Выбрать главу

— Não estava espionando — respondeu Snape, vermelho e constrangido, os cabelos sujos à claridade do sol. — Não espionaria você, pode ter certeza — acrescentou vingativo —, você é uma trouxa.

Embora Petúnia não entendesse a palavra, o tom não deixava dúvida.

— Lílian, anda, vamos embora! — disse esganiçada. Lílian obedeceu imediatamente à irmã, fazendo cara feia para Snape ao se afastar. Ele ficou parado observando-as se dirigirem ao portão do parquinho, e Harry, o único que restara ali, reconheceu o amargo desapontamento de Snape e compreendeu que o bruxo planejara aquele momento há muito tempo e que tudo saíra errado...

A cena se dissolveu e, antes que Harry tomasse consciência, uma nova se formara ao seu redor. Achava-se agora em um arvoredo. Via o rio banhado de sol cintilando entre os troncos. As sombras projetadas pelas árvores produziam um círculo de sombra verde e fresca. Snape agora despira o casaco; sua bata esquisita causava menos estranheza à meia-luz.

— ... e o Ministério pode punir você se usar magia fora da escola, você recebe cartas.

— Mas eu usei magia fora da escola!

— Não é o nosso caso. Ainda não temos varinhas. Não castigam quando a gente é criança e não consegue se controlar. Mas quando se faz onze anos — ele acenou a cabeça com autoridade — e começam a nos ensinar, então temos que maneirar.

Houve um breve silêncio. Lílian apanhara um gravetinho no chão e girou-o no ar, e Harry percebeu que ela estava imaginando faíscas saindo de sua ponta. Ela largou o graveto, se inclinou para o garoto e perguntou:

— Isso é verdade, não é? Não é uma brincadeira? Petúnia diz que você está mentindo. Petúnia diz que Hogwarts não existe. É verdade, não é?

— É verdade para nós — respondeu Snape. — Não para ela. Mas nós receberemos a carta, você e eu.

— Sério? — sussurrou Lílian.

— Sem a menor dúvida. — E mesmo com os seus cabelos mal cortados e suas roupas descombinadas, ele era uma figura estranhamente impressionante, esparramado à sua frente, esbanjando confiança no próprio destino.

— E realmente vai ser entregue por uma coruja? — sussurrou Lílian.

— Normalmente é. Mas você é nascida trouxa, então alguém da escola terá de vir explicar aos seus pais.

— Faz diferença ser nascida trouxa?

Snape hesitou. Seus olhos negros, ansiosos à sombra esverdeada, percorreram o rosto pálido e os cabelos acaju da garota.

— Não — garantiu ele. — Não faz a menor diferença.

— Que bom — disse Lílian, se descontraindo: era evidente que andara preocupada.

— Você tem muita magia. Eu vi. Todas as vezes que estive espiando você.

Sua voz foi se distanciando; ela não estava mais ouvindo, deitara-se no chão coberto de folhas e contemplava a abóbada de folhas no alto. Ele a observava tão avidamente quanto o fizera no parquinho.

— Como vão as coisas em sua casa? — perguntou Lílian. Um pequeno vinco apareceu entre os olhos dele.

— Ótimas.

— Eles não estão mais brigando?

— Ah, sim, continuam brigando. — Ele apanhou um punhado de folhas e começou a rasgá-las, aparentemente sem notar o que estava fazendo. — Mas não vai demorar muito e logo terei ido embora.

— O seu pai não gosta de magia?

— Ele não gosta muito de nada.

— Severo?

Um pequeno sorriso curvou os cantos da boca de Snape ao ouvi-la pronunciar o seu nome. — Quê?

— Me fale outra vez dos dementadores.

— Para que quer saber sobre eles?

— Se eu usar magia fora da escola...

— Não entregariam você aos dementadores só por isso! São para as pessoas que fazem coisas realmente ruins. Os dementadores guardam a prisão dos bruxos, Azkaban. Você não vai para Azkaban, você é muito...

Ele corou novamente e rasgou mais folhas. Então, um leve farfalhar atrás de Harry o fez se virar: Petúnia, escondida atrás de uma árvore, se desequilibrara.

— Túnia! — exclamou Lílian, havia surpresa e boas-vindas em sua voz, mas Snape saltara em pé.

— Quem está espionando agora? — gritou. — Que é que você quer?

Petúnia ficou ofegante, assustada por ter sido descoberta. Harry viu que se concentrava à procura de alguma coisa para dizer que o magoasse.

— Afinal, o que é isso que você está vestindo? — perguntou ela, apontando para o peito de Snape. — A blusa da sua mãe?

Ouviram um estalo: caíra um galho na cabeça de Petúnia. Lílian gritou; o galho bateu no ombro da irmã, que cambaleou e caiu no choro.

— Túnia!

Petúnia, porém, estava fugindo. Lílian virou-se para Snape.

— Você fez isso acontecer?

— Não. — Em seu rosto havia desafio e medo.

— Fez! — Ela foi se afastando dele. — Fez, sim! Você a machucou!

— Não... não fiz!

A mentira, no entanto, não convenceu Lílian; lançando-lhe um último olhar fulminante, ela saiu correndo do arvoredo atrás da irmã, deixando Snape com um ar infeliz e confuso...

A cena se reformulou. Harry olhou para os lados: estava na plataforma nove e meia com Snape ao seu lado, ligeiramente curvo, ao lado de uma mulher magra de rosto pálido e azedo, parecidíssima com ele. O garoto observava uma família de quatro pessoas não muito longe. As duas garotas um pouco separadas dos pais. Lílian parecia estar justificando alguma coisa para a irmã; Harry aproximou-se para ouvir.

— ... desculpe, Túnia, me desculpe! Escute... — Ela segurou a mão da irmã e apertou-a, embora Petúnia tentasse se desvencilhar. -Talvez quando eu estiver lá... não, escute, Túnia! Talvez quando eu estiver lá, eu possa procurar o professor Dumbledore e convencê-lo a mudar de idéia!

— Eu não... quero... ir! — disse Petúnia, ela puxou com força a mão do aperto da irmã. — Você acha que eu quero ir para um castelo idiota e aprender a ser... ser...

O seu olhar percorreu a plataforma, passou pelos gatos que miavam no colo dos seus donos, pelas corujas que esvoaçavam piando umas para as outras nas gaiolas, pelos estudantes, alguns já usando longas vestes pretas, embarcando os malões no trem de locomotiva vermelha ou então se cumprimentando com gritos de alegria, depois de um verão separados.

— ... você acha que quero ser um... um bicho estranho?

Os olhos de Lílian se encheram de lágrimas quando Petúnia conseguiu largar a mão dela.

— Não sou um bicho estranho — respondeu Lílian. — Que coisa horrível para dizer.

— É para onde você vai — insistiu Petúnia, com gosto. — Uma escola especial para bichos estranhos. Você e aquele garoto Snape... bizarros, é o que vocês são. É bom que sejam isolados das pessoas normais. É para a nossa segurança.

Lílian olhou em direção aos seus pais, que examinavam a plataforma com um ar de entusiástico prazer, absorvendo o cenário. Então, ela voltou o olhar para a irmã e sua voz era suave e cruel.

— Você não achou que era uma escola para anormais quando escreveu ao diretor suplicando que a aceitasse.

Petúnia ficou escarlate.

— Suplicando? Não supliquei!

— Eu vi a resposta dele. Foi muito bondosa.

— Você não devia ter lido... — sussurrou Petúnia. — Era minha e particular... como pôde...?

Lílian se traiu ao dar uma olhada em Snape parado ali perto. Petúnia ofegou.

— Foi aquele garoto que descobriu! Você e aquele garoto andaram espionando o meu quarto!

— Não... não espionando... — Agora Lílian estava na defensiva. -Severo viu o envelope, e não pôde acreditar que uma trouxa tivesse escrito para Hogwarts, foi isso! Ele diz que deve haver bruxos infiltrados nos correios que se encarregam de...

— Pelo visto, os bruxos metem o nariz em tudo! — replicou Petúnia, agora tão pálida quanto estivera corada. — Anormal! — Ela cuspiu na irmã e voltou acintosamente para o lado dos pais...