Выбрать главу

— O senhor enlouqueceu? Uma armação para ficar com esta casa? Será que o senhor é realmente tão retardado como está parecendo ser?

— Não se atreva!... — guinchou tia Petúnia, mas, novamente, Válter fez sinal para a mulher se calar: ofensas sobre sua personalidade não se comparavam ao perigo que identificara.

— Caso o senhor tenha esquecido — disse Harry —, eu já tenho uma casa, meu padrinho a deixou para mim. Então, por que eu iria querer esta? Pelas boas lembranças que guardo daqui?

Fez-se silêncio. Harry achou que impressionara o tio com esse argumento.

— Você quer me dizer que esse tal lorde...

— Voldemort — completou Harry impaciente —, e já repassamos isso cem vezes. E não é o que quero dizer, é um fato, Dumbledore lhe disse isso no ano passado, e Kingsley e o sr. Weasley...

Válter Dursley encolheu os ombros encolerizado, e Harry imaginou que o tio estivesse tentando exorcizar as lembranças da inesperada visita de dois bruxos adultos, logo no início de suas férias de verão. A chegada de Kingsley Shacklebolt e Arthur Weasley à porta da casa fora um choque extremamente desagradável para os Dursley. Contudo, Harry tinha de admitir que não era de se esperar que o reaparecimento do sr. Weasley, que no passado demolira metade da sala, deixasse seu tio feliz.

— Kingsley e o sr. Weasley explicaram tudo muito bem — salientou Harry sem piedade. — Quando eu completar dezessete anos, o feitiço de proteção que me resguarda se desfará, e isto me põe em risco e a vocês também. A Ordem tem certeza que Voldemort visará o senhor, seja para torturá-lo e descobrir aonde fui, seja por pensar que, se o fizer refém, eu tentarei vir salvá-lo.

O olhar do tio encontrou o de Harry. O garoto teve certeza de que naquele instante os dois estavam se perguntando a mesma coisa. Então, Válter recomeçou a andar e Harry continuou:

— O senhor precisa se esconder e a Ordem quer ajudar, ofereceu uma sólida proteção, a melhor que existe.

Tio Válter não respondeu, continuou a andar para cá e para lá. Lá fora, o sol batia diagonalmente sobre a cerca de alfeneiros. Na casa ao lado, o cortador de grama do vizinho parou mais uma vez.

— Pensei que houvesse um Ministério da Magia! — exclamou o tio bruscamente.

— Há — respondeu Harry, surpreso.

— Então, por que não podem nos proteger? Parece-me que, como vítimas inocentes, cujo único crime foi dar guarida a um homem marcado, deveríamos ter direito à proteção do governo!

Harry riu; não conseguiu se conter. Era tão típico do seu tio depositar as esperanças nas instituições, mesmo as de um mundo que ele desprezava e não confiava.

— O senhor ouviu o que o sr. Weasley e Kingsley disseram. Achamos que o inimigo está infiltrado no Ministério.

Tio Válter foi até a lareira e voltou, respirando com tanta força que ondulava o enorme bigode negro, seu rosto ainda púrpura de concentração.

— Muito bem — disse ele, parando mais uma vez diante do sobrinho. — Muito bem, vamos considerar a hipótese de que aceitemos essa proteção. Continuo sem entender por que não podemos recebê-la do tal Kingsley.

Harry conseguiu não erguer os olhos para o teto, mas a muito custo. A pergunta já tinha sido respondida meia dúzia de vezes.

— Como lhe expliquei — disse entre os dentes —, Kingsley está protegendo o trouxa, quero dizer, o seu primeiro-ministro.

— Exatamente: ele é o melhor! — exclamou o tio, apontando para a tela escura da televisão. Os Dursley tinham localizado Kingsley no telejornal, andando discretamente às costas do primeiro-ministro em visita a um hospital. Isto, e o fato de Kingsley ter aprendido a se vestir como um trouxa, sem esquecer da segurança que transmitia com sua voz lenta e grave, tinha levado os Dursley a aceitarem Kingsley de um jeito que certamente não se aplicara a nenhum outro bruxo, embora fosse verdade que eles nunca o tivessem visto de brinco.

— Ele está ocupado — disse Harry. — Mas Héstia Jones e Dédalo Diggle estão mais do que qualificados para esse serviço...

— Se ao menos tivéssemos visto os currículos deles... — começou tio Válter, mas Harry perdeu a paciência. Levantando-se, dirigiu-se ao tio, agora ele próprio apontando para a televisão.

— Esses acidentes não são acidentes, as colisões, explosões, descarrilamentos e o que mais tenha acontecido desde a última vez que o senhor viu o telejornal. As pessoas estão desaparecendo e morrendo, e é ele que está por trás de tudo: Voldemort. Já lhe disse isso muitas vezes, ele mata trouxas para se divertir. Até os nevoeiros: são causados por dementadores, e se o senhor não lembra quem são, pergunte ao seu filho!

As mãos de Duda ergueram-se bruscamente para cobrir a própria boca. Sentindo os olhos dos pais e de Harry postos nele, tornou a baixá-las lentamente e perguntou:

— Tem... mais daqueles?

— Mais? — Riu-se Harry. — Você quer dizer mais do que os dois que nos atacaram? Claro que tem, tem centenas, talvez milhares a essa altura, uma vez que se alimentam do medo e do desespero...

— Está bem, está bem — trovejou Válter Dursley. — Você me convenceu...

— Espero que sim, porque quando eu completar dezessete anos, todos eles, os Comensais da Morte, os dementadores e até os Inferi, que é como chamamos os mortos-vivos enfeitiçados por um bruxo das trevas, poderão encontrar vocês e certamente atacá-los. E se lembrarem da última vez que tentaram ser mais rápidos do que os bruxos, acho que irão concordar que precisam de ajuda.

Houve um breve silêncio em que o eco distante de Hagrid derrubando uma porta de madeira deu a impressão de reverberar pelos anos transcorridos desde então. Tia Petúnia olhava para tio Válter; Duda encarava Harry. Por fim, o tio perguntou abruptamente:

— E o meu trabalho? E a escola de Duda? Suponho que essas coisas não tenham importância para um bando de bruxos vagabundos...

— Será que o senhor não compreende? — gritou Harry. — Eles torturarão e matarão vocês como fizeram com os meus pais!

— Pai — disse Duda em voz alta —, pai... eu vou com esse pessoal da Ordem.

— Duda — comentou Harry —, pela primeira vez na vida você está demonstrando bom senso.

Ele sabia que a batalha estava ganha. Se Duda estivesse suficientemente apavorado para aceitar a ajuda da Ordem, os pais o acompanhariam; separarem-se de Duda estava fora de questão. Harry olhou para o relógio de alça sobre o console da lareira.

— Eles estarão aqui dentro de uns cinco minutos — anunciou e, diante do total silêncio dos Dursley, saiu da sala. A perspectiva de se separar, provavelmente para sempre, dos tios e do primo era algo que ele conseguia imaginar com alegria, mas, ainda assim, havia um certo constrangimento no ar. Que se dizia a parentes ao fim de dezesseis anos de intensa e mútua aversão?

De volta ao próprio quarto, Harry mexeu a esmo na mochila, depois empurrou umas nozes pelas grades da gaiola de Edwiges. Elas produziram um som oco ao bater no fundo, onde a coruja as ignorou.

— Logo, logo estaremos indo embora daqui — disse-lhe Harry. -Então você vai poder voar novamente.

A campainha da porta tocou. Harry hesitou, em seguida tornou a sair do quarto e descer: era demais esperar que Héstia e Dédalo enfrentassem os Dursley sozinhos.

— Harry Potter! — esganiçou-se uma voz animada, no instante em que ele abriu a porta; um homenzinho de cartola lilás fez-lhe uma profunda reverência. — Uma honra como sempre!

— Obrigado, Dédalo — respondeu Harry, concedendo um sorriso breve e inibido a Héstia, a bruxa de cabelos escuros. — É realmente uma gentileza fazerem isso... eles estão aqui dentro, meus tios e meu primo...

— Bom dia aos parentes de Harry Potter! — exclamou Dédalo, feliz, entrando na sala de estar. Os Dursley não pareceram nada felizes com a saudação; Harry chegou a pensar que mudariam mais uma vez de idéia. Duda se encolheu junto à mãe ao ver os bruxos.