Angelique tirou-a da caixa, entregou-a, abriu o leque, começou a se abanar. Gentilmente.
Gornt tornou a se concentrar. A letra não era tão precisa, e havia manchas aqui e ali... poderiam ser manchas de lágrimas?, ele perguntou a si mesmo.
Prezada Sra. Struan:
Por motivos óbvios, esta parte deve ser separada, ficar só entre nós, pois não é da conta de Sir William. Mais uma vez, agradeço por sua generosidade. A gentil oferta de mais mil guinéus, se eu recasar, ou apenas casar, como diria, dentro de um ano, não posso aceitar, porque não tenciono recasar ou casar, qualquer que seja o termo que considere correto...
Ele tornou a levantar os olhos, aturdido.
— É esta a minha resposta?
O leque adejou.
— Termine a carta.
Os olhos de Gornt desceram apressados pela página.
Diante de Deus não posso evitar a convicção de que fui casada, embora renuncie por livre e espontânea vontade a qualquer pretensão pública e legal a esse estado. Não assumirei outro... não desejo magoá-la ou ofendê-la, mas quanto a casar de novo... não. É minha intenção, assim que for possível, instalar-me em Londres, porque me sinto mais inglesa do que francesa, a língua de minha mãe era o inglês, não o francês, minha tia foi minha verdadeira mãe.
Nunca mais usarei o título de Sra. Struan, como concordei, mas não posso evitar que outras pessoas se refiram a mim como tal. Sir William não aceitará Angelique, ou Angelique Richaud, e insiste que eu assine como Sra. Angelique Struan, née Richaud, para tornar o acima compulsório, pois segundo ele, e seu entendimento da lei inglesa, é esse o meu atual nome legal, até que eu torne a casar.
— Ele disse isso? — perguntou Gornt, em tom brusco.
— Não, mas o Sr. Skye garante que ele concordaria, se lhe for pedido.
— Hum...
Gornt balançou a cabeça, pensativo, tomou um gole de vinho e continuou a ler, mais devagar, com maior atenção:
Caso qualquer dos pontos acima seja insatisfatório, por favor escreva o que mais exige e entregue ao Sr. Gornt, que me disse que tornará a vê-la e depois voltará para cá, quase que imediatamente, e eu assinarei. Eu o recomendo, pois ele foi um bom amigo de seu filho e tem sido gentil comigo — aconselhou-me a aceitar suas generosas condições, assim como o Sr. Skye foi contra. Respeitosamente... Angelique.
Gornt recostou-se, deixou escapar um suspiro, fitou-a nos olhos, impressionado.
— E maravilhosa. Não há outra palavra. Você concorda com tudo, mas ainda mantém a espada de Dâmocles sobre a cabeça dela.
O leque parou.
— Como assim?
— Planeja viver em Londres, portanto sob a lei inglesa, uma ameaça latente e óbvia. Não usa uma única vez “marido”, mas a ameaça existe, e me lança bem no meio do palco, como amigo das duas partes, numa perfeita posição de negociação. E por mais insidiosa que ela seja, independente do documento que elaborar para a sua assinatura, você sempre pode derramar mais lágrimas e suspirar, alegar que houve coação, e acabaria vencendo. Uma maravilha de vinte e quatro quilates!
— Sendo assim, devo pedir a Sir William para testemunhar minha assinatura?
— Deve, sim — respondeu Gornt, fascinado por ela, tão esperta e ousada, e também perigosa. Talvez perigosa demais. — É o xeque-mate.
— Como assim?
— Tess só fica segura de uma forma: se você tornar a casar, e bloqueou essa possibilidade.
Embora o leque parasse, os olhos de Angelique observavam-no por cima. Depois, o movimento recomeçou, enquanto Gornt devolvia a carta, pensando: De uma esperteza diabólica... para você, não para mim.
— Skye a aconselhou de uma forma brilhante.
— Ninguém me aconselhou, exceto você... fui orientada por uma coisa que me disse.
O coração de Gornt pulou uma batida.
— Ninguém mais viu esta carta?
— Não. E ninguém mais verá. Pode ser um segredo entre nós.
Ele ouviu o “pode ser” e especulou para onde isso levava, desanimado agora, mas escondendo. O fogo na lareira precisava de atenção, por isso ele se levantou, foi usar o atiçador, ganhando tempo para pensar. O ar ainda estava impregnado de fumaça e do incêndio, mas ele não registrou isso, só se concentrava em Angelique.
Como ela pôde conceber tudo isso? É absolutamente brilhante, todas as peças estão no tabuleiro, para nós dois. Ela vai vencer, derrotará Tess, mas eu perdi. Ainda terei de negociar para ela e agora tenho mais certeza de que conseguirei aumentar seu estipêndio, mas Angelique não admitiu coisa alguma, deixou seu plano de jogo em aberto. Eu perdi. Não partilharei o grande prêmio: ela.
— Portanto, a resposta à minha pergunta é não, deve ser não?
Apenas o leque se mexia.
— Por quê? — indagou Angelique, sem emoção.
— Porque no momento em que disser sim, perde o jogo, perde todo o seu poder sobre Tess Struan.
— Tem razão, eu perderia.
Ela fechou o leque, largou-o em seu colo. Os olhos nunca se desviaram dos olhos de Gornt, nunca perderam a intensidade.
Por um momento, ele sentiu-se hipnotizado, depois sua mente tornou a entrar em ação, e uma súbita esperança o invadiu.
— Você disse eu perderia, significando que você perderia. Mas eu não? Eu não perderia o poder?
Agora, Angelique sorriu. Era uma resposta.
O sorriso de Mona Lisa outra vez, pensou ele, é estranho como o rosto de Angelique muda, como eu penso que muda, como ela é insidiosa e como terei de ser vigilante para domar esta potranca. Ainda não entendo, mas um coração fraco jamais conquista uma bela dama. Ele precisou de toda a sua força de vontade para manter os pés plantados no mesmo lugar.
— Eu a amo por todas as razões usuais e também a amo por sua astúcia. Agora, formalmente, quer casar comigo?
— Sim — respondeu Angelique.
59
— Aleluia! — exclamou Gornt, inebriado, mas sem sair do lado da lareira.
O leque parou.
— Aleluia? Isso é tudo? — murmurou ela, o coração acelerando.
— Claro que não, mas primeiro deve me dizer quais são as condições. Angelique riu.
— Deve haver condições?
— Estou começando a entender a maneira como sua mente funciona... pelo menos algumas vezes.
— Quando vai embarcar no Atlanta Belle?
— No último momento. Há muito... para conversar.