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— Obrigado.

Um momento depois ele prendeu a respiração, a mente se deslocando lentamente do vazio para um caleidoscópio de imagens, fundindo-se em mais imagens, paredes em chamas, Hiraga arrancando-o do meio do fogo, correndo, caindo, sendo ajudado a se levantar, casas desabando ao seu redor, arbustos explodindo em seus rostos, não conseguindo respirar, sufocando, não consigo respirar, Hiraga gritando “Depressa, por aqui... não, por aqui não, vamos voltar, por aqui...”, alguma coisa faltando, fugindo para um lado e outro, guiado entre paredes de fogo, na frente, por trás, nos lados, mulheres gritando, fumaça, e depois a entrada do poço, o fogo se projetando para eles, quase alcançando-os, “Desça, depressa, desça”, entrando no poço, o fogo se aproximando, uma luz lá embaixo, um olho na escuridão, o rosto de Saito, e depois, como um raio...

Fujiko!

— Onde está Fujiko? — gritara ele.

Ofegando para respirar, Hiraga gritara, acima do rugido das chamas:

— Depressa, descer, ela morta no quarto, Fujiko morta quando eu encontrar você... depressa ou você morto!

Tyrer se lembrava agora dessa parte com nitidez. Saíra do poço, desatara a correr de volta, o fogo ainda pior do que antes, a morte certa à frente, mas ele tinha de alcançá-la, precisava ter certeza, e depois caíra de cara no chão, uma dor ofuscante no pescoço, tentara se levantar, o calor monstruoso, e tudo o que recordava era de ter visto a quina da mão dura como pedra se aproximando do lado de seu pescoço.

— Você... eu ia buscá-la, mas você me deteve?

— Sim. Não ser possível salvar. Fujiko morta, sinto muito, eu vi. Ela morta, você também se voltar, por isso bater, carregar para cá. Fujiko morta no quarto.

Hiraga falou com voz gelada, ainda furioso com Tyrer por arriscar a vida de ambos em tamanha estupidez. Só tivera tempo de levantar Tyrer para seu ombro e descer pelo poço, quase perdendo o equilíbrio ao se projetar para a segurança, salvando a própria vida das chamas por um triz. E ele pensou, irritado, que até mesmo o homem mais baka deveria saber que não haveria a menor possibilidade de encontrá-la, não havia como sobreviver com todo o jardim e a casa de chá em chamas, e mesmo que ela não estivesse morta na ocasião, teria morrido quinze vezes desde então.

— Se não bater, você morto. Achar morto melhor?

— Não. — Tyrer sentia-se sufocado pela dor. — Desculpe. Devo-lhe minha vida, mais uma vez.

Ele esfregou o rosto, para tentar, em vão, conter a angústia. Fujiko morta... oh, Deus, oh, Deus!

— Desculpe, Na... isto é, Hiraga-sama. Onde estamos?

— Túnel. Perto Três Carpas. Ir até aldeia, por baixo da cerca, fosso. — Hiraga gesticulou para o alto do poço. — Ser dia agora.

Tyrer levantou-se, o corpo todo dolorido. De pé, sentiu-se um pouco melhor. A luz do dia no alto do poço era ofuscada pela fumaça turbilhonante, mas ele pôde perceber que o sol se encontrava prestes a surgir.

Dozo.

Com um sorriso, Akimoto entregou-lhe uma tanga e um quimono extra.

Domo.

Tyrer ficou chocado ao constatar a extensão em que seu quimono ficara queimado. Ele próprio tinha umas poucas queimaduras nas pernas, mas nada de mais grave. Hiraga subiu pelas barras de ferro precárias para dar uma espiada lá fora, mas foi obrigado a recuar pelo calor. Descendo de volta ao túnel, ele disse:

— Não bom. Quente demais. Aqui.

Ele ofereceu água outra vez, e Tyrer aceitou, agradecido.

— Taira-sama, melhor ir por ali. — Hiraga apontou pelo túnel. — Você estar bem?

— Estou. Fujiko morreu mesmo? Tem certeza?

— Sim.

— O que aconteceu? Eu estava dormindo e de repente... Foi uma bomba. Posso lembrar... acho que explodiu no outro lado do quarto... no lado de Fujiko. A sensação foi de que uma bomba explodiu embaixo da casa. Foi isso mesmo? E por que o incêndio? Tudo pegou fogo?

Akimoto tocou no ombro de Tyrer e disse, com um sorriso, em japonês:

— Taira-sama, você teve sorte. Se não fosse por Hiraga, estaria morto. Compreende isso?

Hai, wakamarisen.

Tyrer fez uma reverência solene para Hiraga e acrescentou, em japonês:

— Obrigado, Hiraga-sama, eu novamente em dívida. Obrigado pela vida.

Uma súbita vertigem o dominou.

— Desculpar, primeiro descansar um pouco. — Meio desajeitado, Tyrer sentou. — O que acontecer?

— Nós falar ing’erish. Por que fogo? Homem mau ter bomba de fogo. Atear fogo aqui, vento levar fogo Iocoama...

Tyrer recuperou o ânimo com o choque.

— A colônia também pegou fogo?

— Não saber, Taira-sama. Não ter tempo olhar, mas Yoshiwara destruída, achar aldeia também. Talvez Iocoama também.

Tyrer tornou a se levantar, foi até o poço.

— Não, não subir, por aqui. — Hiraga acendeu outro lampião. — Você seguir, sim?

Em japonês, ele acrescentou para Akimoto:

— Você fica aqui. Eu o levarei por parte do caminho. Quer ver o que aconteceu. Voltarei em seguida.

Avançando à frente pelo túnel, Hiraga voltou a falar, em inglês:

— Homem mau ter bomba de fogo. Querer ferir gai-jin. Vento sul fazer fogo pequeno fogo grande.

No mesmo instante, Tyrer compreendeu o significado do vento sul.

— Oh, Deus, tudo é tão combustível, vai arder como nenhuma outra coisa neste mundo. E se...

Ele parou, frenético de preocupação. A água escorria pelas paredes do túnel. Tyrer recolheu um pouco, para molhar a cabeça. A água fria ajudou.

— Desculpe. Continue, por favor. Um homem mau? Que homem mau?

— Homem mau — repetiu Hiraga, sombrio.

Ele sentia-se desorientado, a mente dividida: experimentava intensa fúria por Takeda ter tomado a iniciativa, destruindo seu refúgio seguro, mas ao mesmo tempo estava feliz com o sucesso das bombas incendiárias. Com o vento sul e a Yoshiwara em chamas, a aldeia fora atingida e também as casas dos gai-jin. E com a base em Iocoama perdida, os gai-jin teriam de ir embora, como Ori fora o primeiro a prever e Katsumata depois. Sonno-joi dera um grande passo à frente.

Há cerca de uma hora, ele tentara espiar pelo poço perto da cidade dos bêbados, verificar pessoalmente o que acontecera, mas o calor era intenso demais e tivera de recuar. Talvez os tijolos já tivessem esfriado o bastante para que ele pudesse observar a extensão da devastação ali. Ele se concentrou nessa esperança, sem esquecer que ainda precisava acertar tudo com Tyrer.

O sucesso de sua história dependia em grande parte do fato de Takeda ter sido ou não capturado vivo. Era uma boa aposta que Takeda não permitiria que isso ocorresse, e neste caso sua versão, em grande parte verdadeira, seria lógica.