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Takeda levantou-se, seguiu para seu esconderijo, na casa de chá mais próxima. Uma pausa prolongada e Hiraga sugeriu:

— Akimoto, daqui a pouco vá sentar com ele, tranqüilizá-lo.

— Ele é Satsuma, primo. Katsumata era Satsuma. Hiraga olhou para os arbustos, inclinados pelo vento sul.

— Sente com ele. Tranqüilize-o.

Tyrer ficou transtornado.

— Não contrato, Raiko-san?

— Não, sinto muito. Fujiko mudou de idéia e recebeu uma oferta muito melhor. Sinto muito, mas ela está intransigente.

— Por favor? — suplicou ele, não entendo a maior parte das palavras em japonês.

Ela repetiu e acrescentou:

— Foi por isso que pedi para vê-lo com urgência. Sinto muito. Ela não vai vê-lo, nem esta noite, nem nunca.

A sensação de Tyrer era de que mergulhava num poço sem fundo. Interrogou-a em seu japonês mais polido e melhor, mas Raiko sacudiu a cabeça.

— Sinto muito — disse ela, encerrando a conversa e fazendo uma reverência para dispensá-lo. — Boa noite, Taira-sama.

Como se estivesse embriagado, Tyrer saiu para a varanda. A porta de shoji foi fechada. Ele cambaleou para o caminho através do jardim, praguejou ao perceber que esquecera os sapatos. Atordoado, sentou na varanda para calçá-los, murmurando:

— O que aconteceu?

Três dias atrás, quando voltara com Babcott de Iedo, tudo estava perfeito, o contrato acertado, a não ser por um pequeno detalhe, o pagamento seria efetuado dentro de uma semana. Sua conta anterior fora liquidada com sorrisos e reverências, Fujiko mais amorosa e mais doce do que nunca naquela noite. Quando Raiko enviara um criado à casa que ele partilhava com Babcott, pedindo uma reunião urgente, ele presumira, divertido, que era apenas para assinar o documento. Enviara uma mensagem antes, avisando que provavelmente não poderia ir naquela noite, nem estaria disponível no dia seguinte, pois teria de ir a Kanagawa. E, agora, aquilo...

— Não entendo...

Rajadas de vento agitavam mais folhas em torno de seus pés. Desesperado, ele se aconchegou no casaco. A noite parecia cada vez mais escura. Com um suspiro profundo, Tyrer levantou-se, foi andando pelo caminho sinuoso, mas parou abruptamente, quando um samurai quase esbarrou nele.

— Deus Todo-Poderoso! — explodiu ele. — Nakama!

Hiraga estendeu a mão para a espada e Tyrer pensou que ia morrer. Mas a espada permaneceu pela metade na bainha e ele viu os olhos avaliarem-no, compreendendo que fora por um triz.

— Não — balbuciou Tyrer, meio sufocado com a súbita aparição. — Eu... não estou armado.

Ele ergueu os braços em rendição, ficou imóvel, censurando-se por sua estupidez, quase morreu de novo quando Hiraga bateu com a espada na bainha.

— Taira-sama, eu não machucar você. Pensar era inimigo. Mas ser amigo.

Hiraga sorriu, estendeu a mão. Atordoado, Tyrer apertou-a e depois não pôde mais se conter:

— O que está fazendo aqui? Pensamos que havia fugido para Iedo. Que história é essa de ser um ronin? Temos de entregá-lo a Yoshi, sabe disso. Lorde Yoshi está à sua procura, sabia?

— Não aqui! — advertiu Hiraga. Ele pegou o braço de Tyrer, que sentiu o aperto de ferro. — Vir comigo.

Gesticulando para que ele se mantivesse em silêncio, Hiraga conduziu-o por outro caminho e, depois, por um labirinto de pequenas trilhas, separadas por sebes, até que Tyrer perdera por completo todo e qualquer senso de direção.

— Dentro, por favor.

Trêmulo de medo e desamparado, Tyrer obedeceu. Não havia a menor possibilidade de fugir. Viu Hiraga esquadrinhar a noite, para verificar se haviam sido seguidos. A porta de shoji foi fechada. Uma vela num quebra-luz iluminava o interior da casa comum, de um só cômodo, com pequeno banho adjacente. A chama oscilou, quase se apagou com a aragem.

— Sente! Por favor. Agora, dizer de novo, mas não depressa, a voz baixa. — Com uma expressão sinistra, Hiraga tirou a espada curta do cinto, largou-a no tatame, ao seu lado. — E então?

Tentando conter o temor que se misturava de forma nauseante com sua aflição, Tyrer relatou sobre Yoshi e Abeh, o assassinato de Utani e como todos pensavam que Hiraga já havia fugido para outro lugar.

— Temos de entregá-lo a Yoshi, aos guardas no portão, porque o capitão Abeh voltou para Iedo, Nakama, e... Como devo chamá-lo, Nakama ou Hiraga?

— Como quiser, Taira-sama.

— Hiraga então, pois esse é seu verdadeiro nome, não é?

— Sou chamado assim. Mas os japoneses ter muitos nomes, um no nascimento, outro sete anos, outro adulto, e tomar outro, se quiser. Sou Nakama ou Hiraga, seu amigo.

— Amigo? — repetiu Tyrer, amargurado, esquecendo o medo. — Por que não me disse que era um assassino? Você matou Utani, não é mesmo?

— Sim, ele um alvo, homem muito mau. Yoshi outro. Isto não ser Ing’rand, Taira-sama, não Ing’rand. Esses homens maus, Bakufu, roubar poder do imperador, eles tiranos.

Solene, Hiraga explicou da melhor forma que podia sobre os shishi e sua luta para eliminar o governo despótico — com uma sinceridade óbvia — falou da ganância de Utani e seus impostos exorbitantes, como os clãs e daimios Toranagas possuíam toda a riqueza da terra, os Toranagas mais do que todos os outros, sobre a corrupção do Bakufu, como o povo se tornara faminto e impotente.

— Nós querer devolver Nipão ao imperador, fazer governo justo para todas pessoas.

Por “todas pessoas” Hiraga se referia a todos os samurais, embora Tyrer presumisse que incluía todos os japoneses. E enquanto interrogava Hiraga, fascinado por aquela janela singular para a estrutura interna do Nipão — e a mentalidade dos japoneses —, ele foi se convencendo cada vez mais de que havia mérito no lado de Hiraga. Só tinha de considerar a história inglesa e a luta do povo para prevalecer sobre o “direito divino dos reis” e o domínio dos tiranos para se tornar mais e mais simpático. Não era difícil recordar o imenso custo em vidas para criar o Parlamento e o governo do povo pelo povo: a cabeça de um rei, outros humilhados, revolução, tumultos, mortes, antes de florescerem o Raj britânico e a Pax Britannica. Recordando também a dívida que tinha com aquele homem, ele disse, sombrio:

— Mesmo assim, não vejo qualquer esperança para você. No momento em que for avistado, será capturado, por seu povo ou pelo meu. E não há nada que eu possa fazer para evitar.

Hiraga respirou fundo e lançou-se no vazio.

— Uma coisa sim, poder fazer me ajudar. Ajudar entrar navio, navio ir Ing’rand.

Tyrer ficou aturdido.

— O quê? Você enlouqueceu!