— Por favor, falar baixo, muito inimigo aqui — murmurou Hiraga, no maior excitamento com aquela idéia surpreendente e radical, que surgira do nada, como se plantada pela própria deusa-Sol. — Por favor, escutar. Muitas vezes dizer eu aprender sobre gai-jin, seu país melhor, neh? Eu ir lá com meu primo. Nós aprender melhor maneira fazer governo, seu Parlamento. Nós aprender suas maneiras. Yoshi certo sobre marinha e exército, mas eu achar melhor aprender de banco, negócios, comércio. Nós precisar saber melhor maneira, neh? Sua maneira, a maneira ing’rish, neh?
Com eloqüência, Hiraga continuou a tecer sua teia, a ansiedade emprestando-lhe palavras extras e cadências suaves. Aquele era seu plano final, a única fuga possível da armadilha de Yoshi. Ele tinha certeza de que um ou dois anos passados entre os gai-jin, com as apresentações certas e a ajuda conveniente, seriam de enorme valor para sonno-joi.
É a solução perfeita para escapar da morte inevitável se eu ficar, raciocinara ele, exuberante. Voltaremos dentro de um ou dois anos, falando ing’rish com perfeição, conhecendo seus segredos sobre produk’shum e stoku markit, fuzis, canhões, táticas, estratégias, os métodos que usaram para conquistar o mundo exterior, até mesmo para humilhar a China.
Esta é a terra dos deuses! A China deve ser nossa, não dos gai-jin. Antes de partir, contarei meu plano aos nossos líderes shishi de Choshu e de alguma forma manteremos contato, através de cartas.
— Ser simples, Taira-sama. Você falar capitão, nós embarcar sem problema. Ninguém precisar saber.
— Sir William jamais concordaria.
— Talvez não precisar falar ele. — Hiraga inclinou-se para a frente, oferecendo sua opção, sem se sentir muito seguro. — Ou se falar, eu falar também, achar ele concordar, neh? Muito importante para ing’rish ter amigo Japão. Eu bom amigo. Jami-sama, ele ajudar também, se pedir.
— Quem?
— Jami, homem grande barbudo, maior que você. Jami.
— Jamie? Jamie McFay?
— Sim, Jami Mukfey.
Agora que absorvera a idéia, a mente de Tyrer passou a funcionar melhor. Havia tremendas possibilidades a longo prazo em fazer o que Hiraga sugeria. Sempre fora a política britânica educar — reeducar — estudantes estrangeiros devidamente selecionados, quanto mais importantes ou de famílias reais, melhor. Muitos eram radicais ou revolucionários em seus próprios países, em particular na índia. Hiraga era muito inteligente e não podia deixar de ser importante, se era inimigo de Yoshi. Julgue um homem por seus inimigos, dissera seu pai.
E enquanto remoía sobre a sugestão de Hiraga, ele também especulou como estavam o pai e a mãe, seus amigos, triste por não poder vê-los, por saber que tão cedo não voltaria a Londres... não havia licença por dois anos. Ao mesmo tempo, orgulhava-se de participar do serviço diplomático, de ser uma engrenagem, mesmo que mínima, na vastidão do império britânico.
A idéia de Hiraga é boa. Daria certo. Mas como tirá-lo daqui, como persuadir Sir William a ajudar... Willie é a chave.
Quanto mais Tyrer pensava a respeito, mais suas esperanças minguavam, mas tinha de admitir que era uma estupidez sequer considerar a possibilidade, tornando-se mais e mais certo de que Sir William não ajudaria, nem sequer ia querer ouvir um plano assim, não com aquele homem, um assassino confesso, não com Hiraga, que era apenas um peão na disputa muito maior por Yoshi. Não haveria retorno para Sir William — nenhuma compensação, nenhum motivo para se arriscar à hostilidade de Yoshi, nem o poder no futuro, ou qualquer outra coisa que Hiraga alegasse.
— Tentarei — disse ele, procurando se mostrar confiante, sem esquecer de que ainda era um prisioneiro de Hiraga, a espada muito próxima. — Não posso garantir coisa alguma, mas tentarei. Onde poderei encontrá-lo?
Hiraga sentia-se satisfeito, seu jogo imenso, entretanto, lhe concedera espaço para manobrar. Convencera Taira, agora outra vez do seu lado. O líder gai-jin se tornaria um aliado.
— Você guardar segredo?
— Claro.
— Mandar aviso Raiko. Nós encontrar na aldeia ou aqui. Dizer onde, Taira-sama. Achar quanto mais cedo, ser melhor, para navio, neh?
— Tem razão. Enviarei uma mensagem amanhã ou virei pessoalmente. Cauteloso, Tyrer começou a se levantar. Hiraga estava radiante.
— Ir ver Fujiko?
A desolação de Tyrer foi imediata.
— Não há mais Fujiko.
— Como? O que significar, por favor?
Tyrer contou tudo, viu o rosto de Hiraga corar.
— Mas você ter promessa, Taira-sama. Eu falar, arranjar tudo com Raiko, neh?
— Pode falar, mas agora o contrato foi cancelado. Raiko diz... Tyrer parou de falar, assustado com a expressão de Hiraga.
— Esperar, por favor!
Hiraga saiu, com cara de furioso. Tyrer espiou por uma janela lateral. Ninguém à vista, apenas os arbustos balançando, o cheiro de maresia no ar... fuja enquanto tem chance, ele disse a si mesmo, mas depois, subitamente, experimentou desesperada vontade de urinar. Usou o balde no banheiro e sentiu-se melhor. Agora estava com fome. E com sede. Olhou ao redor. Não havia bule de chá nem um cântaro com água. A fome e a sede eram excruciantes... assim como a idéia de Hiraga. Não havia meio de satisfazer qualquer das coisas. Sem a benevolência de Sir William, Hiraga seria como uma criança perdida na selva. Nem mesmo Jamie poderia ser de grande valia, agora que deixara a Struan. E por que ele ou qualquer outra pessoa haveriam de ajudar? Não havia qualquer compensação. Tyrer tornou a espiar pela pequena janela.
Saia enquanto pode, pensou ele, e se encaminhou para a porta. Foi nesse instante que ouviu passos. Voltou apressado para a almofada. A porta de shoji foi aberta. Raiko ajoelhou-se na sua frente, enquanto Hiraga mantinha-se na porta, ameaçador.
— Desculpe, Taira-sama — disse Raiko, engasgando com as palavras, numa pressa abjeta para apaziguá-lo. — Sinto muito. Cometi um erro terrível...
Suas palavras foram como uma fonte. Tyrer não entendeu tudo, mas absorveu a mensagem com clareza.
— Já chega — disse ele, com firmeza. — Trazer contrato agora. Eu assinar. Submissa, ela tirou o pergaminho da manga e estendeu-o.
— Espere! — interveio Hiraga. — Dê-me isso!
Raiko obedeceu no mesmo instante e tornou a baixar a cabeça. Ele examinou o documento curto, soltou um grunhido.
— Estar conforme combinado, Taira-sama, você assinar mais tarde — disse ele, voltando a falar em inglês. — Esta pessoa,... — Ele apontou para Raiko, irado. — ...dizer cometer erro, dizer Fujiko suplicar agora honra receber você, sentir muito pelo erro. Erro dela. Baka!
Uma pausa e Hiraga acrescentou em japonês, a voz ríspida: