Com um assomo de prazer, Harry reconheceu seu pai; com cabelos rebeldes no alto da cabeça como os dele, também usava óculos como ele. Ao lado, estava Sirius displicentemente bonito, seu rosto, ligeiramente arrogante, muito mais jovem e feliz do que Harry jamais o vira em vida. A direita de Sirius, estava Pettigrew, mais de uma cabeça mais baixo, gorducho, os olhos aguados, radiante de prazer por ser incluído em uma turma tão legal, com os rebeldes muito admirados que tinham sido Tiago e Sirius. A esquerda de Tiago estava Lupin, mesmo então malvestido, mas com o mesmo ar de prazerosa surpresa por se ver apreciado e incluído... ou seria simplesmente porque Harry sabia o que acontecera, que ele via tudo isso na foto? Tentou destacá-la da parede; afinal, agora lhe pertencia — Sirius lhe deixara tudo —, mas a foto não soltou. Seu padrinho não correra riscos para impedir que os pais redecorassem o seu quarto.
Harry olhou para o chão. O céu lá fora estava clareando: um raio de luz revelou pedacinhos de papel, livros e pequenos objetos espalhados pelo tapete. Era evidente que o quarto de Sirius também fora revistado, embora desse a impressão de que seu conteúdo fora considerado quase todo, se não todo, imprestável. Alguns dos livros tinham sido sacudidos o suficiente para soltarem as capas, e o chão estava juncado de páginas soltas.
Harry se abaixou, apanhou uns pedaços de papel e examinou-os. Reconheceu um deles como parte de uma velha edição de História da magia, de Batilda Bagshot, e outro como uma página de um manual de manutenção de motos. O terceiro estava escrito a mão e amassado: alisou-o.
Caro Almofadinhas,
Muito, muito obrigada pelo presente de aniversário que mandou para Harry! Foi o que ele mais gostou até agora. Um aninho de idade e já dispara pela casa montado em uma vassoura de brinquedo, tão vaidoso que estou enviando uma foto para você ver. Sabe, a vassoura só levanta uns sessenta centímetros do chão, mas ele quase matou o gato e quebrou um vaso horrível que Petúnia me mandou no Natal (nada contra). E claro que Tiago achou muito engraçado, diz que ele vai ser um grande jogador de quadribol, mas tivemos que guardar todos os enfeites da casa e dar um jeito de ficar sempre de olho nele quando brinca.
Tivemos um chá de aniversário muito tranqüilo, só nós e a velha Batilda que sempre nos tratou com carinho e vive mimando o Harry. Ficamos com pena que você não tenha podido vir, mas a Ordem vem em primeiro lugar e Harry não tem idade para saber que está fazendo anos! Tiago está se sentindo um pouco frustrado trancado em casa, ele procura não demonstrar, mas eu percebo — além disso, Dumbledore ficou com a Capa da Invisibilidade dele, então não há possibilidade de pequenos passeios. Se você pudesse lhe fazer uma visita, isso o animaria muito. Rabicho esteve aqui no fim de semana passado, achei-o meio deprimido, mas provavelmente foram as notícias sobre os McKinnon; chorei a noite inteira quando soube.
Batilda passa por aqui quase todo dia, é uma velhota fascinante que conta as histórias mais surpreendentes sobre Dumbledore, não tenho muita certeza se ele gostaria disso caso soubesse! Fico em dúvida se devo realmente acreditar, porque me parece inacreditável que Dumbledore.
As extremidades de Harry pareceram ter adormecido. Ele ficou muito quieto, segurando o milagroso papel em seus dedos desenervados enquanto, por dentro, uma espécie de erupção silenciosa fazia a felicidade e a dor irromperem em igual medida em suas veias. Atirando-se na cama, ele se sentou.
Releu a carta, mas não conseguiu assimilar mais significados do que da primeira vez, e foi reduzido a contemplar a caligrafia em si. Sua mãe fazia os gês iguais aos dele; ele os procurou um a um na carta, e cada um lhe pareceu uma marola amiga vislumbrada por trás de um véu. A carta era um incrível tesouro, prova de que Lílian Potter vivera, realmente vivera, que sua mão quente um dia percorrera aquele pergaminho, traçando aquelas letras, aquelas palavras, palavras a respeito dele, Harry, seu filho.
Afastando as lágrimas dos olhos, impaciente, ele releu a carta, desta vez concentrando-se mais no conteúdo. Era como ouvir uma voz parcialmente lembrada.
Eles tinham um gato... talvez ele tivesse morrido, como seus pais, em Godric’s Hollow... ou talvez tivesse fugido quando não houve mais quem o alimentasse... Sirius comprara para ele a primeira vassoura... seus pais conheceram Batilda Bagshot; Dumbledore teria apresentado os três? Dumbledore ficou com a Capa da Invisibilidade dele... havia alguma coisa estranha ali...
Harry parou, refletindo sobre as palavras da mãe. Por que Dumbledore guardara a Capa da Invisibilidade de Tiago? Harry se lembrava nitidamente do diretor lhe dizendo, anos atrás: “Não preciso de uma capa para ficar invisível.” Talvez algum membro da Ordem menos talentoso tivesse precisado desse auxílio e Dumbledore servira de intermediário? Harry prosseguiu...
Rabicho esteve aqui... Pettigrew, o traidor, parecera “deprimido”, é? Teria consciência de que estava vendo Tiago e Lílian vivos pela última vez?
E, por fim, retornamos a Batilda, que contava histórias inacreditáveis sobre Dumbledore: parece inacreditável que Dumbledore...
Que Dumbledore o quê? Havia, porém, uma quantidade de coisas que pareciam incríveis sobre Dumbledore; que um dia ele tivesse recebido as notas mais baixas em uma prova de Transfiguração, por exemplo, ou que tivesse enfeitiçado bodes como fazia Aberforth...
Harry levantou-se e esquadrinhou o chão: talvez o restante da carta estivesse por ali. Ele agarrou papéis, tratando-os, em sua ansiedade, com tão pouca consideração quanto a pessoa que os encontrara primeiro; abriu gavetas, sacudiu livros, subiu em uma cadeira para passar a mão em cima do guarda-roupa e entrou embaixo da cama e da poltrona.
Por fim, de cara no chão, localizou o que lhe pareceu um pedaço de papel rasgado embaixo da cômoda. Quando o resgatou, era a maior parte da foto que Lílian descrevera na carta. Um bebê de cabelos escuros voando para dentro e para fora do papel, montado em uma minúscula vassoura, às gargalhadas, e um par de pernas que deviam pertencer a Tiago correndo atrás dele. Harry guardou a foto e a carta da mãe no bolso, e continuou a procurar a segunda folha.
Passados mais uns quinze minutos, no entanto, foi forçado a concluir que o resto da carta já não existia. Teria simplesmente se perdido nos dezesseis anos transcorridos desde que fora escrita, ou fora levada pela pessoa que revistara o quarto? Harry tornou a ler a primeira folha, desta vez procurando pistas para o que poderia ter tornado a segunda folha valiosa. A vassoura de brinquedo não teria interesse algum para os Comensais... a única coisa potencialmente útil que via ali era a possível informação sobre Dumbledore. Parece inacreditável que Dumbledore... o quê?
— Harry! Harry! Harry!
— Estou aqui! — gritou ele. — Que aconteceu?
Ele ouviu uma zoada de passos do lado de fora, e Hermione irrompeu pelo quarto.