— Se soubéssemos onde encontrar alguma Horcrux, eu concordaria com você — respondeu Harry, sem acreditar que Hermione entendesse, de fato, o seu desejo de retornar a Godric’s Hollow. O túmulo dos seus pais era apenas uma parte do atrativo: ele tinha uma forte sensação, embora inexplicável, que o vilarejo lhe forneceria algumas respostas. Talvez fosse simplesmente porque ali ele sobrevivera à Maldição da Morte lançada por Voldemort; agora que enfrentava o desafio de repetir o feito, sentia-se atraído ao lugar onde tudo acontecera, buscando compreendê-lo.
— Você não acha possível que Voldemort esteja mantendo Godric’s Hollow sob vigilância? — arriscou Hermione. — Talvez espere que você volte para visitar o túmulo dos seus pais, uma vez que está livre para ir aonde quiser.
A idéia não ocorrera a Harry. E, enquanto se concentrava para contra-argumentar, Rony se manifestou, obviamente seguindo um fluxo independente de pensamentos.
— Esse tal R.A.B. — disse ele. — Sabe, aquele que roubou o verdadeiro medalhão?
Hermione fez que sim com a cabeça.
— Ele disse no bilhete que ia destruir o medalhão, não foi? Harry puxou sua mochila para perto e tirou de dentro a falsa Horcrux contendo o bilhete de R.A.B.
— “Roubei a Horcrux verdadeira e pretendo destruí-la assim que puder” — leu Harry em voz alta.
— Então, e se ele de fato a destruiu? — perguntou Rony.
— Ou ela — interrompeu-o Hermione.
— O que seja, seria uma a menos para se procurar! — concluiu Rony.
— Mas ainda iríamos tentar rastrear o medalhão verdadeiro, não? — quis saber Hermione. — Para descobrir se foi ou não destruído.
— E quando o encontrarmos, como é que se destrói uma Horcrux? — perguntou Rony.
— Bem — começou Hermione —, andei pesquisando.
— Como? — admirou-se Harry. — Achei que não havia livros sobre Horcruxes na biblioteca.
— Não havia — esclareceu Hermione corando. — Dumbledore retirou todos, mas... mas não os destruiu.
Rony se sentou na cama de olhos arregalados.
— Pelas calças de Merlim, como foi que você conseguiu pôr a mão nesses livros sobre Horcruxes?
— Eu... não foi roubando! — respondeu ela, olhando de Harry para Rony com um ar de desespero. — Eles continuaram a ser livros da biblioteca, mesmo que Dumbledore os tenha retirado das prateleiras. Enfim, se ele realmente não quisesse que ninguém os pegasse, tenho certeza de que teria dificultado muito mais...
— Não fique enrolando! — exclamou Rony.
— Bem, foi fácil — disse Hermione com uma vozinha humilde. -Lancei um Feitiço Convocatório. Sabem: Accio! E eles saíram voando pela janela do gabinete de Dumbledore para o dormitório das garotas.
— Mas quando foi que você fez isso? — perguntou Harry, olhando para a amiga ao mesmo tempo assombrado e incrédulo.
— Logo depois do... funeral — respondeu ela com uma vozinha ainda mais humilde. — Logo depois de combinarmos que iríamos deixar a escola para procurar as Horcruxes. Quando voltei para apanhar minhas coisas, me... simplesmente me ocorreu que, quanto mais soubéssemos sobre o assunto, melhor seria... e eu estava sozinha lá em cima... então tentei... e funcionou. Eles entraram voando direto pela janela aberta e eu... eu os guardei no malão.
A garota engoliu em seco e, então, justificou suplicante:
— Não acredito que Dumbledore se zangasse, não vamos usar a informação para fazer uma Horcrux, não é?
— Você está nos ouvindo reclamar? — perguntou Rony. — Afinal, onde estão esses livros?
Hermione procurou um pouco e tirou da pilha um grande livro, encadernado em couro preto já desbotado. Fez uma cara de nojo e estendeu-o cautelosamente como se fosse uma coisa recém-morta.
— Esse é o que dá instruções explícitas para se preparar uma Horcrux: Segredos das artes mais tenebrosas. É um livro horrível, realmente assustador, cheio de feitiços malignos. Fico pensando quando foi que Dumbledore o retirou da biblioteca... se foi só quando se tornou diretor. Aposto como Voldemort copiou dele todas as instruções de que precisava.
— Por que então precisou perguntar a Slughorn como preparar uma Horcrux, se já tinha lido o livro? — perguntou Rony.
— Ele só procurou o professor para saber o que acontecia quando a pessoa subdividia a alma em sete pedaços — disse Harry. -Dumbledore tinha certeza de que Riddle já sabia fazer uma Horcrux na época em que foi à sala de Slughorn. Acho que você tem razão, Hermione, é muito provável que tenha sido daí que ele tirou as informações.
— E quanto mais eu leio — continuou Hermione —, mais terrível a idéia me parece, e menos acredito que ele tenha realmente feito seis. O livro alerta para a instabilidade que a pessoa causa ao restante da alma dividindo-a, e isso para se fazer apenas uma Horcrux!
Harry lembrou-se de Dumbledore ter dito que Voldemort ultrapassara a “esfera da maldade normal”.
— E não tem jeito de reintegrar todas as partes? — perguntou Rony.
— Tem — respondeu Hermione com um sorriso inexpressivo —, mas causaria uma dor lancinante.
— Por quê? Como se faz? — quis saber Harry.
— Remorso — esclareceu Hermione. — A pessoa precisa estar, de fato, arrependida do que fez. Tem um pé de página. Pelo que diz, a dor do processo pode destruí-la. Não sei por quê, não consigo ver Voldemort fazendo isso, e vocês?
— Não — respondeu Rony antes que Harry o fizesse. — E o livro diz como destruir Horcruxes?
— Diz — confirmou Hermione, agora virando as frágeis páginas como se examinasse entranhas em decomposição —, porque avisa aos bruxos das trevas que os feitiços com que se protegerem têm que ser excepcionalmente fortes. De tudo que li, o que Harry fez com o diário de Riddle foi uma das poucas maneiras infalíveis de destruir uma Horcrux.
— O quê, furar com uma presa de basilisco? — perguntou Harry.
— Ah, bom, que sorte a gente ter um estoque tão grande de presas de basilisco — comentou Rony. — Eu estava mesmo me perguntando o que íamos fazer com elas.
— Não precisa ser uma presa de basilisco — explicou Hermione, pacientemente. — Tem que ser alguma coisa tão destrutiva que a Horcrux não possa se auto-restaurar. O veneno de basilisco só tem um antídoto, e é incrivelmente raro...
— ... lágrimas de fênix — disse Harry.
— Exatamente — confirmou Hermione. — O problema é que há pouquíssimas substâncias tão destrutivas quanto o veneno de basilisco, e são todas muito perigosas para se carregar por aí. Mas é um problema que precisaremos resolver, porque romper, quebrar ou moer uma Horcrux não adianta. É preciso deixá-la sem possibilidade de se restaurar por magia.
— Mas, se a gente destrói o objeto em que está guardada — perguntou Rony —, por que o fragmento de alma não pode se mudar para outro lugar?
— Porque uma Horcrux é o absoluto oposto de um ser humano. Ao perceber que Harry e Rony pareciam confusos, Hermione se apressou a explicar:
— Vejam, se eu apanhasse uma espada neste minuto e transpassasse você, eu não danificaria sua alma.
— O que, com certeza, seria realmente um consolo para mim -disse Rony.
Harry riu.
— Devia ser mesmo! Mas o que quero demonstrar é que, seja o que for que aconteça ao seu corpo, sua alma continuará ilesa. Mas com uma Horcrux é o contrário. O fragmento de alma depende do objeto que o contém, do seu corpo encantado, para sobreviver. Do contrário, não sobreviverá.
— Aquele diário deu a impressão de morrer quando eu o perfurei — disse Harry, lembrando-se da tinta que jorrou como sangue de suas páginas e os gritos do fragmento de alma de Voldemort ao desaparecer.
— E, uma vez que o diário foi completamente destruído, o fragmento nele contido não pôde sobreviver. Gina tentou se livrar do diário antes de você, jogando-o no vaso e dando descarga, mas, obviamente, ele voltou novo em folha.