Takeda levantou-se.
— Vamos matá-la, para começar.
— Sente-se! — ordenou Hiraga. — Precisamos de Raiko. Ela já demonstrou seu valor no passado e vocês esquecem que nenhuma mama-san merece confiança total. Sente-se, Takeda, e seja lógico. Ela não vai nos trair... não passa de urn bruxa gananciosa, como qualquer outra mama-san. Se você deixar, ela lhe cobrará uma prostituta de terceira classe quando a mulher é apenas uma vagabunda da rua que mal vale um momme de cobre. Meikin nos forneceu boas informações no passado. Foi graças a ela que pegamos Utani, o pederasta. Ela própria foi traída. Yoshi e o Bakufu têm milhares de espiões.
— Não estamos seguros aqui. — Akimoto estremeceu. — Odeio este lugar. Esta Yoshiwara dos gai-jin se acha contagiada pela praga deles. Voto com Takeda Atacar, escapar ou morrer.
— Ainda não. Deixem-me pensar.
Takeda observava-o atentamente.
— Você conhecia essa Meikin?
— Há muitos anos...
Hiraga quase acrescentou que conhecera Koiko também, tentado a lhes contar o verdadeiro motivo para a traição, mas decidiu não fazê-lo, saboreando a maneira como Katsumata morrera. Agora Sumomo está vingada, Koiko também. Agora seus espíritos se tornarão kami ou renascerão no trigésimo primeiro dia, conforme os deuses decidirem... se é que existem deuses. Agora posso esquecê-las, embora elas vivam para sempre.
O sensei suplicando por misericórdia? Todos esses anos a idolatrá-lo, a escutar o que ele dizia? Fomos enganados, pensou Hiraga, revoltado. Não importa, aquele covarde será escarnecido e cuspido por toda parte, muito em breve poemas e peças de teatro contarão como ele traiu Sumomo e Koiko, a vingança da mama-san... e o desejo de morte. Ah, que classe ela tinha!
Involuntariamente, ele soltou uma risada nervosa e imitou a voz estridente de um onnagata — um ator que se especializava em papéis femininos, já que só os homens eram permitidos nos palcos.
— “Um banho e roupas limpas. Por favor?” Os teatros kabuki e de marionetes lotarão casas com isso por gerações.
— Baka ao kabuki! — exclamou Takeda, furioso. — O sensei será vingado. A honra será redimida. Atacaremos esta noite, conforme o planejado, vocês afundam o navio, eu cuido da igreja, e também da outra, e mato todos os gai-jin que encontrar, até morrer. O que diz, Akimoto?
Ele se levantou, foi espiar pela janela. Não faltava muito para a noite. Subitamente, notou o vento agitando os arbustos.
— Olhem! É um sinal dos deuses! O vento está aumentando. E sopra do sul.
Akimoto foi se postar ao seu lado.
— É verdade, Hiraga!
Por um momento, Hiraga hesitou. Seria mesmo um sinal?
— Nada de ataque, não esta noite. Nada de ataque.
Takeda virou-se.
— Pois eu digo que devemos atacar. — Ele olhou para Akimoto. — Você concorda? Sonno-joi!
Akimoto não sabia o que fazer. A raiva e confiança de Takeda eram contagiantes.
— O fogo encobriria a nossa fuga, Hiraga.
— Um pouco, talvez — disse Hiraga, irritado —, mas não uma tentativa de incendiar toda Iocoama.
Seu cérebro ainda oscilava e ele não tinha ainda outra solução que não seu plano final e nenhum meio de pô-lo em execução sem a ajuda de Taira e da remoção da pressão de Yoshi em seu pescoço.
— Amanhã, ou no dia seguinte, pode...
— Esta noite — insistiu Takeda, mal conseguindo conter sua ira. — Esta noite é uma dádiva, os deuses nos falam!
— Nesta época do ano, o vento vai se prolongar. Precisamos de mais homens para incendiar a colônia. Um de nós deve ir a Iedo para buscá-los. Takeda, você poderia ir.
— Como? Você mesmo disse que os vigilantes estão por toda parte. Como?
— Não sei, Takeda. — Trêmulo, Hiraga levantou-se. — Esperem até eu voltar, e depois poderemos decidir. Falarei com Raiko, direi a ela que partiremos amanhã... não será assim, mas direi isso.
— Ela não mais merece confiança.
— Já disse que ela nunca mereceu.
Hiraga saiu e foi encontrá-la.
— Muito bem, Hiraga-sama, vocês podem ficar.
Raiko já dominara o pânico, o conhaque no estômago, permitindo que o destino se tornasse o destino.
— Taira virá aqui esta noite?
— Não, nem amanhã. Mas Furansu-san vem. Sei que vem.
— Mande chamar Taira. Pode fazer isso, não pode?
— Posso, sim, mas o que direi quando ele chegar? — indagou Raiko, apática. No instante seguinte, ela teve um sobressalto, quando Hiraga declarou, os dentes semicerrados:
— Diga a ele, Raiko, que Fujiko decidiu que não deseja mais assinar um contrato, que outro gai-jin a procurou, com uma proposta de negócio melhor.
— Mas o preço do contrato de Fujiko já é fantástico, bom demais, e ele não é nenhum tolo. Vai comparar os preços e o perderei para outra casa. Ele até já visitou algumas. Vou perdê-lo.
— Vai perder a cabeça, se a confusão em que se meteu não for resolvida e o resto do seu corpo bem-alimentado servirá de comida aos peixes.
— Resolver o problema? — Raiko se tornou toda atenção. — Há alguma possibilidade, Hiraga-sama? Tenho uma chance? Conhece algum meio?
— Faça o que eu mandar e talvez eu possa salvá-la. Mande chamar Taira agora.
Hiraga fitou-a com a maior frieza e voltou para junto dos companheiros. Estavam na varanda, observando os arbustos serem inclinados pelo vento.
— Estamos seguros, por um ou dois dias. Takeda disse, desdenhoso:
— Ela nem imagina que está morta, e hoje à noite Iocoama também morrerá será purificada dos vermes.
— Vamos adiar por um dia. Amanhã à noite será melhor.
A ira de Takeda começou a voltar.
— Por quê?
— Quer uma chance de escapar? Desfechar o golpe da morte, mas continuai vivo para apreciá-lo? Todos nós? Concordo com você que o momento chegou. Tem razão nesse ponto, Takeda. Mas amanhã me dá tempo para planejar.
Depois de um momento, Takeda exclamou:
— Akimoto!
— Vamos concordar com o adiamento. Para escapar também... Hiraga é sábio, Takeda, neh?
O silêncio tornou-se imenso.
— Adiamento. Um dia. Concordo.