Ele se afastou, para cumprimentar Gornt e Angelique.
— O que foi? — indagou Tyrer, tendo notado a súbita mudança em Pallidar, O oficial deu de ombros, irritado com sua ansiedade e lapso, experimentando abrupta inveja de Hoag.
— O doutor Hoag me disse que não gosta de sepultamentos no mar e que se sentiu contente por perder o de Malcolm em Hong Kong.
Ele exibiu um sorriso irônico. Depois de relatar a Sir William o estranho comportamento de Hoag com os caixões, em Kanagawa, testemunhado pelo sargento, e de receber instruções e jurar segredo, Pallidar, sem ser observado, efetuara a troca de posição dos caixões, depois de examiná-los. Não havia qualquer diferença entre eles, ao que pudesse perceber. Assim, o caixão enviado para Hong Kong, a bordo do Prancing Cloud, continha o corpo de Malcolm, enquanto o outro. o que Hoag, Angelique, Jamie e Skye haviam sepultado, era o do aldeão, como Sir William ordenara.
— É uma pena que Malcolm tenha morrido — murmurou ele, a voz rouca. — A vida é curiosa, não acha? Nunca se sabe quando vai acontecer.
Tyrer acenou com a cabeça. A depressão de Pallidar era insólita. Gostando dele, Tyrer baixou sua guarda.
— Qual é o problema, meu velho?
— Não há nenhum. Você teve muita sorte ontem à noite, conseguindo escapar...
Sombras passaram pelo rosto de Tyrer e Pallidar censurou a si mesmo por sua estupidez.
— Desculpe, Phillip. Não tinha a intenção de transtorná-lo. Não sei o que acontece comigo esta noite.
— Já soube de... de...
Nem por sua própria vida, Tyrer seria capaz de dizer o nome de Fujiko, sua dor ainda intensa, empurrando-o para profundezas insondáveis, em que nunca estivera antes. Sua boca disse, enquanto ele tentava se mostrar bravo:
— Quando acontece uma coisa assim, tão terrível, meu velho costumava dizer... Tive uma irmã que pegou sarampo e morreu aos sete anos de idade, uma menina linda, que todos nós amávamos... Meu velho sempre dizia: “Essas coisas nos são enviadas para nos testar. Você chora e chora e depois... depois se recupera, diz que foi a vontade de Deus e tenta não odiá-lo.”
Ele sentiu as lágrimas escorrendo pelas faces e não se importou. Os pés o levaram para a praia e ali, sozinho com as ondas, o céu e a noite, pensou de fato em Fujiko, lembrou-a com toda a sua paixão e, em seguida, a guardou numa pequena caixa, que pôs ao lado de seu coração.
A bordo do Atlanta Belle, o capitão Twomast estava dizendo:
— Muito bem, Jamie, deixarei que eles viajem, independente do que a Sra. Struan decidiu. Mas você a conhece, sabe que ela não é dada a generosidades.
— Basta lhe entregar minha carta quando chegar a Hong Kong.
Jamie contara a Twomast a verdade sobre Otami e seu primo, não querendo criar problemas para o amigo, e garantira o dinheiro da passagem dos dois, ida e volta, se Tess não concordasse com sua proposta: adiantar-lhes os recursos necessários, com prudentes apresentações a pessoas na Inglaterra e Escócia, contra um empreendimento meio a meio que ele formaria para aproveitar tudo o que os dois pudessem proporcionar, ao voltarem ao Japão.
Ele escrevera:
Sei que é um grande risco, Sra. Struan, mas Otami é muito inteligente, bem relacionado, até onde posso determinar, e representa o futuro no Nipão. Caso não concorde, por favor, tire o dinheiro da passagem da generosa doação que me fez. Agora, devo dizer que Albert MacStruan está indo muito bem, suas propriedades e prédios aqui nada sofreram com o incêndio e tudo se acha preparado para um grande futuro — continuarei a ajudar, se ele pedir. Por último, permita-me dizer que deve tomar cuidado com o novo gerente da Brock, Edward Gornt. Ele é um homem bom e corajoso, mas um rival perigoso.
— Vai sair bastante caro, Jamie — comentou Twomast, que era baixo e magro, o rosto curtido de marujo, cabelos escuros, olhos castanhos. — Pelo menos cem libras. Vale o risco?
— O navio é de Tess, o custo da passagem nada significa para ela.
— Ainda assim é caro, e ela se preocupa com os pence, tanto quanto com as libras. Mas não importa, a decisão cabe a ela. Descontarei o seu cheque em Londres, se ela não bancar a conta. Tem certeza que os seus japas compreendem que devem me obedecer?
— Tenho. Eu disse a eles que a bordo você é um rei, um daimio. Eles devem obedecer e permanecer a bordo, até que os mande desembarcar, em Londres. Mas trate-os como a nobreza, Johnny. Será bem recompensado.
Twomast riu.
— Serei, sim, só que no céu. Mas não importa, fiquei devendo algumas coisas a você, ao longo dos anos, e agora farei o que me pede.
— Obrigado.
Jamie correu os olhos pelo camarote. Pequeno, um beliche, mesa de cartas, mesa para quatro pessoas, tudo impecável, sólido, digno de um autêntico marujo... como Johnny Twomast, originalmente um norueguês, primo de Sven Orlov, o Corcunda, que assumira o comando da frota da Struan, depois de Dirk Struan. O Atlanta Belle, um vapor de mil toneladas, podia transportar quatro passageiros na primeira classe, dez na segunda, cinqüenta na terceira, e ainda sobrava espaço para uma carga substancial.
— Onde eles vão ficar?
— Com a tripulação. Onde mais poderia ser?
— Pode lhes dar um camarote, por menor que seja.
— Vamos partir lotados; eles aprenderão depressa, com a tripulação, os nossos costumes.
— Dê-lhes um camarote pelo menos até partir de Hong Kong. Não quero que sejam reconhecidos.
Johnny Twomast pensou por um instante.
— Eles podem ficar no camarote do terceiro-imediato, que tem dois beliches. Estão armados, Jamie?
— Claro que estão. São samurais.
— Nada de armas, nem esse negócio de samurai.
Jamie deu de ombros.
— Diga isso a eles. Mas, por favor, trate-os com todo respeito, não como meros nativos. Podem ser esquisitos, mas são japoneses importantes.
— Mister! — gritou o capitão para o imediato. — Mande os dois entrarem!
Hiraga e Akimoto entraram, bem instruídos por Jamie.
— Qual de vocês fala inglês?
— Eu falar, anjin-sama. Eu Otami-sama.
— O Sr. McFay aqui garante você, Otami-sama, o seu bom comportamento, por toda a viagem até Londres. Concordam em me obedecer, permanecem a bordo se eu mandar, desembarcam e voltam como eu determinar, até a cidade de Londres. Vão me obedecer como se eu fosse seu chefe, seu daimio?
— Nós concordar fazer tudo que anjin-sama dizer — respondeu Hiraga, com o maior cuidado.