De seu esconderijo, na terra de ninguém, Takeda viu os soldados em confusão e exultou com o sucesso das bombas, grande parte da Yoshiwara já em chamas. Era tempo de continuar. Rapidamente, ele ajustou a máscara no rosto, que o fazia parecer ainda mais sinistro, junto com o quimono sujo de terra e fuligem.
Em alternações bruxuleantes de noite e luz, ele correu para o poço, pegou a mochila, enfiou os braços pelas alças e foi se esgueirando num caminho precário entre o lixo, tão depressa quanto ousava. Soaram gritos de advertência por trás. Takeda pensou que fora avistado, mas a manifestação era pelo prédio, no momento em que uma parede desabou, com um estrondo, provocando novos jatos de fogo, uma nova chuva de fagulhas, dispersando as pessoas, levando o incêndio ao prédio seguinte. Agora, a abundância de chamas permitia-lhe ver melhor. Exultante, ele começou a correr. Mais à frente ficavam a aldeia e a segurança.
— Ei, você!
Takeda não entendeu as palavras, mas o grito fez com que parasse, num sobressalto. Havia outro grupo de soldados britânicos à sua frente, sob o comando de um oficial. Era uma patrulha que viera correndo da área da aldeia, a fim de avaliar o perigo, e parara de repente, em surpresa. Bloqueavam a sua fuga.
— Deve ser um saqueador! Ou um incendiário! Ei, você!
— Por Deus, senhor, tome cuidado! É um samurai e está armado!
— Dê-me cobertura, sargento! Você aí, samurai! O que faz aqui? O que leva nessa mochila?
Em pânico, Takeda viu o oficial desabotoar o coldre, enquanto avançava em sua direção, e os soldados tirarem o rifle do ombro. Durante todo o tempo, o som do holocausto continuava, as chamas se alastrando, criando estranhas sombras. Takeda virou-se, saiu correndo. No mesmo instante, os soldados partiram em seu encalço.
No outro lado da terra de ninguém, o fogo no armazém escapara por completo a todo e qualquer controle e os soldados tentavam, sem muito resultado, organizar um grupo para combater o incêndio e evitar que as chamas se propagassem a outras construções. O fogo proporcionava bastante claridade para que Takeda corresse pela terra de ninguém, evitando a maioria dos obstáculos, a mochila batendo ern suas costas. A respiração era cada vez mais ofegante. Com súbita esperança, ele divisou a segurança, na viela vazia ao lado do armazém em chamas, bem à sua frente. Foi para lá que correu, distanciando-se com facilidade dos soldados em sua perseguição.
— Pare ou eu atiro!
As palavras nada significavam para ele, mas a hostilidade era inequívoca. E Takeda continuou a correr, em linha reta agora, não precisava mais de esquivas, tão perto da segurança. Esquecera que a claridade que o ajudava também ajudava aos soldados, delineando seu vulto contra as chamas.
— Detenha-o, sargento! Pode feri-lo, mas não o mate!
— Certo, senhor... Ei, por Deus, não é aquele patife que Sir William procura, o tal de Nakama, aquele assassino desgraçado?
— Tem toda razão, é ele mesmo! Depressa, sargento, trate de derrubá-lo logo!
O sargento mirou. Seu alvo já começava a escapar pela viela. Ele puxou o gatilho.
— Acertei! — gritou em seguida, exultante, começando a correr. — Vamos embora, pessoal!
A bala derrubara Takeda. Atravessara a mochila, no alto das costas, perfurara um pulmão e saíra pelo peito. Não era um ferimento fatal, se o homem tivesse sorte. Mas Takeda não sabia disso, tinha certeza de que estava perdido e ficou estendido na terra, uivando com o choque, mas sem dor, um braço inútil, dormente, o rugido do fogo próximo abafando seus gritos. O terror fez com que ficasse de joelhos, o calor do incêndio se aproximando era assustador, a segurança a poucos passos à frente, pela viela. Ele se arrastou para a frente. E depois, através das lágrimas, ouviu os gritos dos soldados logo atrás. Não tinha escapatória!
Seus reflexos assumiram o comando. Usando a mão incólume como apoio para se levantar, com um grito poderoso, ele se lançou para as chamas. O jovem soldado na vanguarda parou abruptamente, quase caindo, recuou para um ponto seguro, as mãos erguidas contra o inferno, a estrutura devendo cair a qualquer momento.
— Desgraçado! — O soldado olhou furioso para as chamas, que consumiam sua presa, o cheiro de carne queimada deixando-o nauseado. — Mais um segundo e eu pegaria o patife, senhor! Era mesmo ele, o homem que Sir William...
Foi a última coisa que o jovem disse em sua curta vida. As bombas de Katsumata na mochila explodiram com a maior violência, um pedaço de metal dilacerou a garganta do soldado, derrubando o oficial e outros homens como pinos num jogo de boliche, quebrando alguns membros. Como se fosse um eco, um tambor de óleo também explodiu, com a mesma violência, depois outro e mais outro, com um efeito cataclísmico. Chamas e fagulhas subiram pelo ar, foram apanhadas e usadas de forma implacável pelo vento cada vez mais forte, agora alimentado também pela intensidade do calor.
A primeira das casas da aldeia começou a arder.
O shoya, sua família e todos os aldeões, já com máscaras contra a fumaça e preparados num instante, desde o primeiro alarme, continuaram a trabalhar com uma rapidez bem ensaiada, mas estóica, guardando os objetos valiosos nos pequenos abrigos de tijolos, à prova de fogo, encontrados em todos os jardins. Todos os telhados ao longo da rua principal pegaram fogo.
Menos de uma hora depois da explosão da primeira bomba, a casa das Três Carpas não mais existia e quase toda a Yoshiwara fora destruída. Apenas as chaminés de tijolos, os suportes de pedra das casas e os abrigos de tijolos, pedras e terra, à prova de fogo, ainda continuavam de pé, no meio das cinzas e brasas. Taças e frascos de saquê com os formatos alterados pelo fogo. Os utensílios de cozinha de metal. Jardins em ruínas, arbustos queimados, grupos de habitantes atordoados reunidos aqui e ali. Milagrosamente, o fogo deixara duas ou três estalagens incólumes, mas ao redor havia um vazio desolado, feito de cinzas e brasas, até a cerca da Yoshiwara e o fosso além.
No outro lado do fosso ficava a aldeia. Estava em chamas. Além da aldeia, na colônia propriamente dita, os telhados de três prédios, perto da cidade dos bêbados, já haviam pegado fogo. Um desses prédios era o do Guardian, onde Jamie McFay tinha seu novo escritório.
Nettlesmith e seus empregados estendiam baldes com água para o topo da escada, onde Jamie se postava, tentando apagar as chamas no telhado. O fogo já devorava grande parte do prédio ao lado. Outros homens, mais criados chineses e Maureen, entravam e saíam correndo pela porta da frente, intrépidos, carregando nos braços pilhas de papel, moldes de impressão e tudo o mais que fosse importante. As telhas de madeira em chamas caíam em torno deles. A fumaça que vinha da cidade dos bêbados fazia com que tossissem, deixava-os sem respiração, dificultando o trabalho. Lá em cima, Jamie estava perdendo a batalha. Uma rajada de vento empurrou as chamas em sua direção. Ele quase caiu da escada e acabou descendo, derrotado.
— Não tem mais jeito — murmurou ele, ofegante, o rosto escurecido pela fuligem, cabelos chamuscados.
— Jamie, ajude-me com o prelo, pelo amor de Deus! — berrou Nettlesmith. Ele correu para o interior do prédio. Maureen fez menção de segui-lo, mas Jamie deteve-a.