— Foi, sim. — Canterbury sorriu para Tyrer, transmitindo uma mensagem óbvia: você é um tremendo idiota por contar a uma dama algo de tamanha importância! — Mas era apenas um bando de assassinos isolados. A burocracia do xogunato jurou que eles seriam capturados e punidos.
Seu tom era convincente, mas ele se perguntou o quanto da verdade Tyrer e Struan sabiam: cinco homens assassinados nas ruas de Iocoama durante o primeiro ano. No ano seguinte, dois russos, um oficial e um marujo de um vaso de guerra russo, retalhados até a morte, também em Iocoama. Poucos meses mais tarde, dois mercadores holandeses. Depois, o jovem intérprete da legação britânica em Kanagawa, apunhalado pelas costas, e deixado a sangrar até a morte. Heusken, o secretário da missão americana, esquartejado em uma dúzia de pedaços, ao voltar a cavalo para casa, saindo de um jantar na legação prussiana. E, no ano anterior, um soldado e um sargento britânicos, retalhados no lado de fora do quarto do cônsul britânico!
Cada assassinato premeditado, sem qualquer provocação, pensou Canterbury, furioso, e cometido por um samurai de duas espadas. Nunca houvera nenhuma ofensa, em qualquer dos casos... e pior de tudo, nenhum dos desgraçados fora preso e punido pelo todo-poderoso Bakufu do xógum, apesar dos protestos dos chefes de legações, e apesar das promessas dos japoneses. Nossos líderes são uns idiotas irremediáveis! Deveriam ter ordenado que a esquadra entrasse em ação imediatamente, bombardeando Iedo. Só assim o terror cessaria por completo, poderíamos dormir seguros em nossas camas, sem guardas, andar pelas ruas, quaisquer ruas, sem medo quando algum samurai se aproximasse. Os diplomatas são comedores de ânus, e aquele presunçoso era um perfeito espécime.
Amargurado, ele observou os estandartes, tentando decifrar os caracteres. Lá atrás, depois da passagem do cortejo, os viajantes se levantavam, e recomeçavam a caminhada. Os que seguiam na mesma direção da coluna mantinham-se a uma distância cautelosa.
Era insólito que os quatro permanecessem montados, muito acima das fileiras irregulares de pessoas ajoelhadas nos dois lados da estrada, a cabeça na poeira, o traseiro empinado para o ar. Os três homens tentavam não notar a nudez, embaraçados pela presença de Angelique, que também se sentia embaraçada.
Os samurais com os estandartes se aproximavam, num movimento inexorável. Havia duas filas, cerca de cem homens em cada uma, em seguida mais estandartes, e fileiras cerradas em torno de um palanquim laqueado de preto, levado por oito suados carregadores. Mais estandartes e samurais, depois pôneis de carga, e na retaguarda um bando variado de carregadores de bagagem. Todos os samurais usavam quimonos cinza, com a mesma insígnia, três peônias entrelaçadas, que também estava nos estandartes, e chapéus de palha amarrados por baixo do queixo. Duas espadas no cinto, uma curta, outra longa. Alguns tinham arco e flechas pendurados no ombro, uns poucos tinham mosquetes de carregar pelo cano. Uns poucos vestiam-se de forma mais requintada do que os outros.
A coluna chegou perto.
Com crescente choque, Struan e os outros constataram o que havia em todos os rostos, em todos os olhos fixados neles: fúria. Ele foi o primeiro a romper o encantamento:
— Acho que é melhor recuarmos...
Mas antes que qualquer um pudesse se afastar, um jovem samurai, de ombros largos, deixou a formação e correu para eles, logo seguido por outro homem. Os dois se colocaram entre os estrangeiros e o palanquim que se aproximava. Transbordando de raiva, o primeiro homem largou seu estandarte e gritou, num tom insultuoso, paralisando-os com sua ira súbita. O cortejo hesitou por um instante, depois os homens retomaram a cadência e continuaram a passar. As pessoas ajoelhadas não se mexeram. Agora, no entanto, pairava acima de tudo um silêncio tenso, quebrado apenas pelo som dos pés em marcha.
O samurai tornou a gritar. Canterbury era o mais próximo. Obediente, nauseado de medo, ele esporeou o pônei. Mas, inadvertidamente, a volta foi na direção do palanquim, não para o outro lado. No mesmo instante, o samurai sacou sua espada de matar, gritou “Sonno-joi!” e golpeou-o com toda a sua força. O outro homem partiu para cima de Struan.
O golpe decepou o braço esquerdo de Canterbury, logo acima do bíceps, e alcançou seu flanco. O mercador olhou incrédulo para o coto, enquanto o sangue esguichava em cima da moça. Impotente, Struan tentava pegar seu revólver, enquanto o outro samurai se adiantava, com a lâmina levantada. Mais por sorte do que por julgamento, ele se desviou do caminho de um golpe, que o feriu apenas de leve na perna esquerda, e cortou o pônei no quarto dianteiro. O animal relinchou, e se empinou num súbito pânico, derrubando o atacante. Struan apontou, puxou o gatilho do pequeno Colt, mas o pônei tornou a empinar, e a bala se perdeu no ar, inofensiva. Frenético, ele tentou controlar a montaria e mirar de novo, sem perceber que o primeiro homem agora o atacava pelo outro lado.
— Cuidado! — gritou Tyrer, voltando à vida.
Tudo acontecera tão depressa que era quase como se ele estivesse imaginando o horror — Canterbury caído no chão, em agonia, seu pônei fugindo, Angelique atordoada na sela, Struan apontando sua arma pela segunda vez, a espada da morte descrevendo um arco para suas costas desprotegidas. Ele viu Struan reagir ao alerta, o pônei desesperado corcoveando ao seu contato, e o golpe que o teria matado sendo desviado de alguma forma pelas rédeas ou o arção, atingindo seu flanco de raspão. Struan balançou na sela, soltando um uivo de dor.
Isso galvanizou Tyrer.
Ele esporeou seu pônei, avançou para o atacante de Struan. O homem saltou para o lado, ileso, notou a moça, correu em sua direção, a espada erguida. Tyrer virou seu pônei apavorado, viu Angelique olhando atordoada para o samurai que se adiantava, paralisada pelo horror.
— Fuja! Vá buscar ajuda! — gritou ele.
E avançou outra vez para o atacante, que se esquivou, recuperou o equilíbrio parou por um instante, com a espada em posição de ataque.
O tempo parecia passar muito devagar. Philip Tyrer sabia que podia se considerar morto. Mas isso parecia não importar agora, pois no momento de trégua ele viu Angelique virar seu pônei e fugir para a segurança. Esquecera sua pistola. Não havia espaço para escapar. Nem tempo.
Por uma fração de segundo, o jovem samurai hesitou, exultante no instante do golpe final, e depois saltou. Impotente, Tyrer tentou recuar. Foi então que a explosão ocorreu, a bala derrubou o japonês, a espada ainda atingiu o braço de Tyrer, mas sem gravidade.
Por um momento, Tyrer não acreditou que continuava vivo, até que viu Struan balançando na sela, o sangue escorrendo do ferimento no flanco, a arma apontada para o outro samurai, seu pônei frenético corcoveando.
Struan puxou o gatilho de novo. A arma se encontrava perto da orelha do pônei. O estampido acabou por completo com o controle do animal, que prendeu o freio nos dentes, e saiu em disparada. Struan mal conseguia se manter na sela. No mesmo instante, o samurai partiu em seu encalço, e isso proporcionou a Tyrer a chance de cravar as esporas em sua montaria, afastar-se da estrada e correr atrás, para o norte.