— Eu também, mas este não é o momento.
— O quê?
— O grande Dirk Struan maltratou a família de minha mãe, os Tillmans, não tanto quanto Morgan, mas o que ele fez foi uma indignidade. — O sorriso de Gornt era cruel. — Se eu posso destruir os Brocks, por que não os Struans? É tudo a mesma coisa para mim. A vingança é uma refeição que podemos comer juntos, lentamente, pouco a pouco.
— Podemos? — Angelique experimentou um súbito calor no ventre; ele parecia muito bonito, forte e confiante. — Como?
— Primeiro, o que Skye disse?
— Disse que eu deveria lutar e me mostrou as petições que preparou para apresentar em Hong Kong, Londres e Paris...
— Paris? Por que Paris?
Angelique explicou a posição de “tutelada do Estado”.
— Ele diz que em Paris, com a proteção da França como um fato, podemos vencer, o casamento será declarado legal de acordo com a lei francesa e, depois, poderei fazer um acordo pelo meu critério, não o dela.
— Ele mencionou os honorários, Angelique?
Ela corou.
— Isso nada tem a ver com seu conselho.
— Bobagem — disse Gornt, a voz ríspida. — Nossa única segurança é enfrentar a verdade e compreender o jogo como é. Aquele pequeno bastardo... desculpe o termo, mas o uso com conhecimento de causa, ele é isso mesmo, descobri em Hong Kong... aquele pequeno bastardo só está pensando no próprio futuro, não no seu, imaginando-se em vários tribunais a defender essa pobre e linda viúva francesa, emocionando vários júris... e perdendo em todos.
— Não entendo... Por quê?
— Malcolm não deixou nenhuma herança.
— Mas... mas o Sr. Skye diz que, segundo a lei francesa...
— Acorde, Angelique!
A voz era ainda mais ríspida. Era vital que ela se livrasse daquela ira estúpida e inútil.
No momento em que entrara no boudoir, vira a raiva e os lábios comprimidos de Angelique, a carta tremendo em sua mão, ele compreendera que era a carta de que Hoag lhe falara, o que significava que não havia uma criança; agora o plano ‘A’ podia começar a ser executado. Sua alegria disparara.
Fingindo não saber de nada, Gornt apresentara cumprimentos efusivos, que haviam sido dispensados, a carta estendida em sua direção, a fúria tornando-a ainda mais atraente... a paixão boa para ambos, pensara ele, satisfeito. Mas agora devia ser canalizada e refinada, como a dele.
— Skye só tem presunção! Acorde!
— Estou acordada. Ele não é assim e não pense...
— Pare com isso! Use a cabeça, pelo amor de Deus! É você quem corre todos os riscos, não ele!
Por um instante, Gornt especulou mais uma vez sobre a segunda carta de Tess, O que conteria. Mas agora ninguém jamais saberia, pois Hoag dissera que parte do seu acordo com Tess era queimar a outra, sem abri-la, antes de entregar esta. Hoag realmente fizera isso ou a teria lido antes de queimá-la, apesar do juramento solene de cumprir todos os desejos dela? Eu bem que gostaria de saber, mas isso não passa, afinal, do glacê do bolo.
— Angelique, minha cara Angelique... — Ele jogou a carta na mesa, como se fosse uma coisa suja, mas achando que era maravilhosa, levantou-se, foi sentar ao lado de Angelique, pegou sua mão. — Paris, a lei francesa e todo o resto são apenas em benefício de Skye, não o seu. Mesmo que ele ganhasse, eu apostaria dez mil contra um que a decisão não teria qualquer efeito em Tess Struan e Hong Kong...
Como ela fizesse menção de interromper, ele alteou a voz para continuar:
— Não temos muito tempo e você precisa ser sensata. Enquanto você pede emprestado, mendiga ou se vende para pagar os custos dos processos, sem falar nos honorários de que ele precisa, acabará perdendo esta oportunidade. Ele só dispõe de uns poucos dólares. Como vai chegar a Hong Kong, muito menos a Londres e Paris? Não passa de um sonho irreal.
Angelique retirou a mão, bruscamente. Ele riu.
— Você é como uma pirralha mimada e a amo por isso!
— Você... — Ela parou. — É mesmo?
— Eu a amo ou acho que é uma pirralha mimada?
Com uma voz diferente, Angelique disse:
— As duas coisas.
— As duas coisas — murmurou Gornt, também com uma voz diferente. Ele tornou a pegar a mão de Angelique, sorriu quando ela tentou retirá-la. E desta vez não permitiu. Com uma firmeza igual e gentil, puxou-a e beijou-a, com ardor. A reação dela foi imediata, logo diminuiu, e o prazer prevaleceu. Para ambos. Ao soltá-la, Gornt esquivou-se no mesmo instante, antecipando corretamente que as unhas tentariam golpeá-lo.
— Calma, calma... — murmurou ele, como se enfrentasse um cavalo fogoso, satisfeito por poder avaliá-la. — Calma, Nelly!
Angelique riu, apesar de sua raiva.
— Você é um demônio.
— É possível, mas darei um excelente marido, madame.
O sorriso de Angelique se extinguiu. A raiva se dissipou. Ela se levantou, foi até a janela, contemplou a baía e os navios ali. Uma intensa atividade em torno dos navios de guerra. Gornt observou e esperou, torcendo para que seu julgamento fosse correto. Quando se sentiu pronta, Angelique disse:
— Diz para chegar a um acordo, Edward. Como?
— Eu pegaria o próximo e mais rápido navio para Hong Kong. Iria procurá-la imediatamentee providenciaria as mudanças que você e eu combinássemos, e creio que são possíveis. Tenho certeza que posso aumentar o estipêndio. Cinco em vez de dois ou três mil seriam aceitáveis?
— Ela diz que essas condições repulsivas não serão mudadas.
— Eu as mudarei... algumas.
— Quais?
— Podemos falar sobre isso hoje ou amanhã. Mas posso garantir que estou confiante sobre o dinheiro.
— Mon Dieu, o dinheiro não é tudo e por que tão depressa? Ainda falta muito para o dia marcado.
— Devo ser o primeiro a procurá-la com a notícia, a fim de pegá-la desprevenida. Isso melhora minha posição de barganha. Por você.
Ela virou-se para fitá-lo.
— E também por você.
— Também por mim.
Aquelas voltas e rodeios, riscos e manobras, uma palavra errada podendo ser fatal, eram mais emocionantes do que o melhor jogo de pôquer de que ele já participara, com as apostas mais altas. Ela. Ela e o futuro dele, indissolúveis. E ela conta com a maioria dos ases, disse ele a si mesmo, embora não saiba: a concordância imediata de Angelique com as exigências, por persuasão dele, deixaria Tess mais propícia do que nunca a aceitá-lo como aliado, o que era vital para seu futuro; os cinco mil guinéus o ajudariam a consolidar a Rothwell-Gornt; seu veneno garantiria a destruição de Tess.