— Você fez isso? — perguntou Hermione, olhando para Rony ainda com os braços em seu pescoço.
— Sempre o tom de surpresa — disse o garoto se desvencilhando, rabugento. — Somos os últimos a chegar?
— Não — disse Gina —, ainda estamos esperando Gui e Fleur e Olho-Tonto e Mundungo. Vou avisar mamãe e papai de que você está bem, Rony...
Ela correu para dentro de casa.
— Então, qual foi a razão do atraso? Que aconteceu? — Lupin perguntou a Tonks quase zangado.
— Belatriz — respondeu ela. — Me quer tanto quanto quer o Harry, Remo, fez tudo para me matar. Eu gostaria de tê-la acertado, fiquei devendo. Mas, definitivamente, ferimos Rodolfo... então chegamos à casa da tia de Rony, Muriel, onde perdemos a nossa Chave de Portal, e ela ficou nos paparicando...
Um músculo tremia no queixo de Lupin. Ele assentiu, mas parecia incapaz de dizer qualquer outra coisa.
— E que aconteceu com vocês? — perguntou Tonks, virando-se para Harry, Hermione e Kingsley.
Eles contaram o que acontecera em suas jornadas, mas todo o tempo a ausência continuada de Gui, Fleur, Olho-Tonto e Mundungo parecia recobri-los como gelo, a frialdade a cada momento mais difícil de ignorar.
— Vou ter que voltar à residência do primeiro-ministro. Já deveria ter chegado lá há uma hora — disse Kingsley por fim, após esquadrinhar o céu uma última vez. — Avisem quando eles chegarem.
Lupin assentiu. Com um aceno para os demais, Kingsley se afastou no escuro em direção ao portão. Harry pensou ter ouvido um levíssimo estalido quando Kingsley desaparatou pouco além do perímetro d’A Toca.
O sr. e a sra. Weasley desceram correndo os degraus dos fundos, seguidos por Gina, e abraçaram Rony antes de falarem com Lupin e Tonks.
— Obrigada — disse a sra. Weasley —, pelos nossos filhos.
— Não seja boba, Molly — protestou Tonks na mesma hora.
— Como está Jorge? — perguntou Lupin.
— Que aconteceu com ele? — esganiçou-se Rony.
— Perdeu...
O final da frase da sra. Weasley, porém, foi abafado por uma gritaria geraclass="underline" um testrálio acabara de surgir no céu e aterrissar a pouca distância do grupo. Gui e Fleur desceram do animal, descabelados pelo vento, mas ilesos.
— Gui! Graças a Deus, graças a Deus...
A sra. Weasley se adiantou para o casal, mas o abraço que Gui lhe concedeu foi superficial. Olhando diretamente para o pai, comunicou:
— Olho-Tonto morreu.
Ninguém falou, ninguém se mexeu. Harry sentiu que alguma coisa dentro dele estava caindo, atravessando a terra, deixando-o para sempre.
— Vimos acontecer — continuou Gui; Fleur confirmou com a cabeça, lágrimas brilhantes escorrendo por suas faces à claridade da janela da cozinha. — Foi logo depois que rompemos o cerco: Olho-Tonto e Dunga estavam perto de nós, rumando também para o norte. Voldemort, que é capaz de voar, partiu direto para cima deles. Dunga entrou em pânico, ouvi-o gritar, Olho-Tonto tentou fazê-lo parar, mas ele desaparatou. A maldição de Voldemort atingiu Olho-Tonto em cheio no rosto, ele caiu da vassoura e... nada pudemos fazer, nada, havia meia dúzia deles nos perseguindo... A voz de Gui quebrou.
— Claro que você não poderia ter feito nada — disse Lupin. Todos pararam, se entreolhando. Harry não conseguia absorver.
Olho-Tonto morto; não podia ser... Olho-Tonto, tão resistente, tão corajoso, um perfeito sobrevivente...
Por fim, as pessoas começaram a compreender, embora ninguém falasse, que não havia mais razão para continuar aguardando no quintal e, em silêncio, eles acompanharam o sr. e a sra. Weasley de volta à casa e à sala de visitas, onde Fred e Jorge riam juntos.
— Que aconteceu? — perguntou Fred, vendo os rostos das pessoas à medida que entravam. — Que aconteceu? Quem...?
— Olho-Tonto — disse o sr. Weasley. — Morto.
As risadas dos gêmeos se transformaram em caretas de sobressalto. Ninguém parecia saber o que fazer. Tonks chorava silenciosamente, levando o lenço ao rosto: Harry sabia que ela fora muito chegada a Olho-Tonto, sua aluna favorita e protegida no Ministério da Magia. Hagrid, que se sentara no chão, a um canto mais espaçoso, enxugava os olhos com um lenço do tamanho de uma toalha de mesa.
Gui foi ao aparador e apanhou uma garrafa de uísque de fogo e alguns copos.
— Peguem — disse ele e, com um aceno da varinha, lançou no ar doze copos cheios, um para cada pessoa, mantendo o décimo terceiro no ar. — A Olho-Tonto.
— A Olho-Tonto — disseram todos, e beberam.
— A Olho-Tonto — secundou Hagrid, atrasado com um soluço.
O uísque de fogo queimou a garganta de Harry: deu a impressão de instilar sentimento, dissipar a insensibilidade e a sensação de irrealidade, despertar nele algo semelhante à coragem.
— Então Mundungo desapareceu? — disse Lupin, que bebera todo o uísque de um gole.
Houve uma mudança instantânea na atmosfera. Todos pareceram se tensionar e observar Lupin, dando a Harry a impressão de que desejavam que ele continuasse a falar e, ao mesmo tempo, receavam o que poderiam ouvir.
— Sei o que está pensando — disse Gui —, e me ocorreu o mesmo pensamento quando estava voltando para cá, porque eles pareciam estar nos esperando, não é? Mas Mundungo não poderia ter nos traído. Eles não sabiam que haveria sete Harrys, isto os confundiu no instante em que aparecemos, e, caso tenham esquecido, foi Mundungo que sugeriu esse pequeno ardil. Por que omitiria esse ponto essencial para os Comensais? Acho que Dunga entrou em pânico, foi só. Primeiro não queria ir, mas Olho-Tonto o obrigou, e Você-Sabe-Quem investiu direto contra os dois: isto é suficiente para fazer qualquer um entrar em pânico.
— Você-Sabe-Quem agiu exatamente como Olho-Tonto previu — disse Tonks, fungando. — Olho-Tonto disse que ele calcularia que o verdadeiro Harry estaria com os aurores mais fortes e capazes. Perseguiu, primeiro, Olho-Tonto, e, quando Mundungo os denunciou, virou-se para Kingsley...
— É, tude stá muite bem — retrucou Fleur —, mes inde nam exxplique come sabiem qu’ iamos trransferrir Arry hoje à noite. Alguém foi descuidade. Alguém deixou scapar o date prra um strranhe. É a unique explicaçon prra eles conhecerrem a data mas nam o plane tode.
Ela olhou séria para todos, os filetes de lágrimas ainda visíveis em seu belo rosto, desafiando silenciosamente que alguém a contradissesse. Ninguém o fez. O único som a romper o silêncio foi a tosse de Hagrid, abafada por seu lenço. Harry olhou para o gigante, que acabara de arriscar a vida para salvá-lo — Hagrid a quem ele amava, em quem confiava, que no passado tinha caído em uma esparrela e dado a Voldemort uma informação crítica em troca de um ovo de dragão...
— Não — disse Harry em voz alta, e todos olharam para ele surpresos: o uísque de fogo aparentemente amplificara sua voz. — Quero dizer... se alguém errou — continuou Harry — e deixou escapar alguma coisa, sei que não errou por mal. Não é culpa dele — repetiu outra vez, um pouco mais alto do que teria normalmente falado. — Temos que confiar uns nos outros. Eu confio em todos vocês, acho que nenhum dos presentes nesta sala me venderia a Voldemort.
Às suas palavras, seguiu-se mais silêncio. Todos olhavam para ele; Harry sentiu-se um pouco mais acalorado e bebeu um pouco mais de uísque de fogo para se ocupar. Ao beber, pensou em Olho-Tonto. O auror sempre ironizara a disposição de Dumbledore para confiar nas pessoas.
— Muito bem falado, Harry — disse Fred, inesperadamente.
— É, apoiado, apoiado — emendou Jorge, com um meio relance para Fred, cujo canto da boca tremeu. Lupin tinha uma estranha expressão no rosto quando olhou para Harry: beirava a piedade.
— Você acha que sou tolo? — perguntou-lhe Harry.
— Não, acho que você é igual ao Tiago — respondeu Lupin —, que teria considerado a maior desonra desconfiar dos amigos.