Jamie suspirou e continuou a avançar, passando pelas ruínas de um bar, agora não muito longe do passeio. Dmitri é um ótimo sujeito, pensou ele, mas Nemi era especial, e...
— Oh, Deus, olhe ali!
Ele apontou. Cinco guerreiros samurais exaustos agachavam-se ao redor de uma fogueira, ao lado do cais, fazendo um chá. Num instante, Jamie avaliou as alternativas. Não havia nenhuma.
— Não temos como evitar. Vamos embora.
Ao chegaram ao passeio, Lunkchurch emergiu da escuridão.
— Jamie — murmurou ele, soturno —, o que você vai fazer? Perdeu tudo, como eu...
Lunkchurch lançou um olhar para Phillip, mal notando os outros dois. Pareciam marujos asiáticos comuns, de um tipo abundante na frota mercante.
— É uma merda...
— Talvez não seja tão horrível assim, Barnaby. Tenho algumas idéias. Falarei com você amanhã.
Jamie continuou a andar, chegou ao cais, levantou o chapéu, polido, para os samurais e seu oficial, que retribuíram a saudação, distraídos. As estacas e o caminho de madeira do cais se estendiam por cinquenta metros, pelo mar adentro. Jamie sentiu um aperto no coração. Não havia nenhum cúter à espera e nenhum se aproximava do cais da Struan, ao norte. No meio da baía, o Atlanta Belle estava todo iluminado, cercado por um enxame de pequenas embarcações, chegando e partindo.
No início daquela tarde, Jamie perguntara a MacStruan se podia emprestar o cúter naquela noite, para uma rápida viagem, pois queria conversar com o capitão do Belle, Johnny Twomast, um velho amigo. Phillip, depois de deixar Sir William, que confirmara a suposta morte de Híraga, fora correndo se encontrar com Jamie. Tropeçando nas palavras, de tanto excitamento, Phillip contara, na maior satisfação, que Hiraga continuava vivo, escondido num poço na cidade dos bêbados, como o japonês salvara sua vida na noite passada e expusera seu plano para salvá-lo.
— Só precisamos levá-lo às escondidas para bordo do Belle, ninguém jamais saberá de nada.
— Ele está vivo? Fui informado que havia morrido no incêndio... ele está mesmo vivo?
— Está, sim. Tudo o que temos de fazer é levá-lo para bordo, junto com seu amigo.
— Pedirei a Johnny Twomast para escondê-lo, mas apenas se você obtiver a aprovação de Willie. Hiraga ainda é um assa...
— Hiraga morreu... Nakama, Hiraga, é tudo a mesma coisa, oficialmente, Willie disse que o sargento confirmou sua morte no incêndio. Nakama está morto, desapareceu para sempre, assim como Hiraga. Mandá-lo para fora daqui num navio é a solução perfeita e vale a pena salvá-lo. Só estamos ajudando dois samurais estudantes a conhecerem o mundo, o nosso mundo, durante cerca de um ano, e um deles se chama Otami.
— Se formos apanhados, Willie vai arrancar sangue... o nosso sangue.
— Não há motivo para sermos apanhados. Otami é mesmo Otami, seu nome verdadeiro, e ele me falou sobre você e o shoya combinando todos os tipos de negócios. Você será o vencedor quando ele voltar, todos nós sairemos ganhando. Temos de ajudá-lo de qualquer maneira!
Jamie acabara concordando e se encontrara com o shoya para acertar o empréstimo, pelo qual também se tornara fiador. A esta altura, já era o pôr-do-sol. Tyrer fora até o poço, para chamar Hiraga e Akimoto, e agora esperavam no cais.
— Onde está o cúter, Jamie? — indagou Tyrer, nervoso.
— Já vai chegar.
Sentindo-se bastante expostos, os quatro homens esperaram na extremidade do cais, perto dos degraus cambaios, escorregadios, cheios de algas, todos conscientes dos samurais ali perto, seu capitão andando de um lado para outro. Hiraga sussurrou:
— Taira-sama, aquele capitão lembrar? Ele vigilante. Lembrar ele, capitão no portão?
— Que portão?
— Em Iedo. Na sua casa grande em Iedo. Quando nós encontrar primeira vez.
— Oh, Deus!
Tudo voltou agora — o rude samurai que insistira em revistar a legação, quando se encontravam cercados e trancados, antes da evacuação, Hiraga escapando numa maca, disfarçado como um paciente de varíola.
— O que foi agora? — perguntou Jamie.
Tyrer contou. Por cima do ombro de Tyrer, Jamie constatou que o oficial os observava. Sua ansiedade aumentou. — Ele parece curioso demais.
— Posso reconhecê-lo agora — murmurou Tyrer. — Seria melhor se nós... Olhe, lá está!
O cúter surgiu da escuridão, as luzes de navegação acesas, mas quase indistintas. O contramestre acenou, eles acenaram em resposta. As ondas batendo no cais os salpicavam com borrifos.
— Tratem de embarcar o mais depressa possível — disse Jamie, num excitamento cada vez maior.
Phillip o convencera de que Hiraga não era um assassino, mas alguém que lutava pela liberdade. Além disso, já testemunhara pessoalmente como Hiraga podia ser útil. Agora, tinha ainda mais certeza do quanto um shishi e amigo que falava inglês poderia ser valioso no futuro, em particular se tivesse sido orientado e ajudado por ele. Até preparara um dossiê sobre pessoas que Hiraga deveria procurar na Inglaterra e Escócia, aonde ir, o que ver, e tencionava explicar tudo isso antes da partida do navio.
Phillip é um gênio, pensou ele, soltando uma risadinha. Foi nesse instante que olhou para trás e prendeu a respiração. O oficial japonês aproximava-se pelo cais.
— Por Deus, o patife está vindo para cá!
Todos olharam para o homem e depois para o cúter. Não havia a menor possibilidade de o barco chegar antes do capitão.
— Estamos perdidos!
Hiraga já chegara à mesma conclusão. Puxou os quimonos que cobriam suas espadas.
— Akimoto, vamos matá-lo!
— Esperar! Ficar aqui!
Tyrer entregou a Hiraga um envelope grande, que continha cartas de apresentação a seu pai e tio, também a um advogado e o diretor de sua universidade.
— Eu ia explicar tudo a eles no cúter — disse Tyrer, falando depressa. — Não há mais tempo agora. Jamie, faça isso por mim.
Ele fitou Hiraga nos olhos, pela última vez, estendeu a mão.
— Obrigado. Serei sempre seu amigo. Volte são e salvo.
Tyrer sentiu o aperto firme, divisou um breve sorriso, depois virou-se, com um suor frio, e partiu ao encontro do inimigo.
O capitão já percorrera a metade do cais quando Tyrer postou-se à sua frente, no meio da passagem, e fez uma reverência formal. Um grunhido, o homem hesitou, a mão no punho da espada longa, depois respondeu com outra reverência. Quando ele tentou passar, Tyrer fez uma nova reverência e disse, em seu melhor japonês, deliberadamente solene:
— Ah, senhor oficial, eu querer dizer como samurais combater bem o fogo. Lembrar de Iedo, sim? Por favor, desculpar, em nome meu superior, chefe gai-jin no Nipão, aceitar grande agradecimento por salvar todas casas nossas.