— Voldemort teme essa ligação. Não faz muito tempo, ele provou um pouquinho do que realmente significa partilhar a mente de Harry. Foi uma dor que ele jamais experimentara na vida. Não tentará possuir Harry outra vez, tenho certeza. Não da mesma forma.
— Não estou entendendo.
— A alma de Lord Voldemort, mutilada como está, não suporta o contato com uma mente como a de Harry. É como o contato de uma língua com o aço congelado, como a carne do corpo em chamas...
— Almas? Estamos falando de mentes!
— No caso de Harry e Lord Voldemort, falar em uma é falar da outra.
Dumbledore olhou ao redor para se certificar de que se encontravam realmente sozinhos. Agora estavam muito próximos da Floresta Proibida, mas não havia sinal de ninguém na vizinhança.
— Depois que me matar, Severo...
— Você se recusa a me contar tudo, no entanto espera de mim esse pequeno serviço! — rosnou Snape, e uma fúria real inflamou o seu rosto magro. — Você presume muita coisa, Dumbledore! Talvez eu tenha mudado de idéia!
— Você me deu a sua palavra, Severo. E, já que estamos falando em serviços, você está em falta comigo, pensei que tivesse concordado em vigiar o nosso jovem amigo da Sonserina?
Snape não escondia a raiva, a rebeldia. Dumbledore suspirou.
— Venha ao meu gabinete hoje à noite, Severo, às onze, e você não se queixará de que não tenho confiança em você.
Tinham voltado ao gabinete de Dumbledore, as janelas escuras, e Fawkes estava tão silenciosa quanto Snape imóvel na cadeira, e o diretor andava em volta dele, falando.
— Harry não pode saber, não até o último momento, não até que seja necessário, do contrário como poderia ter a força para fazer o que deve ser feito?
— Mas o que deve fazer?
— Isto é entre mim e Harry. Agora escute bem, Severo. Virá um tempo... depois da minha morte... não discuta, não interrompa! Virá um tempo em que Lord Voldemort temerá pela vida da cobra dele.
— Por Nagini? — Snape pareceu admirado.
— Exatamente. Quando chegar o momento em que Lord Voldemort parar de mandar a cobra cumprir os seus mandados, e a mantiver segura ao seu lado, sob proteção mágica, então, acho, não haverá perigo em contar a Harry.
— Contar o quê?
Dumbledore inspirou profundamente e fechou os olhos.
— Conte-lhe que na noite em que Lord Voldemort tentou matá-lo, quando Lílian pôs a própria vida entre os dois como um escudo, a Maldição da Morte ricocheteou em Lord Voldemort, e um fragmento da alma dele irrompeu do todo e se prendeu à única alma sobrevivente na casa que desabava. Parte de Lord Voldemort vive em Harry, e é esta parte que lhe dá tanto a capacidade de falar com cobras quanto uma ligação com a mente de Lord Voldemort que ele jamais entendeu. E enquanto esse fragmento de alma, de que Voldemort não sentiu falta, permanecer preso e protegido por Harry, Lord Voldemort não poderá morrer.
Harry teve a sensação de estar observando os dois homens do fim de um longo túnel, tão distantes estavam dele, as vozes ecoando estranhamente em seus ouvidos.
— Então o garoto... o garoto deve morrer? — perguntou Snape, muito calmo.
— E é Voldemort quem deve matá-lo, Severo. Isto é essencial. Seguiu-se outro longo silêncio. Então Snape falou:
— Pensei... todos esses anos... que nós o protegíamos por causa dela. De Lílian.
— Nós o protegíamos porque era essencial que fosse ensinado, criado e pudesse experimentar a própria força — explicou Dumbledore, com os olhos ainda fechados. — Nesse meio-tempo, a ligação entre os dois foi crescendo, um crescimento parasitário: às vezes penso que Harry suspeita disso. Se bem o conheço, tomará providências para que, ao sair ao encontro da morte, isto represente, verdadeiramente, o fim de Voldemort.
Dumbledore reabriu os olhos. Snape estava horrorizado.
— Você o manteve vivo para que pudesse morrer na hora certa?
— Não fique chocado, Severo. Quantos homens e mulheres você viu morrer?
— Ultimamente apenas os que não pude salvar. — Ele se levantou.
— Você me usou.
— Em que sentido?
— Espionei por você, menti por você, corri risco mortal por você. Supostamente tudo para manter o filho de Lílian Potter vivo. Agora você me diz que o esteve criando como um porco para o abate...
— Ora, isso é comovente, Severo — exclamou Dumbledore, sério.
— Você acabou se afeiçoando ao menino, afinal?
— A ele? — gritou Snape. — Expecto patronum!
Da ponta de sua varinha irrompeu a corça prateada: ela pousou, correu pelo soalho do gabinete e saiu voando pela janela. Dumbledore observou-a se afastando pelos ares e, quando seu brilho prateado se dissipou, ele se dirigiu a Snape e seus olhos estavam cheios de lágrimas.
— Depois de todo esse tempo?
— Sempre — respondeu Snape.
E a cena mudou. Agora Harry via Snape conversando com o retrato de Dumbledore atrás da escrivaninha.
— Você terá de informar a Voldemort a data certa da partida de Harry da casa dos tios — recomendou Dumbledore. — Se não fizer isso, levantará suspeitas, uma vez que Voldemort o julga bem informado. Entretanto, você precisa plantar a idéia dos chamarizes: acho que isso deverá garantir a segurança de Harry. Tente confundir Mundungo Fletcher. E, Severo, se você for obrigado a tomar parte na perseguição, assegure-se de representar a sua parte convincentemente... Estou contando com você para continuar nas boas graças de Lord Voldemort o maior tempo possível, ou Hogwarts ficará à mercê dos Carrow...
Agora Snape estava face a face com Mundungo em uma taberna desconhecida, o rosto deste parecendo curiosamente inexpressivo, Snape franzindo a testa concentrado.
— Você irá sugerir à Ordem da Fênix — murmurou Snape — que use chamarizes. Poção Polissuco. Potters idênticos. É a única coisa que poderia dar resultado. Você esquecerá que lhe sugeri isso. Apresentará a idéia como sua. Entendeu?
— Entendi — murmurou Mundungo, seus olhos desfocados... Agora Harry estava voando emparelhado com a vassoura de Snape, através da noite escura e desanuviada: o professor ia acompanhado por outros Comensais da Morte encapuzados, e à sua frente estavam Lupin e Harry que era na realidade Jorge... um Comensal passou a frente de Snape e apontou a varinha diretamente para as costas de Lupin...
— Sectumsempra! — gritou Snape.
O feitiço que visava a mão do Comensal da Morte, no entanto, errou o alvo e atingiu Jorge...
No momento seguinte, Snape se achava ajoelhado no antigo quarto de Sirius. As lágrimas escorriam da ponta do seu nariz curvo ao ler a carta de Lílian. A segunda página tinha apenas algumas palavras:
... pudesse ter sido amigo de Gerardo Grindelwald. Pessoalmente, acho que ela está começando a caducar!
Afetuosamente,
Snape removeu a página que continha a assinatura de Lílian e o seu afeto e guardou-a no bolso interno das vestes. Em seguida, rasgou ao meio a foto que segurava, para poder guardar a metade em que Lílian ria, e atirou a outra com Tiago e Harry no chão, sob a cômoda...
E agora Snape estava mais uma vez no gabinete do diretor e Fineus Nigellus voltava correndo para o seu quadro.
— Diretor! Eles estão acampando na Floresta do Deão! A sangue-ruim...
— Não use essa palavra!
— ... que seja, a garota Granger mencionou o lugar quando abriu a bolsa e eu a ouvi!
— Muito bom. Ótimo! — exclamou o retrato de Dumbledore atrás da cadeira do diretor. — Agora, Severo, a espada! Não esqueça que deve ser apanhada sob condições de necessidade e coragem, e ele não pode saber quem a está entregando! Se Voldemort puder ler a mente de Harry e vir você ajudando-o...
— Eu sei — respondeu Snape, secamente. Aproximou-se, então, do retrato de Dumbledore e afastou-o para um lado. O quadro girou para frente, revelando uma cavidade oculta, da qual ele tirou a espada de Gryffindor.