— Está — sussurrou ele em resposta.
Harry sentiu a mão em seu peito se contrair; suas unhas o espetaram. Então, ela retirou a mão. Sentara.
— Está morto! — anunciou Narcisa Malfoy para os Comensais.
E agora eles gritaram, agora deram berros de triunfo e bateram com os pés no chão, e, entre as pálpebras, Harry viu clarões vermelhos e prateados subirem ao ar, comemorando.
Ainda fingindo-se de morto, ele compreendeu. Narcisa sabia que a única maneira de lhe permitirem entrar em Hogwarts e procurar o filho era participar do exército conquistador. Ela já não se importava se Voldemort venceria ou não.
— Viram? — guinchou Voldemort, sobrepondo-se ao tumulto. -Harry Potter foi morto por minha mão, e agora nenhum homem vivo poderá me ameaçar! Vejam! Crucio!
Harry estivera esperando aquilo: sabia que não deixariam o seu corpo descansar intocado no chão da Floresta, teria que ser humilhado para comprovar a vitória de Voldemort. Ele foi erguido no ar, e precisou de toda a sua força de vontade para continuar inanimado; entretanto, a dor que previra não ocorreu. Foi atirado uma, duas, três vezes no ar, seus óculos voaram do rosto e ele sentiu a varinha escorregar um pouco sob suas vestes, mas continuou mole e sem vida e, quando caiu no chão pela última vez, a clareira ressoou com insultos e risadas agudas.
— Agora — disse Voldemort —, vamos ao castelo lhes mostrar o que restou do seu herói. Quem arrastará o corpo? Não... esperem...
Houve nova explosão de risadas e, transcorridos alguns instantes, Harry sentiu o chão tremer sob seu corpo.
— Você o carrega — ordenou Voldemort. — Ficará bem visível em seus braços, não é mesmo? Apanhe o seu amiguinho, Hagrid. E os óculos... reponha os óculos... ele precisa ficar reconhecível.
Alguém chapou os óculos no rosto de Harry com intenção de machucá-lo, mas as mãos enormes que o ergueram no ar foram extremamente gentis. Harry sentiu os braços de Hagrid tremendo com a violência dos seus profundos soluços, grossas lágrimas choveram sobre ele quando Hagrid o aninhou nos braços, e Harry não ousou, por movimento ou palavra, insinuar ao amigo que nem tudo estava perdido, ainda.
— Ande — ordenou Voldemort, e Hagrid avançou aos tropeços, abrindo passagem entre as árvores muito juntas, em direção à saída da Floresta. Os galhos prenderam nos cabelos e nas vestes de Harry, mas ele continuou inerte, a boca aberta molemente, os olhos fechados, e no escuro, enquanto os Comensais da Morte se aglomeravam ao seu redor, e enquanto Hagrid soluçava às cegas, ninguém se preocupou em verificar se pulsava uma veia no pescoço nu de Harry Potter...
Os dois gigantes acompanharam com estrondo os Comensais da Morte; Harry ouvia as árvores partindo e tombando à sua passagem; faziam tanto barulho que os pássaros levantavam vôo, aos gritos, abafando até as caçoadas dos Comensais. A procissão da vitória marchou para campo aberto, e depois de algum tempo, Harry percebeu, pelo clareamento da escuridão através de suas pálpebras fechadas, que as árvores estavam começando a rarear.
— AGOURO!
O inesperado berro de Hagrid quase forçou Harry a abrir os olhos.
— Estão felizes agora por não ter lutado, seu bando covarde de mulas velhas? Satisfeitos de ver Harry Potter... m-morto...?
Hagrid não pôde continuar, sucumbiu às lágrimas. Harry ficou imaginando quantos centauros estariam assistindo à procissão passar; não se atreveu a abrir os olhos para avaliar. Alguns Comensais da Morte gritaram insultos para as criaturas, à medida que as deixavam para trás. Pouco depois, Harry sentiu, pelo refrescamento do ar, que tinham chegado à orla da Floresta.
— Pare.
Harry achou que Hagrid devia ter sido forçado a obedecer, porque ele cambaleou ligeiramente. Agora baixava uma frialdade sobre o lugar em que haviam parado, e Harry ouviu os arquejos roucos dos dementadores que patrulhavam as árvores naquele ponto da Floresta. Não o afetariam agora. A realidade de sua sobrevivência abrasava-o por dentro, um talismã contra eles, como se tivesse no coração o veado Patrono de seu pai a guardá-lo.
Alguém passou perto de Harry e ele percebeu que era Voldemort, porque ele falou em seguida, sua voz magicamente amplificada de modo a se propagar pelos terrenos da escola, retumbando nos tímpanos do garoto.
“Harry Potter está morto. Foi abatido em plena fuga, tentando se salvar enquanto vocês ofereciam as vidas por ele. Trazemos aqui o seu cadáver como prova de que o seu herói deixou de existir.
“A batalha está ganha. Vocês perderam metade dos seus combatentes. Os meus Comensais da Morte são mais numerosos que vocês, e O-Menino-Que-Sobreviveu está liquidado. A guerra deve cessar. Quem continuar a resistir, homem, mulher ou criança, será exterminado, bem como todos os membros de sua família. Saiam do castelo agora, ajoelhem-se diante de mim e serão poupados. Seus pais e filhos, seus irmãos e irmãs viverão e serão perdoados, e vocês se unirão a mim no novo mundo que construiremos juntos.”
Houve silêncio nos jardins e no castelo. Voldemort estava tão perto que Harry não se atreveu a abrir os olhos.
— Venha — ordenou Voldemort. Harry ouviu-o avançar e Hagrid foi forçado a segui-lo. Harry abriu minimamente os olhos e viu Voldemort caminhando à frente, levando em torno dos ombros sua grande cobra, agora, livre da gaiola encantada. Harry, porém, não tinha possibilidade de sacar a varinha guardada dentro das vestes sem ser visto pelos Comensais da Morte que o ladeavam, marchando na escuridão que gradualmente se dissipava...
— Harry — soluçava Hagrid. — Ah, Harry... Harry...
O garoto tornou a fechar os olhos com força. Sabia que estavam se aproximando do castelo, e apurou os ouvidos para distinguir, acima das vozes alegres dos Comensais da Morte e dos seus passos pesados, sinais de vida em seu interior.
— Parem.
Os Comensais pararam: Harry os ouviu debandar, para formar uma linha em frente às portas abertas da escola. Via, mesmo através das pálpebras fechadas, a claridade avermelhada indicando que a luz que o iluminava saía do saguão de entrada. Ele aguardou. A qualquer momento, as pessoas por quem ele tentara morrer o veriam, deitado aparentemente morto, nos braços de Hagrid.
— NÃO!
O grito foi ainda mais terrível porque jamais esperara ou sonhara que a professora McGonagall pudesse emitir tal som. Ouviu uma risada de mulher ali perto, e percebeu que Belatriz exultava com o desespero de McGonagall. Ele tornou a espreitar por um segundo, e viu a entrada começar a se encher de gente, à medida que os sobreviventes da batalha saíam aos degraus, para encarar os seus vencedores, e constatar, com os próprios olhos, a realidade da morte de Harry. Viu Voldemort parado um pouco à frente dele, acariciando a cabeça de Nagini com um dedo branco. Ele fechou os olhos outra vez.
— Não!
— Não!
— Harry! HARRY!
As vozes de Rony, Hermione e Gina foram piores que as de McGonagall; tudo que Harry queria era gritar em resposta, manteve-se, porém, deitado e calado, e os gritos dos amigos tiveram o efeito de um gatilho, a multidão de sobreviventes se uniu a eles, gritando e berrando insultos para os Comensais da Morte até...
— SILÊNCIO! — exclamou Voldemort. Em seguida, um estampido, um forte clarão, e o silêncio se impôs a todos. — Acabou! Ponha-o no chão, Hagrid, aos meus pés, que é o lugar dele!
Harry sentiu que Hagrid o pousava na grama.
— Estão vendo? — disse Voldemort, e Harry sentiu-o andando de um lado para outro, paralelamente ao lugar em que ele jazia. -Harry Potter está morto! Entenderam agora, seus iludidos? Ele não era nada, jamais foi, era apenas um garoto, confiante de que os outros se sacrificariam por ele!
— Ele o derrotou! — berrou Rony, e o feitiço se rompeu, e os defensores de Hogwarts voltaram a gritar e a insultar até que um segundo estampido mais forte tornou a extinguir mais uma vez suas vozes.