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Harry sabia a que Lupin estava se referindo: que seu pai fora traído pelo amigo Pedro Pettigrew. Sentiu-se irracionalmente irritado. Queria discutir, mas Lupin lhe deu as costas, descansou o copo em uma mesinha lateral e se dirigiu a Gui.

— Temos trabalho a fazer. Posso perguntar a Kingsley se...

— Não — Gui o interrompeu. — Eu farei, eu irei.

— Aonde estão indo? — perguntaram Tonks e Fleur ao mesmo tempo.

— O corpo de Olho-Tonto — explicou Lupin. — Precisamos resgatá-lo.

— Não podem... — começou a sra. Weasley, lançando um olhar suplicante a Gui.

— Esperar? — perguntou Gui. — Não, a não ser que a senhora prefira que os Comensais da Morte o levem.

Todos se calaram. Lupin e Gui se despediram e saíram.

Os que tinham ficado agora se sentaram, todos exceto Harry, que continuou de pé. A repentinidade e completude da morte dominava a atmosfera da sala como uma presença.

— Eu tenho que ir também — anunciou Harry. Dez pares de olhos assustados o olharam.

— Não seja tolo, Harry — disse a sra. Weasley. — Que está dizendo?

— Não posso ficar aqui.

Ele esfregou a testa: voltara a formigar; não doía assim havia mais de um ano.

— Todos vocês correm perigo enquanto eu estiver aqui. Não quero...

— Mas não seja tolo! — protestou a sra. Weasley. — A razão do que fizemos hoje à noite foi trazê-lo para cá em segurança e, graças aos céus, conseguimos. Fleur concordou em casar aqui, em vez de na França, já providenciamos tudo para que possamos ficar juntos e cuidar de você...

Ela não compreendia; estava fazendo Harry se sentir pior e não melhor.

— Se Voldemort descobrir que estou aqui...

— Mas por que descobriria? — perguntou a sra. Weasley.

— Há outros doze lugares onde você poderia estar agora, Harry -lembrou o sr. Weasley. — Ele não tem como saber para qual das casas protegidas você foi.

— Não é comigo que estou preocupado! — contrapôs o garoto.

— Nós sabemos — replicou o sr. Weasley em voz calma. — Mas, se você for embora, teremos a sensação de que os nossos esforços desta noite foram inúteis.

— Você não vai a lugar nenhum — rosnou Hagrid. — Caramba, Harry, depois de tudo que passamos para trazer você para cá?

— É, e a minha orelha sangrenta? — acrescentou Jorge, erguendo-se nas almofadas.

— Sei que...

— Olho-Tonto não iria querer isso...

— EU SEI! — berrou Harry.

Ele se sentiu pressionado e chantageado: será que pensavam que ignorava o que tinham feito por ele, não compreendiam que essa era exatamente a razão por que queria partir, antes que sofressem mais por sua causa? Houve um longo silêncio de constrangimento, em que sua cicatriz continuou a formigar e a latejar, e que foi, por fim, rompido pela sra. Weasley.

— Onde está Edwiges, Harry? — perguntou ela, querendo agradá-lo. — Podemos colocá-la com Pichitinho e lhe dar alguma coisa para comer.

As entranhas dele se contraíram como um punho. Não podia contar a verdade. Bebeu o resto do uísque de fogo para evitar responder.

— Espere até espalharem que você conseguiu novamente, Harry — disse Hagrid. — Escapou dele, o repeliu quando estava em cima de você!

— Não fui eu — negou Harry categoricamente. — Foi a minha varinha. Minha varinha agiu sozinha.

Passados alguns momentos, Hermione argumentou gentilmente:

— Mas isso é impossível, Harry. Você quer dizer que usou a magia sem querer; reagiu instintivamente.

— Não — respondeu Harry. — A moto estava caindo, eu não saberia dizer onde estava Voldemort, mas a minha varinha rodou a minha mão, localizou-o e disparou um feitiço, e não foi um feitiço que eu conhecesse. Nunca fiz aparecer labaredas douradas antes.

— Muitas vezes — disse o sr. Weasley —, quando o bruxo está em uma situação crítica, é possível ele produzir feitiços com que nunca sonhou. Isso acontece muitas vezes com as crianças, antes de terem estudado...

— Não foi assim — retrucou Harry com os dentes cerrados. Sua cicatriz estava queimando: ele sentia raiva e frustração; odiava a idéia de que o imaginassem dotado de um poder equiparável ao de Voldemort.

Todos se calaram. Harry sabia que não estavam acreditando nele. Agora, porém, lhe ocorria que nunca ouvira falar de uma varinha que fizesse gestos de magia por conta própria.

Sua cicatriz queimava barbaramente: só havia uma coisa que podia fazer para não gemer alto. Murmurando que ia tomar ar fresco, pousou o copo na mesa e saiu da sala.

Ao atravessar o quintal escuro, o grande testrálio ossudo ergueu a cabeça, moveu as enormes asas de morcego, depois continuou a pastar. Harry parou diante do portão que abria para o jardim e se pôs a contemplar as plantas excessivamente crescidas, esfregando a testa latejante e pensando em Dumbledore.

Dumbledore teria acreditado, disso ele tinha certeza. Dumbledore teria sabido como e por que sua varinha agira sem que a comandasse, porque Dumbledore sempre tinha as respostas; conhecia tudo sobre varinhas, explicara a Harry a estranha ligação que existia entre a sua varinha e a de Voldemort... mas Dumbledore, tal como Olho-Tonto, como Sirius, como seus pais, como sua pobre coruja, todos tinham partido para um lugar em que Harry não poderia mais falar com eles. Sentiu, então, uma ardência na garganta que não tinha qualquer relação com o uísque de fogo.

E, sem saber como, a dor em sua cicatriz atingiu o auge. Ao apertar a testa e fechar os olhos, uma voz gritou em sua cabeça.

— Você me disse que o problema se resolveria usando a varinha de outro bruxo!

E em sua mente irrompeu a visão de um velho emaciado, coberto de trapos sobre um piso de pedra, gritando, um grito longo e terrível, um grito de insuportável agonia...

— Não! Não! Eu lhe suplico, eu lhe suplico...

— Você mentiu para Lord Voldemort, Olivaras!

— Não menti... Juro que não...

— Você quis ajudar Potter, ajudá-lo a escapar de mim!

— Juro que não... Acreditei que uma varinha diferente funcionaria...

— Explique então o que aconteceu. A varinha de Lúcio foi destruída!

— Não consigo entender... a ligação... existe apenas... entre as duas varinhas...

— Mentiras!

— Por favor... eu lhe suplico...

E Harry viu a mão branca erguer a varinha e sentiu a raiva maligna de Voldemort, viu o frágil velho no chão se contorcer de agonia...

— Harry?

A visão terminou tão depressa quanto surgira: Harry ficou tremendo no escuro, agarrado ao portão do jardim, o coração disparado, a cicatriz coçando. Decorreram vários segundos até ele perceber que Rony e Hermione estavam ao seu lado.

— Harry, volte para dentro de casa — sussurrou Hermione. — Você não está pensando em ir embora mesmo, está?

— É, você tem que ficar, cara — disse Rony, batendo em suas costas.

— Você está passando bem? — perguntou Hermione, agora suficientemente perto para ver o rosto de Harry. — Está com uma cara horrível!

— Bem — respondeu Harry, trêmulo —, provavelmente estou com uma cara melhor do que Olivaras...

Quando ele terminou de contar o que vira, Rony demonstrava espanto, mas Hermione estava aterrorizada.

— Isso devia ter acabado! A sua cicatriz... não devia mais fazer isso! Você não pode deixar essa ligação reabrir: Dumbledore queria que você fechasse a mente!

Ao ver que o amigo não respondia, ela o agarrou pelo braço.

— Harry, ele está dominando o Ministério, os jornais e metade do mundo bruxo! Não deixe que ele se infiltre também em sua mente!

6

O vampiro de pijama

O choque de perder Olho-Tonto pairou sobre a casa nos dias que se seguiram; Harry continuou na expectativa de vê-lo entrar mancando pela porta dos fundos, como os demais membros da Ordem que iam e vinham para transmitir notícias. Ele sentiu que nada, a não ser a ação, aliviaria seus sentimentos de culpa e pesar, e que deveria partir em missão para encontrar e destruir as Horcruxes, assim que possível.