“E um dia, um ano depois que se alistou, meu senhor Régulo veio à cozinha ver Monstro. Meu senhor Régulo sempre gostou de Monstro. E meu senhor Régulo disse... disse...”
O velho elfo balançou-se mais rápido que nunca.
— ... disse que o Lorde das Trevas precisava de um elfo.
— Voldemort precisava de um elfo? — repetiu Harry, olhando para Rony e Hermione, que pareceram tão intrigados quanto ele.
— Ah, foi — gemeu Monstro. — E meu senhor Régulo tinha oferecido Monstro. Era uma honra, disse meu senhor Régulo, uma honra para ele e para Monstro; que tinha de fazer tudo que o Lorde das Trevas mandasse... e depois v-voltar para casa.
Monstro balançou-se ainda mais rápido, expirando em soluços.
— Então Monstro foi procurar o Lorde das Trevas. O Lorde das Trevas não disse a Monstro o que iam fazer, mas levou Monstro com ele para uma caverna junto ao mar. E para além da caverna havia outra caverna, e na caverna havia um enorme lago preto...
Os pelinhos da nuca de Harry se eriçaram. A voz rouca de Monstro parecia chegar a ele vinda da outra margem daquela água escura. Ele viu o que acontecera tão claramente quanto se tivesse estado presente.
— ... havia um barco...
É claro que houvera um barco; Harry conhecia o barco, minúsculo e verde espectral, enfeitiçado para transportar um bruxo e uma vítima até a ilha no meio do lago. Então fora assim que Voldemort testara as defesas que cercavam a Horcrux; pedindo emprestada uma criatura dispensável, um elfo doméstico...
— Havia uma b-bacia cheia de poção na ilha. O Lorde das T-trevas fez Monstro beber...
O elfo tremeu da cabeça aos pés.
— Monstro bebeu, e enquanto bebia, viu coisas terríveis... As entranhas de Monstro queimaram... Monstro gritou para o senhor Régulo ir salvar ele, gritou por sua senhora Black, mas o Lorde das Trevas ria... ele fez Monstro beber a poção toda... ele pôs um medalhão na bacia vazia... tornou a encher a bacia com mais poção.
“Então o Lorde das Trevas foi embora e deixou Monstro na ilha...”
Harry via a cena se desenrolando. O rosto branco e serpentino de Voldemort desaparecendo na escuridão, aqueles olhos vermelhos cruelmente fixos no elfo que se debatia e cuja morte ocorreria dentro de minutos, quando ele sucumbisse à sede desesperada que a poção causticante causava na vítima... mas daí em diante a imaginação de Harry não pôde prosseguir, porque não conseguiu visualizar como Monstro escapara.
— Monstro precisava de água, arrastou-se até a orla da ilha e bebeu a água do lago preto... e mãos, mãos mortas saíram da água e arrastaram Monstro para baixo...
— Como foi que você escapou? — perguntou Harry, e não se surpreendeu ao perceber que estava sussurrando.
Monstro ergueu a cabeça feia e encarou Harry com seus grandes olhos vermelhos.
— Meu senhor Régulo disse a Monstro para voltar.
— Eu sei... mas como você fugiu dos Inferi? Monstro pareceu não entender.
— Meu senhor Régulo disse a Monstro para voltar — repetiu ele.
— Eu sei, mas...
— Ora é óbvio, não é, Harry? — interveio Rony. — Ele desaparatou!
— Mas... não se podia aparatar e desaparatar na caverna — disse Harry —, do contrário, Dumbledore...
— A magia dos elfos não é como a magia dos bruxos, é? — perguntou Rony. — Quero dizer, eles podem aparatar e desaparatar em Hogwarts e nós não.
Fez-se silêncio enquanto Harry digeria a informação. Como Voldemort poderia ter cometido um erro desse? Enquanto pensava, porém, Hermione falou, e sua voz estava gélida.
— É óbvio, Voldemort teria considerado os costumes dos elfos domésticos indignos de sua atenção, exatamente como os sangues-puros que os tratam como animais. Nunca teria lhe ocorrido que eles pudessem ser capazes de uma magia que ele não dominasse.
— A lei máxima para um elfo doméstico é a ordem do seu senhor — entoou Monstro. — Mandaram Monstro voltar para casa, então Monstro voltou para casa.
— Bem, então você fazia o que lhe mandavam, não é? — disse Hermione bondosamente. — Não desobedecia a ordem alguma!
Monstro fez que não com a cabeça, se balançando furiosamente.
— Então que aconteceu quando você voltou? — perguntou Harry.
— Que disse Régulo quando você contou o que tinha acontecido?
— Meu senhor Régulo ficou muito preocupado, muito preocupado — crocitou Monstro. — Meu senhor Régulo mandou Monstro ficar escondido e não sair de casa. E então... foi um pouco depois disso... meu senhor Régulo veio procurar Monstro no armário uma noite, e meu senhor Régulo estava esquisito, fora do normal, perturbado, Monstro percebeu... e ele pediu a Monstro para levá-lo até a caverna, a caverna onde Monstro tinha ido com o Lorde das Trevas...
E então tinham partido. Harry pôde visualizá-los muito claramente, o velho elfo amedrontado e o apanhador magro e moreno que tanto se parecera com Sirius... Monstro sabia como abrir a entrada oculta para a caverna subterrânea, sabia como erguer o barquinho; desta vez foi o seu amado Régulo quem o acompanhou à ilha com a bacia de veneno...
— E ele fez você beber a poção? — perguntou Harry enojado. Monstro, porém, sacudiu a cabeça e chorou. Hermione levou as mãos à boca: parecia ter compreendido alguma coisa.
— M-meu senhor Régulo tirou do bolso um medalhão igual ao que o Lorde das Trevas tinha — disse Monstro, as lágrimas escorrendo pelos lados do seu nariz trombudo. — E ele disse a Monstro para pegar e, quando a bacia estivesse vazia, trocar os medalhões...
Os soluços de Monstro agora saíam em grandes guinchos; Harry precisou se concentrar para entendê-lo.
— E ele deu ordem... para Monstro ir embora... sem ele. E ele disse a Monstro... para ir para casa... e nunca contar à minha senhora... o que ele tinha feito... mas para destruir... o primeiro medalhão. E ele bebeu... a poção toda... e Monstro trocou os medalhões... e ficou olhando... meu senhor Régulo... ele foi arrastado para baixo d’água... e...
— Ah, Monstro! — gemeu Hermione, que estava chorando. Ela caiu de joelhos ao lado do elfo e tentou abraçá-lo. Na mesma hora, ele ficou de pé, fugiu dela, deixando óbvia a sua repulsa.
— A sangue-ruim encostou em Monstro, ele não vai permitir, que iria dizer a senhora dele?
— Eu lhe disse para não chamá-la de “sangue-ruim”! — vociferou Harry, mas o elfo já estava se castigando: atirou-se ao chão e bateu com a cabeça repetidamente.
— Faça ele parar, faça ele parar! — exclamou Hermione. — Ah, está vendo agora como isso é doentio, a obrigação que eles têm de obedecer?
— Monstro: pára, pára! — gritou Harry.
O elfo ficou deitado no chão, ofegando e tremendo, uma secreção verde brilhando em torno do nariz, um hematoma já se formando na testa pálida no ponto em que a batera, seus olhos inchados e injetados transbordando lágrimas. Harry nunca vira nada tão digno de pena.
— Então você trouxe o medalhão para casa — disse ele inflexível, porque estava resolvido a conhecer a história completa. — E tentou destruí-lo?
— Nada que Monstro tentou fez mossa no medalhão — lamentou-se o elfo. — Monstro tentou tudo, tudo que sabia, mas nada, nada adiantou... de tão poderosos os feitiços que estavam nele. Monstro tinha certeza que, para destruir o medalhão, precisava chegar dentro dele, mas ele não abria... Monstro se castigou, tentou outra vez, se castigou, tentou outra vez. Monstro não conseguiu obedecer à ordem, Monstro não conseguiu destruir o medalhão! E sua senhora enlouqueceu de tristeza, porque meu senhor Régulo desapareceu, e Monstro não pôde contar a ela o que tinha acontecido, não, porque meu senhor Régulo tinha p-proibido Monstro de contar para a f-família o que tinha acontecido na c-caverna...