Você permitiu que os seus amigos morressem por você em lugar de me enfrentar pessoalmente. Esperarei uma hora na Floresta Proibida... uma hora...
Pequenos embrulhos pareciam coalhar o gramado em frente ao castelo. Devia faltar pouco mais de uma hora para amanhecer, mas estava um breu. Os três se apressaram em direção aos degraus de pedra da entrada. Um tamanco solitário, do tamanho de um pequeno barco, se achava abandonado ali. Não havia sinal de Grope nem do seu atacante.
O castelo estava anormalmente silencioso. Não havia clarões agora, nem estampidos, nem gritaria. As lages do deserto saguão de entrada estavam manchadas de sangue. As esmeraldas continuavam espalhadas pelo piso ao lado de pedaços de mármore e lascas de madeira. Parte do balaústre fora destruído.
— Onde estão todos? — sussurrou Hermione.
Rony saiu à frente para o salão principal. Harry parou à porta.
As mesas das Casas tinham sido retiradas, e o salão estava lotado. Os sobreviventes formavam grupos, abraçando uns aos outros. Na plataforma, os feridos recebiam atendimento de Madame Pomfrey e seus auxiliares. Firenze estava entre os feridos; seu flanco sangrava e ele se agitava deitado, incapaz de se levantar.
Os mortos estavam enfileirados no meio do salão. Harry não viu o corpo de Fred, porque a família o rodeava. Jorge estava ajoelhado à cabeça do irmão gêmeo; a sra. Weasley se deitara sobre o seu peito, o corpo sacudindo, o sr. Weasley acariciava os cabelos dela e as lágrimas desciam em cascata pelo seu rosto.
Sem dizer palavra a Harry, Rony e Hermione se afastaram. Harry viu Hermione se aproximar de Gina, cujo rosto estava inchado e borrado, e abraçou-a. Rony se juntou a Gui, Fleur e Percy, que passou o braço pelos ombros do irmão. Quando Gina e Hermione se aproximaram do resto da família, Harry pôde ver com clareza os corpos ao lado de Fred: Remo e Tonks, pálidos e imóveis, a fisionomia plácida, aparentemente dormindo sob o escuro teto encantado.
O salão principal pareceu fugir, se tornar menor, encolher, quando Harry recuou tonto do portal. Não conseguia respirar. Não conseguia suportar a visão dos outros corpos, saber quem mais morrera por ele. Não conseguia suportar a idéia de se reunir aos Weasley, não conseguia olhar em seus olhos, pois se ele tivesse se sacrificado em primeiro lugar, Fred talvez não tivesse morrido...
Ele deu as costas e subiu, rápido, a escadaria de mármore. Lupin, Tonks... ele ansiava por não sentir... desejava poder arrancar seu coração, suas entranhas, tudo que estava gritando dentro dele...
O castelo estava completamente vazio; até os fantasmas pareciam ter se reunido ao funeral coletivo no salão principal. Harry correu sem parar, apertando o frasco de cristal contendo as últimas lembranças de Snape, e não desacelerou até alcançar a gárgula de pedra que guardava o gabinete do diretor.
“Senha?”
— Dumbledore! — disse, sem pensar, porque era quem ele ansiava por ver, e, para sua surpresa, a gárgula se afastou revelando a escada circular que protegia.
Quando, porém, Harry irrompeu pelo gabinete, encontrou-o mudado. Os retratos pendurados a toda volta estavam vazios. Nem um único diretor ou diretora ficara para vê-lo: pelo visto, todos tinham saído voando, atravessado os quadros que se alinhavam pelo castelo, para poder ter uma boa visão dos acontecimentos.
Harry olhou desesperado para o quadro deserto de Dumbledore, diretamente atrás da cadeira do diretor, e lhe deu as costas. A Penseira de pedra estava no armário onde sempre estivera: Harry carregou-a para cima da escrivaninha e despejou as lembranças de Snape na grande bacia com a borda de runas. Fugir para a cabeça de outro era um alívio abençoado... nada que mesmo alguém como Snape tivesse lhe deixado poderia ser pior do que os seus próprios pensamentos. As lembranças giraram, branco-prateadas e estranhas, e, sem hesitar, possuído de um sentimento de irrefletido abandono, como se isso pudesse aliviar a tortura do seu pesar, Harry mergulhou.
Caiu de cabeça em um lugar ensolarado e seus pés encontraram um chão morno. Quando se endireitou, viu que estava em um parquinho infantil quase deserto. Uma enorme chaminé solitária dominava o horizonte distante. Duas meninas se balançavam para frente e para trás, e um menino magricela as observava, de trás de uma moita de arbustos. Seus cabelos negros eram demasiado longos e suas roupas tão díspares que isso até parecia intencionaclass="underline" jeans excessivamente curto, um casaco enxovalhado e tão largo que poderia ter pertencido a um adulto, uma camisa estranha, com aspecto de bata.
Harry se acercou do garoto. Snape não parecia ter mais de nove ou dez anos, macilento, pequeno, rijo. Havia uma indisfarçável cobiça em seu rosto magro ao espiar a mais jovem das meninas que se balançava mais alto do que a irmã.
— Lílian, não faz isso! — gritava a mais velha.
A garota, porém, soltava o balanço na altura máxima do arco que descrevia e voava no ar, literalmente voava, atirava-se para o céu com uma grande gargalhada e, em vez de cair no asfalto do parquinho, pairava no ar como uma artista de trapézio, permanecendo no alto tempo demais, aterrissando leve demais.
— Mamãe disse para você não fazer!
Petúnia parou o próprio balanço arrastando os calcanhares das sandálias no chão, produzindo um forte atrito, depois saltou, com as mãos nos quadris.
— Mamãe disse que você não podia, Lílian!
— Mas eu estou ótima — respondeu Lílian, ainda rindo. — Túnia, dá uma olhada. Veja o que eu sei fazer.
Petúnia relanceou a sua volta. O parquinho estava deserto exceto pelas duas e, embora as garotas ignorassem, Snape. Lílian apanhara uma flor caída na moita em que o garoto espreitava. Petúnia se aproximou, evidentemente dividida entre a curiosidade e a desaprovação. Lílian esperou a irmã chegar suficientemente perto para poder ver bem, então estendeu a palma da mão. A flor estava ali, abrindo e fechando as pétalas, como uma bizarra ostra com muitos lábios.
— Pára com isso! — guinchou Petúnia.
— Não estou machucando ninguém — respondeu Lílian, mas fechou a flor na mão e atirou-a no chão.
— Não é direito — reclamou Petúnia, mas seus olhos tinham acompanhado o vôo da flor até o chão e se detiveram nela. — Como é que você faz isso? — acrescentou, e havia um claro desejo em sua voz.
— É óbvio, não é? — Snape não conseguira mais se conter e saltara de trás da moita. Petúnia gritou e voltou correndo para os balanços, mas Lílian, embora visivelmente assustada, não arredou pé. Snape pareceu se arrepender de ter se mostrado. Um colorido baço subiu às suas bochechas pálidas quando olhou para Lílian.
— O que é óbvio? — perguntou ela.
Snape tinha um ar de nervosa excitação. Com um olhar rápido à distante Petúnia, agora parada ao lado dos balanços, ele baixou a voz e disse:
— Sei o que você é.
— Como assim?
— Você é... você é uma bruxa — sussurrou Snape. Ela se ofendeu.
— Não é bonito dizer isso a uma pessoa!
Ela deu as costas, empinou o nariz e se afastou com firmeza em direção à irmã.
— Não! — chamou Snape. Estava agora muito vermelho, e Harry se perguntou por que não tirava aquele casaco ridiculamente grande, a não ser que quisesse esconder a bata que usava por baixo. Ele saiu atrás das garotas abanando o casaco, já parecendo o absurdo morcego que veio a se tornar em adulto.
As irmãs o avaliaram, unidas em sua desaprovação, ambas se segurando na armação do balanço como se fosse um pique.
— Você é — disse Snape a Lílian. — Você é uma bruxa. Estive observando um tempo. Mas não é uma coisa ruim. Minha mãe é, eu sou um bruxo.
A risada de Petúnia foi um balde de água fria.
— Bruxo! — guinchou ela, retomando a coragem, agora que se refizera do choque de sua inesperada aparição. — Eu sei quem você é. Você é aquele garoto Snape! Mora na rua da Fiação na beira do rio -disse Petúnia à irmã, deixando evidente, pelo seu tom, que considerava o endereço uma fraca recomendação. — Por que estava nos espionando?