Harry não sabia como conseguira ganhar sua confiança, nem perguntou: simplesmente escutou, atento, quando ela continuou:
— Minha mãe, dizem, nunca admitiu que o diadema tinha desaparecido, fingiu que continuava em seu poder. Escondeu sua perda, minha terrível traição, até dos fundadores de Hogwarts.
“Então ela caiu doente, fatalmente doente. Apesar da minha perfídia, quis desesperadamente me ver pela última vez. Mandou à minha procura um homem que sempre me amara, embora eu desdenhasse suas propostas amorosas. Minha mãe sabia que ele não descansaria até fazer o que lhe pedira.”
Harry aguardou. A Mulher Cinzenta inspirou profundamente e atirou a cabeça para trás.
— Ele seguiu o meu rastro até a floresta em que eu estava escondida. Quando me recusei a acompanhá-lo, tornou-se violento. O barão sempre foi um homem de temperamento colérico. Furioso com a minha recusa, invejando a minha liberdade, ele me apunhalou.
— O barão? A senhora está se referindo...?
— Sim, ao Barão Sangrento — respondeu a Mulher Cinzenta, e, afastando a capa que usava, mostrou um único ferimento em seu peito branco. — Quando ele viu o que tinha feito, foi invadido pelo remorso. Apanhou a arma com que tirara minha vida e usou-a para se matar. E séculos depois ele ainda usa correntes como um ato de penitência... como deveria — acrescentou, amargurada.
— E... e o diadema?
— Ficou onde eu o tinha escondido quando ouvi o barão andando às tontas pela floresta em minha direção. Escondi-o no oco de uma arvore.
— No oco de uma árvore? — repetiu Harry. — Que árvore? Onde foi isso?
— Uma floresta na Albânia. Um lugar solitário que achei que estivesse bem longe do alcance de minha mãe.
— Albânia — repetiu Harry. O sentido emergia milagrosamente da confusão, e agora ele entendia por que a fantasma estava lhe contando o que negara a Dumbledore e Flitwick. — A senhora já contou essa história a alguém, não? A outro estudante?
Ela fechou os olhos e assentiu.
— Eu não fazia... idéia... ele era... lisonjeador. Parecia... entender... se solidarizar...
Sim, pensou Harry, Tom Riddle certamente teria compreendido o desejo de Helena Ravenclaw de possuir objetos fabulosos a que não tinha muito direito.
— Bem, a senhora não foi a primeira de quem Riddle obteve coisas — murmurou Harry. — Ele sabia ser encantador quando queria...
Então Voldemort tinha conseguido extrair da Mulher Cinzenta a localização do diadema perdido. Tinha viajado àquela longínqua floresta e tirado o diadema do esconderijo, talvez logo que terminara Hogwarts, antes mesmo de ter começado a trabalhar para a Borgin & Burkes.
E aquelas matas albanesas isoladas não tinham lhe parecido um excelente refúgio quando, muito mais tarde, precisou de um lugar para ficar fora de circulação, sem ninguém perturbá-lo, durante dez longos anos?
O diadema, porém, depois de transformado em preciosa Horcrux, não teria sido deixado naquela árvore humilde... não, o diadema fora devolvido secretamente à sua verdadeira casa, e Voldemort devia tê-lo guardado lá...
— Na noite em que viera pedir emprego! — disse Harry, completando o pensamento.
— Perdão?
— Ele escondeu o diadema no castelo na noite em que pediu a Dumbledore para deixá-lo ensinar aqui! — Falar em voz alta lhe permitia encontrar o nexo de tudo. — Deve ter escondido o diadema a caminho do escritório de Dumbledore, ou na saída! Mas ainda valia a pena tentar obter o emprego... assim, poderia ter uma chance de roubar a espada de Gryffindor também... obrigado, muito obrigado!
Harry deixou-a flutuando ali, com um ar de total perplexidade. Ao contornar o canto de volta ao saguão, consultou o relógio. Faltavam cinco minutos para a meia-noite, e, embora soubesse qual era a última Horcrux, não estava nem próximo de descobrir onde encontrá-la...
Gerações de estudantes não tinham conseguido encontrar o diadema; isto sugeria que não estava na Torre da Corvinal — mas, se não ali, onde, então? Que esconderijo Tom Riddle descobrira no interior do castelo de Hogwarts, que acreditava que jamais seria descoberto?
Perdido em desesperada especulação, Harry virou um canto, mas dera apenas alguns passos no novo corredor quando a janela à sua esquerda estourou com um estrépito ensurdecedor. Ao pular para um lado, um corpo gigantesco entrou pela janela e bateu na parede oposta. Uma coisa grande e peluda se destacou do recém-chegado, choramingando, e se atirou sobre Harry.
— Hagrid! — berrou Harry, lutando para afastar Canino e suas atenções, enquanto o enorme vulto barbudo se levantava. — Que...?
— Harry, você está aqui! Você está aqui!
Hagrid se curvou, concedeu a Harry um apressado abraço de quebrar costelas, e se voltou para a janela estilhaçada.
— Bom garoto, Grope! — berrou ele pelo buraco na janela. — Vejo você daqui a pouco, isso é que é um bom garoto!
Para além de Hagrid, na noite escura, Harry avistou clarões ao longe e ouviu um grito esquisito e pungente. Ele olhou para o relógio: era meia-noite. A batalha começara.
— Caramba, Harry — arquejou Hagrid —, então é isso, hein? Hora de lutar?
— Hagrid, de onde você está vindo?
— Ouvi Você-Sabe-Quem lá de cima, na nossa caverna — respondeu, sombriamente. — A voz foi longe, não? “Vocês têm até meia-noite para me entregar Potter.” Eu sabia que você devia estar aqui, sabia o que devia estar acontecendo. Desce, Canino. Então viemos participar, eu, Grope e Canino. Entramos arrebentando tudo pela divisa da floresta, Grope estava nos carregando, a mim e Canino. Pedi para ele me descarregar no castelo e ele me atirou pela janela, Deus o abençoe. Não foi bem o que eu queria, mas... onde estão Rony e Hermione?
— Essa é realmente uma boa pergunta. Venha.
Eles saíram apressados pelo corredor, Canino saltando ao lado dos dois. Harry ouvia movimento em todos os corredores: gente correndo, gritos; pelas janelas via mais clarões nos jardins escuros.
— Para onde estamos indo? — bufou Hagrid, andando pesadamente nos calcanhares de Harry, fazendo as tábuas do soalho tremer.
— Não sei ao certo — disse Harry, dando mais uma volta a esmo —, mas Rony e Hermione têm que estar aqui em algum lugar.
As primeiras baixas da batalha já estavam espalhadas em seu caminho: as duas gárgulas de pedra que normalmente guardavam a entrada da sala dos professores tinham sido destroçadas por um feitiço que entrara por outra janela quebrada. Suas ruínas se moveram impotentes no chão e, quando Harry saltou sobre uma das cabeças sem corpo, a estátua gemeu baixinho:
— Ah, não se importe comigo... ficarei aqui deitada desmoronando...
Sua feia cara de pedra fez Harry pensar subitamente no busto de mármore de Rowena Ravenclaw na casa de Xenofílio, usando aquele toucado delirante — depois na estátua na Torre da Corvinal, com o diadema de pedra sobre seus cachos brancos...
Quando chegava ao fim do corredor, ocorreu-lhe a lembrança de uma terceira efígie de pedra: a de um velho bruxo em cuja cabeça o próprio Harry colocara uma cabeleira e uma velha tiara escalavrada. O choque atravessou Harry como o calor do uísque de fogo, e ele quase tropeçou e caiu.
Finalmente sabia onde a Horcrux o aguardava...
Tom Riddle, que não confiava em ninguém e só agia sozinho, poderia ter sido suficientemente arrogante para supor que ele, e somente ele, penetrara os mais profundos mistérios do castelo de Hogwarts. Naturalmente, Dumbledore e Flitwick, estudantes exemplares, nunca tinham entrado naquele determinado lugar, mas ele, Harry, vagara por caminhos pouco freqüentados no tempo que estudara na escola — ali, finalmente, estava um segredo que ele e Voldemort conheciam, que Dumbledore jamais havia descoberto...
Ele foi despertado pela professora Sprout que passava com estrondo, seguida por Neville e meia dúzia de outros, todos usando abafadores de ouvidos e carregando, aparentemente, grandes plantas envasadas.