o cavalo; seria ainda mais fácil voltar para casa.
— Bom dia, monsieur le docteur. Como tem passado?
— Olá, Angelique. Você está com uma ótima aparência.
— Não estou, não. Sinto o maior mal-estar. De qualquer forma, obrigada. — Uma ligeira hesitação e ela acrescentou, casuaclass="underline" — Uma mulher nunca se sente bem durante esse período do mês.
Surpreso, Hoag puxou as rédeas. Sua égua levantou a cabeça, relinchou, assustando a montaria de Angelique. Os dois logo recuperaram o controle dos animais.
— Desculpe — disse ele, a voz rouca. — Eu... esperava o oposto.
A manifestação súbita e indiferente deixaram-no tão aturdido que ele quase disse: Tem certeza? Devo estar ficando velho, pensou Hoag, irritado consigo por não ter percebido o óbvio... o óbvio agora que sabia.
— Bom, pelo menos você já sabe.
— Sinto um terrível desapontamento, por Malcolm, mas de certa forma parece que não... me atormenta mais. Chorei muito, é claro, mas agora...
O ar inocente de Angelique fez com que ele tivesse vontade de abraçá-la, confortá-la.
— Com todo o resto, Angelique, isso é compreensível. Talvez seja melhor assim. Eu lhe disse antes: enquanto for capaz de chorar, nada poderá afetá-la para sempre. Posso perguntar quando começou?
Mais toques de corneta vieram do penhasco.
— O que está acontecendo? Vi Settry e outros oficiais partirem a galope.
— As cornetas estão apenas chamando os oficiais de volta ao acampamento, rotina, não há com que se preocupar. — Hoag olhou ao redor, para se certificar de que não havia ninguém por perto, depois soltou uma risada nervosa. — Obrigado por me avisar, embora de uma forma um tanto abrupta. Podemos conversar enquanto cavalgamos?
— Claro.— Angelique sabia muito bem por que lhe contara. Por ter visto Gornt hoje e pela chegada conveniente de Hoag. E também porque queria que a luta fosse logo iniciada. — Começou no domingo.
— Não sei o que dizer, se deve se considerar afortunada ou desafortunada. — Nenhuma das duas coisas. Foi a vontade de Deus e aceito-a. Lamento por Malcolm, não por mim. Para mim, é a vontade de Deus. O que vai fazer agora? Informá-la?
— Isso mesmo, mas primeiro tenho de lhe entregar uma carta. Foi a vez de Angelique ficar surpresa.
— Tinha uma carta durante todo esse tempo e não a entregou?
— Ela me pediu para só entregar se você não estivesse esperando uma criança de Malcolm.
— Hum... — Angelique pensou a respeito por um momento, sentindo-se um pouco nauseada. — E se eu estivesse grávida?
— Trata-se de uma pergunta hipotética agora, não é mesmo?