Hinodeh não o interrompeu. Pior do que isso, continuou estendida ali, paciente, esperando que o acesso passasse. Pois em seguida haveria uma solução. André insistiu, balbuciando:
— Escute, Hinodeh, por favor, não faca. Por favor. Não pode... isso... não ser nada. Logo desaparecer. Olhar para mim, olhar! — Desesperado, ele apontou para si mesmo. — Nada, nenhum lugar. Essa pequena, logo sumir. Não faca. Nós viver. Não ter medo. Feliz. Sim?
Ele viu uma sombra passar pelo rosto de Hinodeh, seus dedos voltaram a tocar na abrasão e ela repetiu, outra vez com a mesma voz doce e monótona:
— Já começou.
André fixou um sorriso, sem saber que era grotesco, e por mais que adulasse, persuadisse, suplicasse, ela continuou a insistir, com extrema gentileza, enfurecendo-o mais e mais, até que ele se descobriu a pique de explodir.
— Não ser nada — disse ele, a voz rouca. — Compreender?
— Claro, eu compreendo. Mas já começou. Neh?
Ele fitou-a nos olhos, com uma expressão rancorosa, a raiva aflorou, e desatou a gritar:
— Pelo amor de Deus, sim! Sim, SIM! Hai!
Houve um silêncio profundo e prolongado, rompido por Hinodeh:
— Obrigada, Furansu-san. Agora, por favor, como concordou, já começou, como prometeu, dê-me a faca, por favor.
Os olhos de André estavam injetados, os cantos da boca cheios de espuma, o suor escorria pelo corpo, ele se achava à beira da loucura. A boca se abriu e disse o que ele sempre soubera que diria:
— Não faca. Kinjiru! Ser proibido. Não poder. Não poder. Você muito valiosa. Proibido. Não faca.
— Você recusa?
A pergunta foi feita gentilmente, sem qualquer mudança.
— Hinodeh, você sol, meu sol, minha lua. Não poder. Não fazer isso. Nunca, nunca, nunca. Proibido. Você ficar. Por favor. Je t’aime.
— Por favor, a faca.
— Não!
Um longo suspiro. Dócil, ela fez uma reverência, uma luz se extinguindo em seus olhos, foi pegar uma toalha úmida, outra seca, e ajoelhou-se ao lado da cama.
— Aqui, Sire.
O rosto franzido, todo suado, André observava-a.
— Você concordar?
— Sim, eu concordo. Se é esse o seu desejo.
Ele pegou-lhe a mão. Hinodeh não a retirou.
— Concordar de verdade?
— Se é o seu desejo. Como quiser. A voz era triste.
— Não pedir faca, nunca mais?
— Eu concordou. Já acabou, Furansu-san, se é esse o seu desejo. — A voz era doce, o rosto sereno, diferente, mas também o mesmo, com uma insinuação de tristeza. — Por favor, pare agora. Já acabou. Prometo que nunca mais tomarei a pedir. Por favor, desculpe-me.
André sentiu um peso removido de seus ombros. Ficou fraco de alívio.
— Oh, Hinodeh, je t’aime! Obrigado! Obrigado! — A voz era trêmula. — Mas, por favor, por favor, não triste. Je t’aime, obrigado.
— Por favor, não me agradeça. É seu desejo.
— Por favor, não triste, Hinodeh. Eu prometer ser tudo, ser muito bom agora. Maravilhoso. Eu prometer.
Ela acenou com a cabeça, devagar. Um súbito sorriso inundou seu rosto e toda a tristeza se desvaneceu.
— Sim, eu agradeço a você; sim, não ficarei mais triste.
Hinodeh esperou enquanto ele se enxugava, depois removeu as toalhas. Os olhos de André acompanharam-na, deleitando-se com sua imagem, exultantes com a vitória. Ela atravessou o tatame até o outro cômodo, voltou com dois frascos de saquê e murmurou, com um terno sorriso:
— Vamos beber dos frascos, melhor do que taças. O meu quente, o seu frio. Obrigada por comprar meu contrato. A ta santé.
— A ta santé, je t’aime.
— Ah, so ka! Je t’aime.
Hinodeh esvaziou o frasco, engasgou um pouco, depois riu, removeu o que escorrera para o queixo.
— Vamos para a cama, Furansu-san. Arrisca-se a pegar um resfriado.
A bebida lavou a boca de André, dissipou o sentimento de morte. Lentamente, ele puxou a colcha que a cobria, ansiando por ela.
— Por favor, não mais escuro. Por favor?
— Se assim deseja. Não mais escuro. Exceto para dormir, neh?
Agradecido, André inclinou a cabeça até o futon, renascido, depois deitou-se ao seu lado, amando-a, com um desejo monstruoso. Estendeu a mão.
— Ah, Furansu-san, posso descansar primeiro, por favor? — pediu ela, com profunda ternura, como nunca antes. — Tanta paixão me cansou. Posso descansar um pouco? Mais tarde, nós... mais tarde, neh?
Ele obedeceu, estendeu-se de costas, a virilha vibrando de desejo.
Na escuridão, Hinodeh sentia-se mais contente do que em muitos anos, contente como nos dias anteriores à morte de seu marido, quando viviam em sua casinha em Iedo, com o filho, o menino que agora se encontrava são e salvo, já na casa dos avós, aceito, protegido e crescendo para se tornar um samurai.
Foi lamentável Furansu-san não me dar a faca, como prometeu. Desprezível. Mas também ele é gai-jin e não merece a menor confiança. Mas não importa. Eu já sabia que ele não manteria sua parte do acordo, como eu mantive a minha... independentemente do que Raiko prometeu. Ele mentiu quando assinou o contrato, assim como ela também mentiu. Não importa, não importa mesmo. Eu me encontrava preparada para os dois, ambos mentirosos.
O sorriso de Hinodeh se alargou. O velho herbanário não mentiu. Não senti o gosto de nada, não sinto nada agora, mas a morte circula por meu corpo e só me restam uns poucos minutos neste mundo de lágrimas.
Para mim e para o animal também. Ele fez a escolha. Quebrou sua promessa. E, assim, o impuro paga por me enganar. Não vai iludir mais nenhuma dama. E vai para a morte sem saciar seu desejo!
André despertou, ouvindo sua risada ligeira e estranha.
— O que foi?
— Nada. Mais tarde, riremos juntos. Não haverá mais escuridão depois desta noite, Furansu-san. Não haverá mais escuridão.
Hiraga bateu com o punho no tatame, cansado de esperar por Akimoto. Saiu para a noite tempestuosa, seguiu pelos caminhos no jardim até a porta na cerca. Passou para o outro jardim, encaminhou-se para o bangalô de Takeda, errando a volta na primeira vez. Parou na varanda. Soavam roncos no interior.