A província de Afyon fica no centro da parte ocidental da Turquia no sopé d.as Montanhas Sultan num planalto, remota e virtualmente isolada das principais cidades da nação.
-Este terreno é muito bom para o nosso trabalho - disse Mustafa. -Não é fácil encontrarem-nos.
As mulas movimentavam-se lentamente através das montanhas desoladas, e à meia-noite do terceiro dia chegaram à fronteira turco-síria. Ali foram recebidos por uma mulher vestida de negro. Conduzia um cavalo que transportava um inocente saco de farinha, e havia uma corda de cânhamo presa frouxamente ao aro da sela. A corda roçava atrás do cavalo, mas nunca tocava no chão. Era uma corda comprida, com sessenta metros de comprimento. Uma extremidade estava amarrada ao cavalo e a outra era suspensa por Mustafa e pelos quinze contrabandistas contratados que o seguiam. Caminharam agachados, cada um curvado junto ao chão, uma mão segurando a linha da corda e a outra agarrando um saco de juta com ópio. Cada saco pesava quinze quilos. Amulher e o cavalo atravessavam um extensão de terreno armadilhado corn minas contrapessoal, mashavia um caminho que fora aberto por um pequeno rebanho de carneiros que cruzara a área anteriormente. Se a corda caísse à terra, afolga era um sinal a Mustafa e aos outros de que havia gendarmes lá em cima. Se a mulher fosse levada para interrogatório, então os contrabandistas avançariam em segurança através da fronteira. Atravessaram em Kilis, o posto fronteiriço, que estava fortemente minado. Uma vez para lá da área controlada pelas patrulhas de gendarmes, os contrabandistas foram até à zona-tampão com cinco quilómetros de largura, até chegarem ao ponto de encontro, onde foram cumprimentadospelos contrabandistas sírios. Puseram os sacos de ópio no chão e foram presenteados com uma garrafa de raki, que os homens passaram entre si. Rizzoli observou o ópio ser pesado, feito em montes, amarrado e preso aos dorsos de uma dúzia de burros sírios todos sujos, 0 trabalho estava feito. «Muito bem», pensou Rizzoli. «Agora vamos ver como é que trabalham os rapazes da Tailândia. A próxima paragem de Rizzolifoi Banguecoque. Depois de as suas credenciais terem sido estabelecidas, foi autorizado a embarcar num navio de pesca tailandês que transportava drogas embrulhadas em folhas de polietileno embaladas dentro de tambores de parafina vazios, com argolas na tampa. Assim que os barcos se aproximavam de HongKongelesatiravamostamboresnumafilaordenada águarasa que circundava Lima e das Ilhas do Ladrone, onde era simples para um barco de pesca de Hong Kong apanhá-los com um arpão.
-Nada mau-disse Rizzoli. «Mas tem que haver uma maneira melhor.»
Os cultivadores referiam-se à heroína como <~H» e «cavalo», mas para Tony Rizzoli a heroína era ouro. Os lucros estavam a aumentar devagar. Os camponeses que cultivavam o ópio cru recebiam 350 dólares por quilo, mas quando 0 ópio era processado e vendido nas ruas de Nova Iorque, o seu valor tinha subido para 250.000 dólares.
<~É tão fácil», pensou Rizzoli. HO Carella tinha razão. A habilidade não é apanhar,»
Isso fora no início, dez anos antes. Mas agora era mais difícil. A Interpol, a polícia internacional, colocara recentemente o tráfico de droga no topo da lista, Todos os navios que saíam dos principais portos traficantes e parecessem mesmo minimamente suspeitos eram visitados e revistados, Foiporisso que Rizzoliprocurara Spyros Lambrou. A suafrota estavafora de suspeita. Eraimprovável que apolícia revistasse um dos seus navios cargueiros. Mas o cabrão recusara-o. «Hei-de arranjar outra maneira,Tony Rizzoli», pensou. «Mas tenho que arranjar rapidamente.»
- Catherine, estou a perturbá-la? Era meia-noite.
- Não, Costa, É agradável ouvir a sua voz. - Está tudo a correr bem?
- Sim, graças a si. Estou realmente a gostar do meu emprego. - Óptimo. Vou a Londres dentro de algumas semanas. Estou ansioso por vê-la. -«Cuidado. Não vás tão depressa. » -Quero informar-me sobre algum do pessoal da companhia.
- Muito bem.
- Então, boa noite. -Boa noite.
Desta vez foi ela que lhe telefonou.
-Costa, não sei o que dizer. 0 medalhão é lindíssimo. Não devia ter...
-É uma pequena lembrança, Catherine. A Evelyn disse-me que você a ajuda bastante. Apenas quis exprimir o meu agradecimento.
É tão fácil», pensou Demiris. Pequenas ofertas e lisonjeios. Mais tarde: Eu e a minha mulher vamos separar-nos. Depois a fase do «sinto-me tão sozinho».
Uma vaga conversa sobre casamento e um convite para a ilha dele no iate. A rotina nunca falhava, «Isto vai ser particularmente excitante», pensou Demiris, «porque vai ter um significado diferente. Ela vai morrer.» Telefonou a Napoleõo Chotas. 0 advogado ficou encantado por ouvi-lo.
-Já faz bastante tempo, Costa. Vai tudo bem? - Sim, obrigado. Preciso de um favor.
- Claro.
-ANoelle Page possuía umapequena uilla em Rafina. Quero comprá-la para mim, sob o nome de outra pessoa.
- Certamente. Vou mandar um dos meus advogados... - Quero que trate do caso pessoalmente.
Houve uma pausa.
-Muito bem. Tomarei conta do assunto. -Obrigado.
Napoleon Chotas deixou-se ficar sentado, a olhar para a telefone. Auilla foi o ninho de amor onde Noelle Page e Larry Douglas tinham consumado o seu romance. Para que o queria Constantin Demiris? 0 tribunal de Arsakion na baixa de Atenas é um edificio de pedra grande e cinzento que ocupa todo o quarteirão da Rua da Universidade e Strada. Das trinta salas de audiência do edifício apenas três estão reservadas aos julgamentos criminosos: salas 21, 30 e 33. Porcausadointeresseenormegeradopelojulgamentodoassassínio de Anastasia Savalas, estava a realizar-se na sala 33. A sala de audiências tinha noventa metros por quinze de largo, e os bancos esta vam dividos em três blocos, distantes doismetrosuns dos outros, com nove bancos de madeira em cada fila. Na frente da sala havia um estrado elevado atrás de uma divisória de mogno, com cadeiras de costas altas para os três juízes que iam presidir. Em frente do estrado estava o banco das testemunhas, uma pequena plataforma elevada sobre a qual estava fixada uma estante de leitura, e contra a parede do fundo estava a banca dos jurados, ocupada agora pelos seus dez membros. Diante da banca do réu estava a mesa dos advogados. 0 julgamento do assassínio era assaz espectacular em si próprio, mas o prato-forte era o facto de que a defesa ia ser conduzida por Napoleon Chotas, um dos proeminentes advogados criminais do mundo. Chotas só aceitava casos de assassínio, e tinha um recorde de sucessos espectacular. Corria o boato de que os seus honorários eram de milhões de dólares. Napoleon Chocas era um homem magro de aspecto macilento com os olhos grandes e tristes de um cão de caça num rosto ondulado. Vestia-se mal, e a sua aparência física em nada contribuía para inspirar confiança. Mas, por detrás dos seus modos vagamente atarantados, escondia-se uma mente brilhante e mordaz. A imprensa especulara furiosamente sobre a razão por que Napoleon Chotas aceitara defender a mulher que ia ser julgada. Ele nunca poderia ganhar a questão. Fizeram-se apostas em como seria a primeira derrota de Chotas. Peter Demonides, o advogado de acusação, já se confrontara com Chotas antes, e -embora nunca o admitisse, mesmo a si próprio - espantava-se com a arte de Chotas, Desta vez, contudo, Demonides sentia que tinha pouco com que se preocupar. Se alguma vez houve um processo de assassínio de solução prevista, era o julgamento de Anastasia Savalas. Os factos eram simples: Anastasia Savalas era umajovem e belamulher casada com um homem rico de nome George Savalas, que era trinta anos mais velho do que ela. Anastasia tinha tido um caso com o jovem motorista, Josef Pappas, e, segundo as testemunhas, o marido ameaçara divorciar-se de Anastasia e excluí-la do testamento. Na noite do assassínio, ela dispensara os criados e preparara o jantar para o marido. George Savalas estava constipado. Durante o jantar, teve um ataque de tosse, A mulher trouxera-lhe o frasco do xarope. Savalas tomara um gole e caíra morto. Um caso de abrir e fechar. A sala 33 encheu-se de público logo pela manhã. Anastasia Savalas estava sentada na mesa do réu, trajando saia e blusa simples de cor preta, sem jóias e muito pouca maquilhagem. Ela estava espantosamente bela. 0 advogado de acusação, Peter Demonides, dirigia-se ao júri. -Meus senhores e minhas senhoras. Por vezes, num caso de assassínio, umjulgamento dura até trës ou quatro meses, Mas não me parece que nenhum dos senhores tenha de preocupar-se em ficar aqui esse espaço de tempo. Quando tiverem conhecimento dos factos neste caso, tenho a certeza de que concordarão, sem dúvida, que só há um veredicto possível, assassínio do primeiro grau. 0 estado provará que a ré assassinou intencionalmente o marido, porque o mesmo ameaçara divorciar-se quando descobriu que ela tinha um caso com o motorista da família. Provaremos que a ré teve o motivo, a oportunidade e os meios para levar a cabo o seu plano a sangue frio. Obrigado. - Ele voltou ao seu lugar. 0 juiz-presidente voltou-se para Chotas.