— Hagrid, obrigado!
— Não é nada — disse Hagrid, com um aceno da mão enorme como a tampa de uma lata de lixo. — E lá está o Carlinhos! Sempre gostei dele... ei! Carlinhos!
O rapaz se aproximou, passando a mão, pesaroso, pelo novo corte de cabelos brutalmente curto. Ele era mais baixo do que Rony, mais atarracado, e tinha inúmeras queimaduras e arranhões nos braços musculosos.
— Oi, Hagrid, como vai a vida?
— Faz tempo que ando pensando em escrever pra você. Como vai o Norberto?
— Norberto? — Riu-se Carlinhos. — O dragão norueguês de dorso cristado? Agora ele se chama Norberta.
— Quê... Norberto é uma fêmea?
— Sim, senhor.
— Como é possível saber? — perguntou Hermione.
— São muito mais agressivos — respondeu Carlinhos. Ele deu uma olhada por cima do ombro e baixou a voz. — Gostaria que papai chegasse logo. Mamãe está ficando impaciente.
Todos olharam para a sra. Weasley. Ela estava tentando conversar com Madame Delacour, mas lançava olhares constantes para o portão.
— Acho que é melhor começarmos sem o Arthur — anunciou para os convidados no jardim, depois de alguns momentos. — Ele deve ter sido retido... ah!
Todos viram ao mesmo tempo: um rastro de luz cortou o jardim e parou sobre a mesa, onde se transformou em uma doninha prateada que se ergueu nas patas traseiras e falou com a voz do sr. Weasley:
— O ministro da Magia está vindo comigo.
O Patrono se dissolveu no ar, deixando a família de Fleur assombrada, olhando para o lugar em que o bicho desaparecera.
— Nós não devíamos estar aqui — disse Lupin na mesma hora. -Harry... lamento... explicarei outra hora...
E, agarrando Tonks pelo pulso, levou-a embora; ao chegarem à cerca, os dois a transpuseram e desapareceram. A sra. Weasley demonstrava espanto.
— O ministro... mas por quê... Não estou entendendo...
Não houve, porém, tempo para discutirem o assunto; um segundo depois, o sr. Weasley apareceu ao portão acompanhado por Rufo Scrimgeour, instantaneamente reconhecível pela juba grisalha.
Os recém-chegados atravessaram o quintal e, com passos firmes, se dirigiram ao jardim e à mesa iluminada pelas lanternas, onde todos aguardavam em silêncio, observando sua aproximação. Quando Scrimgeour entrou no perímetro iluminado pelas lanternas, Harry constatou que o ministro parecia muito mais velho do que da última vez que tinham se visto, magro e carrancudo.
— Desculpem a intrusão — disse Scrimgeour, ao parar diante da mesa. — Principalmente porque posso ver que estou penetrando em uma festa para a qual não fui convidado.
O seu olhar se demorou por um momento no gigantesco pomo de ouro.
— Muitos anos de vida.
— Obrigado — disse Harry.
— Preciso dar uma palavrinha com você em particular — continuou Scrimgeour. — E também com o sr. Ronald Weasley e a srta. Hermione Granger.
— Nós?! — exclamou Rony em tom surpreso. — Por que nós?
— Explicarei quando estivermos em lugar mais reservado. Há na casa um lugar assim? — perguntou ao sr. Weasley.
— Naturalmente — disse o sr. Weasley, parecendo nervoso. — A... a sala de visitas, pode usá-la.
— Mostre-me onde é — disse Scrimgeour a Rony. — Não haverá necessidade de nos acompanhar, Arthur.
Harry viu o sr. Weasley trocar um olhar preocupado com a mulher, quando ele, Rony e Hermione se levantaram. Enquanto se dirigiam à casa em silêncio, Harry sabia que os outros dois estavam pensando o mesmo que ele: Scrimgeour devia, de algum modo, ter descoberto que estavam planejando abandonar Hogwarts.
O ministro não falou quando passaram pela cozinha desarrumada e entraram na sala de visitas d’A Toca. Embora o jardim estivesse iluminado por uma luz noturna suave e dourada, já estava escuro ali dentro: Harry apontou a varinha para os lampiões, ao entrar, e fez-se luz na sala gasta mas aconchegante. Scrimgeour sentou-se na poltrona de molas frouxas que o sr. Weasley normalmente ocupava, deixando que Harry, Rony e Hermione se apertassem lado a lado no sofá. Uma vez acomodados, o ministro falou:
— Tenho algumas perguntas a fazer aos três, mas acho que será melhor fazê-las separadamente. Se vocês dois — ele apontou para Harry e Hermione — puderem esperar lá em cima, começarei pelo Ronald.
— Não vamos a lugar algum — disse Harry, secundado por um vigoroso aceno de cabeça de Hermione. — O senhor pode falar com todos juntos ou não falar com nenhum.
Scrimgeour lançou a Harry um frio olhar de avaliação. O garoto teve a impressão de que o ministro estava refletindo se valeria a pena iniciar as hostilidades tão cedo.
— Muito bem, então, juntos — disse ele, sacudindo os ombros. E pigarreou. — Estou aqui, como bem sabem, por causa do testamento de Alvo Dumbledore.
Harry, Rony e Hermione se entreolharam.
— Pelo visto é surpresa! Vocês não sabiam que Dumbledore tinha lhes deixado alguma coisa?
— A... aos três? — perguntou Rony. — A mim e Hermione também?
— A todos...
Harry, no entanto, interrompeu-o.
— Já faz mais de um mês que Dumbledore faleceu. Por que demoraram tanto para nos entregar o que ele nos deixou?
— Não é óbvio?! — exclamou Hermione, antes que Scrimgeour pudesse responder. — Queriam examinar seja lá o que ele tenha nos deixado. O senhor não tinha o direito de fazer isso! — Sua voz tremia levemente.
— Tinha todo o direito — disse Scrimgeour sumariamente. — O Decreto sobre Confisco Justificável dá ao ministro o poder de confiscar os bens de um testamento...
— A lei foi criada para impedir os bruxos das trevas de legarem seus objetos — retorquiu Hermione —, e o Ministério precisa ter fortes provas de que os bens do falecido são ilegais antes de apreendê-los! O senhor está nos dizendo que julgou que Dumbledore estivesse tentando nos passar objetos malditos?
— Srta. Granger, está pretendendo fazer carreira em Direito da Magia?
— Não, não estou — retrucou Hermione. — Tenho esperança de fazer algum bem no mundo!
Rony riu. Os olhos de Scrimgeour piscaram em sua direção e tornaram a se desviar quando Harry falou.
— Então, por que resolveu nos entregar o que nos pertence agora? Não conseguiu pensar em um pretexto para manter os objetos em seu poder?
— Não, deve ser porque os trinta e um dias venceram — respondeu Hermione imediatamente. — O Ministério não pode reter objetos por prazo superior, a não ser que sejam comprovadamente perigosos. Certo?
— Você diria que era íntimo de Dumbledore, Ronald? — perguntou Scrimgeour, ignorando Hermione. Rony pareceu surpreso.
— Eu? Não... muito... era sempre Harry quem...
Rony olhou para os amigos e viu Hermione lhe dando aquele olhar “cale-já-a-boca!”, mas o estrago já fora feito: Scrimgeour fez cara de quem acabara de ouvir exatamente o que tinha esperado e queria ouvir. Avançou na deixa de Rony como uma ave de rapina.
— Se você não era muito íntimo de Dumbledore, como explica que tenha se lembrado de você no testamento? Ele deixou excepcionalmente pouco a indivíduos. A maior parte dos seus bens... sua biblioteca particular, seus instrumentos mágicos e outros pertences... foram legados a Hogwarts. Por que acha que mereceu destaque?
— Eu... não sei — respondeu Rony. — Quando digo que não éramos íntimos... Quero dizer, acho que ele gostava de mim...
— Você está sendo modesto, Rony — interveio Hermione. -Dumbledore gostava muito de você.
Isto era exagerar a verdade quase ao ponto de ruptura; pelo que Harry sabia, Rony e Dumbledore nunca tinham estado a sós, e o contato direto entre diretor e aluno fora mínimo. Contudo, Scrimgeour não parecia estar escutando. Meteu a mão sob a capa e puxou uma bolsa de cordões muito maior do que a que Hagrid dera a Harry. Da bolsa, tirou um rolo de pergaminho, que abriu e leu em voz alta.