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Gargalhadas debochadas explodiram à mesa. Muitos se curvaram para trocar olhares divertidos; alguns socaram a mesa com os punhos. A cobra, incomodada com o barulho, escancarou a boca e silvou irritada, mas os Comensais da Morte nem a ouviram, tão exultantes estavam com a humilhação de Belatriz e dos Malfoy. O rosto da mulher, há pouco rosado de felicidade, tingiu-se de feias manchas vermelhas.

— Ela não é nossa sobrinha, Milorde — disse em meio às gargalhadas. — Nós, Narcisa e eu, nunca mais pusemos os olhos em nossa irmã depois que ela casou com aquele sangue-ruim. A fedelha não tem a menor ligação conosco, nem qualquer fera com quem se case.

— E você, Draco, que diz? — perguntou Voldemort, e, embora falasse baixo, sua voz ressoou claramente em meio aos assobios e caçoadas. — Vai bancar a babá dos filhotes?

A hilaridade aumentou; Draco Malfoy olhou aterrorizado para o pai, que contemplava o próprio colo, e seu olhar cruzou com o de sua mãe. Ela balançou a cabeça quase imperceptivelmente, depois retomou seu olhar fixo na parede oposta.

— Já chega — disse Voldemort, acariciando a cobra raivosa. — Basta. E as risadas pararam imediatamente.

— Muitas das nossas árvores genealógicas mais tradicionais, com o tempo, se tornaram bichadas — disse, enquanto Belatriz o mirava, ofegante e súplice. — Vocês precisam podar as suas, para mantê-las saudáveis, não? Cortem fora as partes que ameaçam a saúde do resto.

— Com certeza, Milorde — sussurrou Belatriz, mais uma vez com os olhos marejados de gratidão. — Na primeira oportunidade!

— Você a terá — respondeu Voldemort. — E, tal como fazem na família, façam no mundo também... vamos extirpar o câncer que nos infecta até restarem apenas os que têm o sangue verdadeiramente puro.

Voldemort ergueu a varinha de Lúcio Malfoy, apontou-a diretamente para a figura que girava lentamente, suspensa sobre a mesa, e fez um gesto quase imperceptível. O vulto recuperou os movimentos com um gemido e começou a lutar contra invisíveis grilhões.

— Você está reconhecendo a nossa convidada, Severo? — indagou Voldemort.

De baixo para cima, Snape ergueu os olhos para o rosto pendurado. Todos os Comensais agora olhavam para a prisioneira, como se tivessem recebido permissão para manifestar sua curiosidade. Quando girou para o lado da lareira, a mulher disse, com a voz entrecortada de terror:

— Severo, me ajude!

— Ah, sim — respondeu Snape enquanto o rosto da prisioneira continuava a virar para o outro lado.

— E você, Draco? — perguntou Voldemort, acariciando o focinho da cobra com a mão livre. Draco sacudiu a cabeça com um movimento brusco. Agora que a mulher acordara, ele parecia incapaz de continuar encarando-a.

— Mas você não teria se matriculado no curso dela — disse Voldemort. — Para os que não sabem, estamos reunidos aqui esta noite para nos despedir de Caridade Burbage que, até recentemente, lecionava na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts!

Ouviram-se breves sons de assentimento ao redor da mesa. Uma mulher corpulenta e curvada, de dentes pontiagudos, soltou uma gargalhada.

— Sim... a profª Burbage ensinava às crianças bruxas tudo a respeito dos trouxas... e como se assemelham a nós...

Um dos Comensais da Morte cuspiu no chão. Em seu giro, Caridade Burbage tornou a encarar Snape.

— Severo... por favor... por favor...

— Silêncio — ordenou Voldemort, com outro breve movimento da varinha de Lúcio, e Caridade silenciou como se tivesse sido amordaçada. — Não contente em corromper e poluir as mentes das crianças bruxas, na semana passada, a profª Burbage escreveu uma apaixonada defesa dos sangues-ruins no Profeta Diário. Os bruxos, disse ela, devem aceitar esses ladrões do seu saber e magia. A diluição dos puros-sangues é, segundo Burbage, uma circunstância extremamente desejável... Ela defende que todos casemos com trouxas... ou, sem dúvida, com lobisomens...

Desta vez ninguém riu: não havia como deixar de perceber a raiva e o desprezo na voz de Voldemort. Pela terceira vez, Caridade Burbage encarou Snape. Lágrimas escorriam dos seus olhos para os cabelos. Snape retribuiu seu olhar, totalmente impassível, enquanto ela ia girando o rosto para longe dele.

— Avada Kedavra.

O lampejo de luz verde iluminou todos os cantos da sala. Caridade caiu estrondosamente sobre a mesa, que tremeu e estalou. Vários Comensais pularam para trás ainda sentados. Draco caiu da cadeira para o chão.

— Jantar, Nagini — disse Voldemort com suavidade, e a grande cobra deslizou sinuosamente dos ombros dele para a lustrosa mesa de madeira.

2

In memoriam

Harry sangrava. Segurando a mão direita com a esquerda, e xingando baixinho, ele empurrou a porta do quarto com o ombro. Ouviu um barulho de porcelana quebrando; pisara em uma xícara de chá frio que alguém deixara do lado de fora, à porta do quarto. — Que m...?

Ele olhou para os lados; o corredor da rua dos Alfeneiros n° 4 estava deserto. A xícara de chá era, possivelmente, a idéia de armadilha inteligente imaginada por Duda. Harry manteve a mão ensangüentada no alto, juntou os cacos da xícara com a outra mão e atirou-os na cesta abarrotada de lixo que entreviu pela porta de seu quarto. Depois caminhou pesadamente até o banheiro para pôr o dedo sob a água da torneira.

Era uma idiotice sem sentido e incrivelmente irritante que ainda lhe faltassem quatro dias para poder realizar feitiços... mas tinha de admitir que esse feio corte no dedo o derrotaria. Nunca aprendera a curar ferimentos e, agora que lhe ocorria pensar nisso — particularmente à luz dos seus planos imediatos —, parecia-lhe uma séria lacuna em sua educação bruxa. Anotando mentalmente para perguntar a Hermione como se fazia, ele usou um grande chumaço de papel higiênico para secar o melhor que pôde o chá derramado, antes de voltar para o quarto e bater a porta.

Harry gastara a manhã inteira esvaziando seu malão de viagem pela primeira vez desde que o arrumara havia seis anos. Nos primeiros anos de escola, ele simplesmente limpara uns três quartos do seu conteúdo e os repusera ou atualizara, deixando no fundo uma camada de lixo — penas usadas, olhos secos de besouro, meias sem par que não lhe serviam mais. Minutos antes, Harry metera a mão nesse entulho, sentira uma dor lancinante no quarto dedo da mão direita e, ao puxá-la, viu que estava coberta de sangue.

Continuou, então, um pouco mais cauteloso. Tornando a se ajoelhar ao lado do malão, apalpou o fundo, retirou um velho broche que piscava fracamente, ora Apóie CEDRICO DIGGORY ora POTTER FEDE, um bisbilhoscópio rachado e gasto e um medalhão de ouro contendo um bilhete assinado por R.A.B., e finalmente descobriu o gume afiado que o ferira. Reconheceu-o sem hesitação. Era um caco de uns cinco centímetros do espelho encantado que Sirius, seu falecido padrinho, tinha lhe dado. Harry separou-o e apalpou o malão à procura do resto, mas nada mais restara do último presente do padrinho exceto o vidro moído, agora grudado, na última camada de destroços, como purpurina.

Harry sentou e examinou o caco pontiagudo em que se cortara, mas não viu nada além do reflexo do seu brilhante olho verde. Colocou, então, o fragmento sobre o Profeta Diário daquela manhã, que continuava intocado em sua cama, e tentou estancar o repentino fluxo de amargas lembranças, as pontadas de remorso e saudade que a descoberta do espelho partido tinha ocasionado, ao atacar o resto do lixo dentro do malão.

Levou mais uma hora para esvaziá-lo completamente, jogar fora os objetos inúteis e separar os demais em pilhas, de acordo com as suas futuras necessidades. Suas vestes de escola e de quadribol, caldeirão, pergaminho, penas e a maior parte dos livros de estudo foram empilhados a um canto para serem deixados em casa. Ficou imaginando o que os tios fariam com aquilo; provavelmente queimariam tudo na calada da noite, como se fossem provas de um crime hediondo. Suas roupas de trouxa, Capa da Invisibilidade, estojo para preparo de poções, certos livros, o álbum de fotos que Hagrid um dia lhe dera, um maço de cartas e sua varinha foram rearrumados em uma velha mochila. No bolso frontal, guardou o mapa do maroto e o medalhão com o bilhete assinado por R.A.B. O medalhão recebera esse lugar de honra não porque fosse valioso -sob qualquer ângulo normal, era imprestável —, mas pelo que lhe custara obtê-lo.