— Não — disse Hermione, levantando-se também. Malfoy e Goyle continuavam caídos e inermes no chão do corredor; nenhum dos dois tinha varinha. — Ficamos juntos. Vamos... Harry, que é isso no seu braço?
— Quê? Ah, é...
Ele puxou o diadema do pulso e mostrou-o. Ainda estava quente, sujo de fuligem, mas, ao examiná-lo de perto, ele conseguiu entrever os dizeres minúsculos que havia gravados nele: O espírito sem limites é o maior tesouro do homem.
Uma substância semelhante a sangue, escura e resinosa, parecia vazar do diadema. De repente, Harry sentiu a coisa vibrar violentamente e se partir em suas mãos, e, quando isso aconteceu, ele pensou ter ouvido um leve e longínquo grito de dor, que não vinha dos terrenos do castelo, mas da coisa que acabara de se fragmentar entre seus dedos.
— Deve ter sido o Fogomaldito! — murmurou Hermione, seus olhos cravados nos cacos do diadema.
— Desculpe?
— Fogomaldito é uma das substâncias que destrói Horcruxes, mas eu nunca, jamais, teria me atrevido a usá-lo, tão perigoso que é. Como Crabbe terá...?
— Deve ter aprendido com os Carrow — disse Harry, sombriamente.
— Pena que não estivesse prestando atenção quando eles ensinaram a apagá-lo, pena mesmo — disse Rony, cujos cabelos, como os de Hermione, estavam chamuscados e cujo rosto estava preto. — Se não tivesse tentado nos matar, eu lamentaria a morte dele.
— Mas você não percebe? — cochichou Hermione. — Isto significa que se pudermos apanhar a cobra...
Ela, no entanto, se calou quando berros, gritos e o inconfundível barulho de combate encheram o corredor. Harry olhou e seu coração pareceu parar: Comensais da Morte tinham penetrado Hogwarts. Fred e Percy acabavam de aparecer, recuando, os dois duelando com os homens de máscara e capuz.
Harry, Rony e Hermione correram a ajudar: jorros de luz voavam em todas as direções e o homem que lutava com Percy retrocedeu rapidamente: então, seu capuz escorregou e eles viram a testa alta e os cabelos raiados de branco...
— Olá, Ministro! — berrou Percy, lançando um feitiço certeiro contra Thicknesse, que deixou cair a varinha e agarrou a frente das vestes, aparentando extremo embaraço. — Cheguei a mencionar que estou me demitindo?
— Você está brincando, Perce! — gritou Fred, quando o Comensal da Morte a quem ele dava combate desmontou sob o efeito de três Feitiços Estuporantes distintos. Thicknesse tinha caído no chão com espículos brotando por todo o corpo; pelo visto, estava se transformando em alguma forma de ouriço-do-mar. Fred olhou para Percy com prazer.
“Você está mesmo brincando, Perce... acho que nunca ouvi você brincar desde que era...”
O ar explodiu. Eles estavam agrupados, Harry, Rony, Hermione, Fred e Percy, os dois Comensais da Morte a seus pés, um estuporado, o outro transfigurado: e, naquela fração de instante, quando o perigo parecia temporariamente contido, o mundo se cindiu. Harry sentiu que voava pelo ar e tudo que conseguiu fazer foi agarrar com todas as forças aquele fino pedaço de madeira que era a sua única arma, e proteger a cabeça com os braços: ele ouviu berros e gritos de seus companheiros, sem esperança de saber o que acontecera com eles.
Então, tudo se resumiu em dor e penumbra: ele estava quase soterrado pelos destroços do corredor que sofrerá um terrível ataque: o ar frio o fez perceber que aquele lado do castelo explodira e a sensação pegajosa na face lhe informava que estava sangrando profusamente. Ouviu um grito terrível que arrancou suas entranhas, expressando uma agonia que nem fogo nem maldição poderiam causar, e ele se levantou, tonto, mais assustado do que se sentira naquele dia, mais assustado talvez do que já se sentira na vida...
E Hermione tentava ficar em pé entre os destroços, e havia três homens ruivos no chão, que estavam juntos quando a parede explodiu. Harry segurou a mão de Hermione e seguiram, cambaleando e tropeçando, sobre pedras e paus.
— Não... não... não! — alguém estava gritando. — Não! Fred! Não! Percy sacudia o irmão, Rony estava ajoelhado ao lado deles, e os olhos de Fred estavam muito abertos e cegos, o fantasma de sua última risada ainda gravado em seu rosto.
32
A varinha das varinhas
O mundo acabara, então por que a batalha prosseguia, o horror não silenciara o castelo, e cada combatente não depusera suas armas? A mente de Harry estava em queda livre, girando descontrolada, incapaz de apreender o impossível, porque Fred Weasley não podia estar morto, o testemunho dos seus sentidos devia ser mentiroso...
E, então, um cadáver entrou pelo rombo na fachada lateral da escola e feitiços voaram contra eles vindos da escuridão, atingindo a parede atrás de suas cabeças.
— Abaixe-se! — gritou Harry, ao ver que outros tantos feitiços cortavam a noite: ele e Rony agarraram Hermione ao mesmo tempo e a puxaram para o chão, mas Percy se deitara sobre o corpo de Fred, protegendo-o de dano maior, e quando Harry gritou “Percy, anda, temos que sair daqui!”, ele balançou a cabeça.
— Percy! — Harry viu uma trilha de lágrimas marcar a fuligem no rosto de Rony, quando ele segurou os ombros do irmão mais velho e puxou-o, mas Percy não se moveu. — Percy, você não pode fazer nada por ele! Vamos...
Hermione gritou e Harry, virando-se, não precisou perguntar o porquê. Uma aranha monstruosa do tamanho de um automóvel compacto estava tentando trepar pelo enorme rombo na parede: um dos descendentes de Aragogue viera participar da luta.
Rony e Harry gritaram juntos; seus feitiços colidiram e o monstro foi rechaçado, suas pernas sacudiram freneticamente, e ele perdeu-se na escuridão.
— Ela trouxe os amigos! — Harry alertou os outros, correndo o olhar pelos muros do castelo, através do buraco que os feitiços tinham aberto: mais aranhas gigantescas vinham subindo pelo lado da construção, libertadas da Floresta Proibida por onde deviam ter penetrado os Comensais da Morte. Harry lançou Feitiços Estuporantes contra as invasoras, derrubando o monstro que as liderava em cima das companheiras, fazendo-as rolar fachada abaixo e desaparecer Então, mais feitiços voaram sobre a cabeça de Harry, tão perto que ele sentiu seu ímpeto despentear-lhe os cabelos.
— Vamos sair, AGORA!
Empurrando Hermione e Rony à frente, Harry se inclinou para agarrar o corpo de Fred por baixo dos braços. Percy, percebendo o que Harry estava tentando fazer, soltou o corpo e ajudou-o; juntos, abaixados para evitar os feitiços atirados contra eles, os dois tiraram Fred do caminho.
— Aqui — disse Harry, e o colocaram em um nicho onde antes estivera uma armadura. Ele não agüentaria olhar para Fred nem um segundo além do necessário e, se certificando de que o corpo estava bem escondido, saiu ao encalço de Rony e Hermione. Malfoy e Goyle tinham sumido, mas no fim do corredor, que agora se enchia de pó e destroços de alvenaria, de vidros das janelas há muito estourados, ele viu muitas pessoas avançando e recuando; se eram amigas ou inimigas, ele não saberia dizer. Dobrando um canto, Percy soltou um fortíssimo berro “ROOKWOOD!”, e correu em direção a um homem alto, que perseguia uns estudantes.
— Harry, entra aqui! — chamou Hermione.
Ela puxara Rony para trás de uma tapeçaria. Pareciam estar lutando e, por um delirante segundo, Harry achou que estavam se beijando outra vez; então viu que Hermione estava tentando impedir Rony de correr atrás de Percy.
— Me escute... ESCUTE, RONY!
— Quero ajudar... quero matar Comensais da Morte...
Seu rosto estava contorcido, sujo de poeira e fuligem, e ele tremia de fúria e pesar.
— Rony, nós somos os únicos que podemos pôr fim a isso! Por favor... Rony... precisamos da cobra, temos que matar a cobra! -disse Hermione.
Harry, no entanto, sabia o que Rony estava sentindo: capturar outra Horcrux não lhe traria a satisfação da vingança; ele também queria lutar, castigar as pessoas que tinham matado Fred, queria achar os outros Weasley e, acima de tudo, ter certeza, certeza absoluta de que Gina não estava... mas ele não podia permitir que essa idéia tomasse corpo em sua mente...