— Trate este lorde muito bem ou destruirei sua casa de chá! Cuide para que Fujiko esteja pronta, à espera! E agora vá!
— Hai, Hiraga-sama!
Murmurando desculpas em profusão, Raiko se retirou. Quando se encontrava a uma distância segura, ela riu, satisfeita com seu desempenho, com o êxito da trama de Hiraga, e por ter fechado o negócio.
Tyrer, exultante, agradeceu a Hiraga, feliz demais para se preocupar com a maneira pela qual seu óbvio amigo conseguira promover uma mudança tão depressa. Nunca seremos capazes de compreender algumas coisas sobre os japoneses, refletiu ele.
— Assinarei o contrato e o trarei de volta amanhã.
— Não ter pressa, deixar aquela cadela de mulher esperar. — Hiraga sorriu e estendeu-lhe o pergaminho. — Agora eu levar você até Fujiko. lkimasho.
— Domo arígato gozaimashita.
Tyrer fez uma reverência como a que um japonês ofereceria a alguém a quem devesse um considerável favor.
— Amigo ajudar amigo — disse Hiraga, simplesmente.
57
Mais tarde, ainda naquela noite, Tyrer acordou, completamente satisfeito. Seu relógio marcava 9:20 h. Perfeito, pensou ele. Ficou deitado ao lado de Fujiko, mergulhada num sono profundo. Os futons e as colchas de plumas eram tão limpos e com um aroma tão suave quanto ela, quentes e confortáveis... muito melhor que sua cama, um colchão de palha duro, pesados cobertores de lã, com cheiro de umidade. A pele lustrosa de Fujiko era dourada à luz da vela, o pequeno quarto dourado e aconchegante, com o vento agitando o telhado, as telas de shoji e as chamas.
Outro breve cochilo, pensou ele, e depois irei embora.
Não seja tolo. Não há necessidade de voltar esta noite. Todos os documentos para a reunião com Yoshi amanhã já estão prontos, uma cópia do tratado em japonês e inglês na pasta de Wee Willie, tudo conferido esta tarde. O plano de batalha acertado contra Sanjiro de Satsuma está pronto, no cofre, à espera da assinatura dele e de Ketterer. Voltarei ao amanhecer, tão radiante quanto um guinéu de ouro que acabou de ser cunhado. Afinal, bem que mereço um prêmio, depois do choque-iú de Hiraga e do choque-iú ainda maior de Raiko. Ele sorriu, choque-iú, soando muito japonês. Um suspiro de satisfação, o bom e velho Nakama, isto é, Hiraga. Tyrer bocejou, fechou os olhos. E se aconchegou ainda mais. Fujiko não acordou, mas se abriu para ele.
Em outra parte dos jardins, Hinodeh aguardava impaciente por André, que deveria chegar a qualquer momento agora, como Raiko avisara. Ela se sentia quase doente na expectativa.
Raiko se encontrava em seus aposentos, relaxada, tomando saquê. Muito em breve passaria para o conhaque e o esquecimento, a bebida removendo todos os pensamentos desagradáveis: seu medo e aversão a Hiraga, suas esperanças por ele, o terror por Meikin, o desejo de vingança, tudo se misturando e se fundindo a cada taça esvaziada.
No outro lado dos jardins, escondido em sua casa segura, Hiraga sentava na posição clássica do Lótus, meditando para desanuviar a terrível dor de cabeça provocada pela notícia sobre Katsumata e o encontro com Tyrer. Muito em breve Akimoto voltaria. E depois ele decidiria sobre Takeda.
No outro lado da cerca, num bangalô nos jardins da casa de chá das Cerejeiras, Akimoto se encontrava bêbado de saquê. Refestelado à sua frente, Takeda arrotou tomou mais um gole de sua cerveja. Outro frasco de saquê foi esvaziado, lentamente, até que escapuliu dos dedos de Takeda, que tinha os olhos turvos. A cabeça baixou para os braços, e ele começou a roncar. Takeda sorriu, não tão embriagado quanto fingira.
Depois de se certificar de que Akimoto estava mesmo adormecido, ele abriu a porta de shoji, saiu e fechou-a sem fazer barulho. A noite era fria, o vento forte soprava do sul. Zunia ao seu redor, agitando seus cabelos curtos e incômodos. Takeda coçou com todo vigor, esquadrinhando a parte dos jardins que podia avistar. Uma criada com uma bandeja saiu apressada de um bangalô, retornando à casa principal. A distância, homens cantavam, embriagados, sob os acordes de uma samisen. Um cachorro latiu em algum lugar. Depois que a criada desapareceu, ele pôs o casaco escuro, acolchoado, enfiou as espadas no cinto, calçou as sandálias de palha e se afastou apressado por um caminho, passou para outro e mais outro, até chegar perto da cerca. Seu esconderijo era sob um arbusto. Cinco bombas, feitas por ele e Hiraga, com estopins de diversos comprimentos.
As bombas eram fabricadas com dois pedaços de bambu gigante, amarrados juntos, um palmo e meio de extensão, a metade disso na largura, o interior de um com a pólvora extra de Katsumata, o outro com óleo. Num instante, ele armou as três bombas, usando o mais longo dos estopins de que dispunha, com cerca de uma vela de duração... quase duas horas. O estopim era de corda de algodão, impregnada com uma solução de pólvora e posta a secar. Preparou as duas restantes com estopins para a metade desse tempo.
Um último olhar para o céu. As nuvens disparavam com o vento. Ótimo. Takeda pegou duas bombas e se afastou, fundindo-se com a noite. Passou pela porta secreta na cerca para o jardim da casa das Três Carpas, que ficava ao sul da casa das Cerejeiras, e se encaminhou para o mais meridional dos bangalôs ali, também erguido, como todos os demais, sobre meio metro do chão, apoiado em estacas baixas. Estava ocupado e iluminado. Cauteloso, Takeda rastejou por baixo. Acendeu o estopim com uma pederneira, o barulho abafado pelo vento. O estopim pegou. Os passos de uma mulher soaram por cima e ele ficou imóvel. O som da porta de shoji sendo aberta. Depois de um momento, foi fechada de novo.
Folhas caídas empilhadas sobre o estopim aceso o ocultavam quase que por completo e Takeda tornou a se afastar, uma sombra entre sombras... para se agachar por trás de arbustos, ao deparar com um gai-jin se aproximando. O homem passou sem percebê-lo e Takeda logo voltou a se movimentar, seguindo para o prédio principal. Outra bomba incendiária foi instalada ali, com o maior cuidado.
Ele voltou para a cerca, evitando um criado, esperando que uma criada velha e corpulenta passasse, chegou ao esconderijo, pegou a última das bombas de estopim comprido e outra vez partiu apressado. Acendeu-a e colocou-a debaixo de seu próprio bangalô. Podia ouvir os roncos de Akimoto lá em cima. Os lábios de Takeda se contraíram num sorriso. Pela última vez, ele correu de volta ao esconderijo, suado e eufórico. Até agora, tudo transcorrera de acordo com o plano de Ori. Hiraga estava infectado pelos gai-jin. E Akimoto também. O que já não acontecia com ele. Faria tudo sozinho.
Com as bombas restantes, ele atravessou o jardim, pulou a cerca para o seguinte, depois outro e mais outro, até alcançar o poço que era a entrada para o túnel secreto. Entrou no poço, pôs a tampa de volta no lugar. Não precisava temer a possibilidade de encontrar Hiraga ali embaixo.
No túnel, são e salvo, Takeda recomeçou a respirar e acendeu o lampião de óleo. A cama de Hiraga e uns poucos objetos espalhavam-se ao redor. A mochila de Katsumata, com as bombas nos cilindros de metal, estava debaixo de uma manta. Ele pôs na mochila suas duas bombas e ajeitou-a nos ombros, seguindo apressado pelo túnel. Logo deparou com a barreira de água. Tirou as roupas, amarrando-as numa trouxa.