— E então, Yaxley? — interpelou-o Voldemort, a luz das chamas se refletindo estranhamente em seus olhos vermelhos. — O Ministério terá caído até sábado?
Mais uma vez, todas as cabeças se viraram. Yaxley empertigou-se.
— Milorde, a esse respeito tenho boas notícias. Consegui, com dificuldade e após muito esforço, lançar uma Maldição Imperius em Pio Thicknesse.
Muitos dos que estavam próximos de Yaxley pareceram impressionados; seu vizinho, Dolohov, um homem de cara triste e torta, deu-lhe um tapinha nas costas.
— É um começo — disse Voldemort —, mas Thicknesse é apenas um homem, Scrimgeour precisa estar cercado por gente nossa para eu agir. Um atentado malsucedido à vida do ministro me causará um enorme atraso.
— É verdade, Milorde, mas o senhor sabe que, na função de chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, Thicknesse tem contato freqüente não só com o próprio ministro como também com os chefes dos outros departamentos do Ministério. Acho que será fácil dominar os demais, agora que temos um funcionário graduado sob controle, e então todos podem trabalhar juntos para derrubar Scrimgeour.
— Isso se o nosso amigo Thicknesse não for descoberto antes de ter convertido o resto — afirmou Voldemort. — De qualquer forma, é pouco provável que o Ministério seja meu antes de sábado. Se não pudermos pôr a mão no garoto no lugar de destino, então teremos que fazer isso durante a transferência.
— Nesse particular, estamos em posição vantajosa, Milorde -disse Yaxley, que parecia decidido a receber alguma aprovação. — Já plantamos várias pessoas no Departamento de Transportes Mágicos. Se Potter aparatar ou usar a Rede de Flu, saberemos imediatamente.
— Ele não fará nenhum dos dois — disse Snape. — A Ordem está evitando qualquer forma de transporte controlada ou regulada pelo Ministério, desconfiam de tudo que esteja ligado àquele lugar.
— Tanto melhor — disse Voldemort. — Ele terá que se deslocar em campo aberto. Será muitíssimo mais fácil apanhá-lo.
Mais uma vez Voldemort ergueu o olhar para o corpo que girava vagarosamente, então prosseguiu:
— Cuidarei do garoto pessoalmente. Cometeram-se erros demais com relação a Harry Potter. Alguns foram meus. Que Potter ainda viva deve-se mais aos meus erros do que aos seus êxitos.
As pessoas em volta da mesa fitaram Voldemort apreensivas, cada qual deixando transparecer o medo de ser responsabilizada por Harry Potter ainda estar vivo. Voldemort, no entanto, parecia estar falando mais consigo mesmo do que com os demais, ainda atento ao corpo inconsciente no alto.
— Por ter sido descuidado, fui frustrado pela sorte e a ocasião, essas destruidoras dos planos, a não ser os mais bem traçados. Mas aprendi. Agora compreendo coisas que antes não compreendia. Eu é que devo matar Harry Potter, e assim farei.
Nisso, e em aparente resposta às suas palavras, ouviu-se um lamento repentino, um grito terrível e prolongado de infelicidade e dor. Muitos ao redor da mesa olharam para baixo, assustados, pois o som parecia vir do chão.
— Rabicho? — chamou Voldemort, sem alterar o seu tom de voz, baixo e reflexivo, e sem tirar os olhos do corpo que girava no alto. -Já não lhe disse para manter essa escória calada?
— Disse, M-Milorde — falou um homenzinho sentado na segunda metade da mesa, tão encolhido que, à primeira vista, sua cadeira parecia estar desocupada. E, levantando-se de um salto, saiu correndo da sala, deixando em seu rastro apenas um estranho brilho prateado.
— Como eu ia dizendo — continuou Voldemort, olhando mais uma vez para os rostos tensos dos seus seguidores —, agora compreendo melhor. Precisarei, por exemplo, pedir emprestada a varinha de um de vocês antes de sair para matar Potter.
Os rostos à sua volta expressaram apenas incredulidade; como se ele tivesse anunciado que queria um braço deles emprestado.
— Nenhum voluntário? — perguntou Voldemort. — Vejamos... Lúcio, não vejo razão para você continuar a ter uma varinha.
Lúcio Malfoy ergueu a cabeça. Sua pele parecia amarela e cerosa à luz das chamas, e tinha os olhos encovados e sombrios. Quando falou, sua voz saiu rouca.
— Milorde?
— Sua varinha, Lúcio. Preciso de sua varinha. -Eu...
Malfoy olhou de esguelha para sua mulher. Narcisa tinha o olhar fixo à frente, tão pálida quanto o marido, os longos cabelos louros descendo pelas costas, mas, sob a mesa, seus dedos finos apertaram brevemente o pulso dele. Ao seu toque, Malfoy enfiou a mão nas vestes e tirou uma varinha que passou a Voldemort, que a ergueu diante dos olhos vermelhos e examinou-a detidamente.
— De que é?
— Olmo, Milorde — sussurrou Malfoy.
— E o núcleo?
— Dragão... fibra do coração.
— Ótimo — aprovou Voldemort. E, sacando a própria varinha, comparou os comprimentos.
Lúcio Malfoy fez um movimento involuntário; por uma fração de segundo, pareceu que esperava receber a varinha de Voldemort em troca da sua. O gesto não passou despercebido ao Lorde, cujos olhos se arregalaram maliciosamente.
— Dar-lhe a minha varinha, Lúcio? Minha varinha? Alguns dos presentes riram.
— Dei-lhe a liberdade, Lúcio, não é suficiente? Mas tenho notado que você e sua família ultimamente parecem menos felizes... alguma coisa na minha presença em sua casa os incomoda, Lúcio?
— Nada... nada, Milorde.
— Quanta mentira, Lúcio...
A voz suave parecia silvar, mesmo quando a boca cruel parava de mexer. Um ou dois bruxos mal conseguiram refrear um tremor quando o silvo foi se intensificando; ouviu-se uma coisa pesada deslizar pelo chão embaixo da mesa.
A enorme cobra apareceu e subiu vagarosamente pela cadeira de Voldemort. Foi emergindo, como se fosse interminável, e parou sobre os ombros do mestre: o pescoço do réptil tinha a grossura de uma coxa masculina; seus olhos com as pupilas verticais não piscavam. Voldemort acariciou-a, distraído, com seus dedos longos e finos, ainda encarando Lúcio Malfoy.
— Por que os Malfoy parecem tão infelizes com a própria sorte? Será que o meu retorno, minha ascensão ao poder, não é exatamente o que disseram desejar durante tantos anos?
— Sem dúvida, Milorde — respondeu Lúcio Malfoy. Sua mão tremeu quando secou o suor sobre o lábio superior. — É o que desejávamos... desejamos.
A esquerda de Malfoy, sua mulher fez um aceno rígido e estranho com a cabeça, evitando olhar para Voldemort e a cobra. À direita, seu filho Draco, que estivera mirando o corpo inerte no teto, lançou um brevíssimo olhar a Voldemort, aterrorizado de encarar o bruxo.
— Milorde — disse uma mulher morena na outra metade da mesa, sua voz embargada pela emoção —, é uma honra tê-lo aqui, na casa de nossa família. Não pode haver prazer maior.
Estava sentada ao lado da irmã, tão diferente desta na aparência, com seus cabelos negros e olhos de pálpebras pesadas, quanto o era no porte e na atitude; enquanto Narcisa sentava-se dura e impassível, Belatriz se curvava para Voldemort, porque meras palavras não podiam demonstrar o seu desejo de maior proximidade.
— Não pode haver prazer maior — repetiu Voldemort, a cabeça ligeiramente inclinada para o lado, estudando Belatriz. — Isso significa muito, Belatriz, vindo de você.
O rosto da mulher enrubesceu, seus olhos lacrimejaram de prazer.
— Milorde sabe que apenas digo a verdade!
— Não pode haver prazer maior... mesmo comparado ao feliz evento que, segundo soube, houve em sua família esta semana?
Belatriz fitou-o, os lábios entreabertos, nitidamente confusa.
— Eu não sei a que está se referindo, Milorde.
— Estou falando de sua sobrinha. E de vocês também, Lúcio e Narcisa. Ela acabou de casar com o lobisomem Remo Lupin. A família deve estar muito orgulhosa.