— Não! Fique aqui e tome cuidado com seu vestido! — gritou ele, por cima do barulho, no momento em que uma chuva de fagulhas caía ao redor, para depois entrar no prédio também.
Numa reação sensata, Maureen recuou para o lado da rua que dava para o mar, ajudando outros a empilharem de modo mais seguro o que fora salvo. Todo o telhado pegara fogo agora, mais fagulhas caíram sobre Jamie e Nettlesmith, quando saíram cambaleando pela porta da frente, carregando o pequeno prelo portátil. Depois, constatando que era impossível salvar o telhado, Jamie tornou a entrar, apressado, para ajudá-lo a tirar os tipos, moldes, tinta e algum papel. Mas num instante se tornou perigoso demais entrar no prédio de madeira. Os dois ficaram parados na frente, praguejando, e logo recuaram para uma distância segura, quando algumas vigas começaram a cair.
— Porra de fogo miserável! — bradou Jamie, chutando uma caixa com tipos, furioso.
Ele se virou abruptamente, quando Maureen pegou sua mão.
— Sinto muito, amor — murmurou ela, as lágrimas escorrendo. Jamie abraçou-a e disse, fervoroso, com toda sinceridade:
— Não tem importância. Você está sã e salva e isso é tudo o que conta.
— Não se preocupe demais, Jamie. Espere até amanhã, quando poderemos pensar direito. Talvez a situação não seja tão desesperadora.
Nesse instante, bombeiros samurais voluntários passaram correndo. Por meio de sinais, Jamie perguntou a um deles onde podia conseguir uma máscara de incêndio. O homem soltou um grunhido, tirou um punhado da manga e partiu correndo. Jamie molhou-as num balde com água.
— Tome aqui, Maureen.
Ele entregou-lhe a primeira máscara, deu outra a Nettlesmith, sentado num barril, no lado do passeio que dava para o mar, praguejando em silêncio. O telhado desabou, convertendo o prédio num inferno.
— Terrível! — comentou Jamie para Nettlesmith.
— É verdade, mas não um desastre total. — O homem mais velho, esguio, gesticulou pelo passeio. O lado norte da colônia não fora atingido pelas chamas, os prédios da Brock, da Struan e das legações continuavam intactos. — Com um pouco de sorte, o incêndio não vai se estender até lá.
— Este vento é o maior perigo.
— Tem razão, mas estamos seguros no lado da praia...
Mais homens passaram correndo, com machados, inclusive Dmitri. Ele viu o prédio destruído e gritou, sem parar:
— Sinto muito por isso! Vamos tentar abrir um aceiro para impedir a passagem das chamas!
Maureen disse:
— Jamie, vá ajudar. Estarei segura aqui.
— Você não pode fazer mais nada aqui — acrescentou Nettlesmith. — Tomarei conta dela. Estamos seguros aqui e recuaremos para o prédio da Struan, se for necessário.
Ele tirou lápis e papel do bolso, passou a língua pela ponta do lápis, pensativo, e começou a escrever.
Os machados golpearam a construção de madeira, os prédios para o sul em chamas, o vento mais quente a cada minuto, mais forte do que nunca. Os homens redobraram seus esforços, mas logo uma rajada cheia de fagulhas forçou-os a recuar, seguida por outra. Todos fugiram para a segurança. Dmitri disse, desolado:
— Por Deus, já viu um incêndio se espalhar tão depressa? Tudo aqui é inflamável demais, autênticas armadilhas mortais. E agora?
— O que acha de tentarmos abrir um espaço ali? — gritou Jamie.
Ele apontou para a cerca mais próxima. Todos o acompanharam. Quanto mais se aproximavam da cerca e da Yoshiwara, no entanto, pior se tornavam a fumaça o calor e as chamas.
Havia bem pouco que ele ou qualquer outro pudesse fazer. Nada, para ser mais preciso. O fogo se espalhava depressa demais, as pessoas corriam para um lado e outro com baldes, mas no momento em que extinguiam um incêndio, dez outros começavam nas proximidades. Por trás de grupos de mulheres e criados atordoados, em busca de segurança, alguns carregando trouxas, a maioria de mãos vazias as poucas casas de chá restantes pegaram fogo também, parecendo mariposas em torno de uma vela, num instante vivas, no seguinte mortas.
Com quase tudo na Yoshiwara desaparecido, sob o céu coberto pela fumaça, os homens misturaram-se aos sobreviventes, procurando ansiosos por uma dama em particular, por uma mama-san. Jamie também se adiantou, seus olhos esquadrinhando cada rosto, tentando descobrir Nemi na multidão. Não a esquecera. Se alguém fosse capaz de escapar, pensara ele, seria Nemi. Mas, subitamente, ele já não tinha mais tanta certeza. Havia bem poucos sobreviventes aqui. Preocupado, Jamie procurou algum rosto conhecido. Não encontrou nenhum.
— Gomen nasai, Nemi-san, wakarimasu ka? — disse ele, indagando se alguém a vira.
Mas todos responderam, apáticos, ou com graus diversos de reverências e sorrisos forçados, que não, sinto muito:
— Iyé, gomen nasai.
Dmitri recuou do meio da fumaça, tossindo.
— Os samurais são tremendos bombeiros. Poderíamos aprender algumas coisas com eles, embora não sejam capazes de controlar esta merda. Viu Nemi?
— Não. Ia perguntar a você.
— Talvez ela esteja no outro lado ou por ali. — O peito arfando, com dificuldade para respirar, Dmitri apontou para a campina que levava à pista de corrida de cavalos, onde uns poucos lampiões acesos iluminavam a escuridão. — Darei a volta pelo outro lado, passarei pelo portão norte e atravessarei o canal. Você tenta a campina. Se eu a encontrar, o que quer que diga?
— Apenas que espero que esteja sã e salva e que a procurarei amanhã.
Os dois se abaixaram, quando uma língua de fogo passou por cima e foi atingir uma casa da aldeia por trás. Na confusão, Jamie se perdeu de Dmitri e continuou sua busca, ajudando onde podia. Em determinado momento, Heavenly Skye passou correndo e gritou:
— Jamie, acabei de saber que Phillip Tyrer sumiu, junto com todo o pessoal das Três Carpas!
— Deus Todo-Poderoso! Tem certeza? O que me diz...
Mas Skye já desaparecera na escuridão.
As legações, que ficavam para o norte, ainda não estavam diretamente ameaçadas. Nem os prédios da Struan e Brock, as casas e armazéns próximos, embora o vento fosse mais quente e mais forte a cada minuto. O passeio e as ruas estavam apinhados, todos se preparando para a última defesa, mais soldados e marujos desembarcando da esquadra, onde soara pela primeira vez o alarme geral. Samurais espalharam-se pela High Street, vindos de seus acampamentos, além dos portões. Traziam escadas e baldes, máscaras contra incêndio, demonstrando a maior eficiência. Em grupos, encaminhavam-se para os pontos mais perigosos.
Sir William, um capote comprido por cima do pijama, assumira o comando da defesa da legação. Na beira da praia, Pallidar supervisionava os dragões que ligavam bombas no mar, através de compridas mangueiras de lona. Ele olhou para trás e avistou o general sair apressado da noite, tendo ao lado um oficial-engenheiro, com um destacamento de soldados em sua esteira, até parar na frente de Sir William.