— Homem mau querer destruir todos gai-jin, expulsar eles do Nipão. Homem do Bakufu. Bakufu querer todos gai-jin ir embora. Yoshi querer todos gai-jin longe do Nipão. Pagar espião para começar fogo, culpar shishi, mas homem do Bakufu.
— Conhece esse homem? Hiraga sacudiu a cabeça.
— Um homem de Satsuma, mama-san dizer.
— Raiko-san?
— Não, Wakiko, outra casa de chá — respondeu Hiraga, inventando um nome. Haviam alcançado a água. — Melhor tirar roupas. Mais seguro.
Despiram-se e vadearam a barreira, com o lampião suspenso acima da superfície. No outro lado, enquanto Tyrer prendia a tanga e vestia o quimono, com alguma dificuldade, Hiraga discorreu sobre o tema de que o Bakufu era insidioso, que eles atribuiriam a culpa a todos os outros, aos ronin, aos shishi, mas haviam planejado e executado a destruição de Iocoama, os verdadeiros culpados eram Anjo, os anciãos, acima de tudo Yoshi.
Para Tyrer, era bastante plausível. Outra vez um Satsuma, um dos demônios de Sanjiro. Na entrada do poço, Hiraga apontou para cima.
— Mesmo que outro. Primeiro, eu ver.
Ele entregou o lampião a Tyrer e subiu até o topo, os tijolos ainda quentes. Cauteloso, espiou para fora. A cena o deixou atordoado. Onde antes existia a terra de ninguém, com suas pilhas de lixo, havia agora um terreno plano, que lhe permitia ver claramente até o mar, além do espaço outrora ocupado pela cidade dos bêbados, além do espaço em que no passado se situava a aldeia, a vista se prolongando até a extremidade norte. Muitos prédios gai-jin continuavam intactos, mas isso não o preocupou. Em tudo e por tudo, Iocoama deixara de existir. Ele desceu.
— O que aconteceu, Hiraga-sama?
— Você ir ver. Eu ficar. Você ir agora, amigo. Hiraga não ir, não poder... samurai ainda procurar, neh?
Tyrer viu os olhos castanhos observando-o, aquele homem estranho, que sem dúvida arriscara sua vida para salvá-lo. E o salvara pela segunda vez. O que mais um amigo pode fazer além de arriscar a vida pelo amigo?
— Sem você, sei que eu estaria morto. Devo-lhe uma vida. Agradecer não e suficiente.
Hiraga deu de ombros, sem dizer nada.
— O que vai fazer?
— Por favor?
— Se eu quiser encontrá-lo, fazer um contato com você.
— Eu aqui. Taira-sama, não esquecer, Yoshi pôr preço minha cabeça, neh? Por favor, não dizer sobre túnel. Bakufu e Yoshi querer pegar eu qualquer maneira. Se Taira-sama falar, eu logo morto, não ter onde fugir.
— Não contarei a ninguém. Como posso lhe enviar uma mensagem?
Hiraga pensou a respeito por um momento.
— Hora sol se pôr, vir aqui, falar para baixo. Eu aqui hora sol se pôr. Compreender?
— Sim. — Tyrer estendeu a mão. — Não tenha medo. Não contarei a ninguém e tentarei ajudá-lo.
O aperto de mão de Hiraga foi firme.
— Phillip! Phillip, meu rapaz, graças a Deus que está são e salvo! — O rosto de Sir William iluminou-se de alívio, e ele se adiantou apressado, pondo as mãos nos ombros de Tyrer. — Circularam rumores de que você havia morrido na Yoshiwara. Venha sentar aqui, meu pobre amigo.
Ele ajudou-o a se acomodar na melhor cadeira no escritório, ao lado do fogo.
— Por Deus, você tem uma aparência horrível! O que aconteceu? Mas precisa antes de um drinque! O conhaque já está vindo!
Tyrer relaxou na cadeira alta, sentindo-se muito melhor. Depois do horror inicial pelos danos, tendo encontrado umas poucas pessoas à beira d’água, vendo bandagens e queimaduras, mas sem que ninguém falasse em mortes, constatando que os prédios das legações, da Struan e Brock e outras partes da colônia continuavam intactos — assim como o acampamento do exército e a esquadra —, tudo isso dissipara a maior parte de sua tensão. Ninguém parecia saber quem estava perdido, ou quantos, e por isso ele voltara apressado à legação. Tomou um gole grande de conhaque e disse:
— Fui apanhado pelo incêndio na Yoshiwara. Estava com... hum... com minha garota, e... hum... ela morreu.
Sua infelicidade tornou a invadi-lo, como um maremoto.
— Lamento muito saber disso. Estranho é que seu outro amigo, Nakama, Hiraga, qualquer que seja seu nome verdadeiro, também esteja morto.
— Como, senhor?
— Isso mesmo — disse Sir William, sentando na cadeira em frente e continuando a falar, satisfeito. — Identificação positiva. Uma patrulha avistou-o na terra de ninguém, no início do incêndio na cidade dos bêbados. A princípio, pensaram que fosse um saqueador e os soldados partiram em sua perseguição. Mas logo o reconheceram e atiraram no patife, ferindo-o, para que parasse. Mas não pode imaginar o que aconteceu então. O louco se levantou e jogou-se contra um prédio em chamas... o velho depósito de óleo. O sargento contou que poucos momentos depois houve uma terrível explosão e todo o lugar pareceu subir pelo ar.
— Mas não é possível que...
— Concordo que é improvável, lançar-se para o meio de um inferno, um absurdo, ninguém faria isso. Lamento dizer que dois dos nossos homens morreram quando tentavam agarrá-lo... atingidos pela explosão. Uma pena! É bem possível que Nakama tenha sido o incendiário, se é que houve algum, o que me parece implausível, se quer saber minha opinião. Seja como for, os barris de óleo estavam explodindo por toda parte.
Ele viu a agitação e palidez de Tyrer e se sentiu condoído.
— Lamento por você, Phillip. Lamento por você que Nakama tenha morrido porque sei que gostava dele, mas não lamento pelo outro lado... ele era um assassino e isso nos tira de uma encrenca enorme com Yoshi, não acha?
Sir William ficou esperando que ele concordasse, mas havia apenas um rosto vazio à sua frente.
— Deve ter sido um choque em cima do outro para você... uma coisa horrível não é?
Tyrer estava atordoado, era difícil assimilar o equívoco sobre a morte de Hiraga.
— A Yoshiwara... foi, sim...
Ele já ia esclarecer o engano, quando Sir William voltou a falar:
— Devo lhe dizer, Phillip, que tivemos uma sorte incrível. O exército está intacto, a marinha também, só temos a informação de uma única fatalidade em nossa comunidade, embora ainda estejamos verificando. Viu algum dos nossos ontem à noite na Yoshiwara?
— Não, senhor, nenhum dos nossos. — Tyrer não conseguia pôr a mente para funcionar direito. — Nem uma única alma. Deve compreender...
— É muito difícil tentar localizar a todos, não dá para fazer uma contagem acurada. A cidade dos bêbados é um caso perdido, mas mesmo lá dizem que apenas meia dúzia de vagabundos desapareceram, ninguém que tivesse um nome completo, apenas Charlie, Tom ou George. Fico contente em dizer que todas as jovens damas da Sra. Fortheringill estão sãs e salvas. É espantoso que tenhamos todos escapado, mas se o vento não tivesse amainado... mas acontece que amainou, devemos agradecer a Deus por isso... viu que a Santíssima Trindade também escapou? É verdade que os danos se elevam a centenas de milhares de libras. Graças a Deus pelo seguro, hem? Mas termine logo seu conhaque e vá tirar um cochilo. Depois que pensar bem a respeito, compreenderá como fomos afortunados com Nakama. Ele estava se tomando um grande desastre diplomático. Estou de saída, vou discutir um plano com a comunidade. Por que não fica deitado até eu voltar e...