-0 advogado de defesa estápreparado parafazera declaração de abertura?
Napoleon Chotas ergueu-se lentamente.
-Sim, Meritíssimo.-Moveu-se até à banca dos jurados com um andar incerto e arrastando os pés. Ficou ali a pestanejar para eles, e quando falou foi quase como se estivesse a falar consigo próprio.
-A minha vida já vai longa, e aprendi que não há homem ou mulher que possa ocultar um mau carácter. Revela-se sempre. Certo poeta disse um dia que os olhos são as janelas da alma. Acredito que sejaverdade. Desejo, senhoras e senhores, que olhem bem dentro dos olhos da ré. Nunca acharia ela dentro do seu coração motivo para matar alguém, Napoleon Chotas ficou ali um momento como se tentando pensar em algo mais para dizer, depois arrastou-se de volta para o seu lugar. Peter Demonides ficou tomado de uma sensação repentina de triunfo. «Meu Deus. Essa foi a abertura mais fraca que eu já ouvi na vida! 0 velho já perdeu.»
-0 advogado de acusação está preparado para chamar a primeira testemunha?
-Sim, Meritíssimo. Gostaria de chamar Rosa Lykourgos. Uma mulher de meia-idade e de porte pesado levantou-se do banco do público e caminhou com determinação até ao cimo da sala de audiências. Fez o juramento.
- Senhora Lykourgos, qual a sua profissão?
-Eu sou agovernanta...-Ficou com avoz embargada.-Eu era a governanta do senhor Savalas.
- Do senhor George Savalas ? -Sim, senhor.
- E importa-se de dizer-nos quanto tempo foi empregada do senhor Savalas ?
-Vinte e cinco anos.
- Mas isso é muito tempo. Gostava do seu patrão? -Ele era um santo,
- Era empregada do senhor Savalas no primeiro casamento? -Era sim, senhor. Eu estava na campa com ele quando a esposa foi enterrada.
- Seria legítimo dizer-se que tinham uma boa relação? -Eles estavam loucamente apaixonados um pelo outro.
Peter Demonides olhou por cima para Napoleon Chotas, à espera do seu protesto quanto à linha de interrogatório, Mas Chotas deixou-se ficar, aparentemente perdido em pensamentos. Peter Demonides prosseguiu.
-E trabalhava para o senhor Savalas durante o segundo casamento, com Anastasia Savalas
- Oh, sim, senhor. Claro que sim. - Ela dizia as palavras com veemência.
-A senhora diria que era um casamento feliz?-Olhou uma vez mais de relance para Napoleon Chotas, mas não houve reacção. - Feliz? Não, senhor. Brigavam que nem cão e gato. -Testemunhou alguma dessas brigas?
-Uma pessoa não podia evitar. Podia-se ouvi-los por toda a casa.,. e a casa é bem grande.
-Vejo que se tratavam de brigas verbais, e não físicas. Isto é, o senhor Savalas nunca bateu na mulher?
-Oh, claro que eram físicas. Mas era ao contrário, a senhora é que batia nele. 0 senhor Savalas estava a ficar velho, e o pobrezito já não se aguentava nas canetas.
- Viu mesmo a senhora Savalas bater no marido?
- Mais do que uma vez. - A testemunha olhou para Anastasia Savalas, e havia uma satisfação cruel na sua voz.
-Senhora Lykourgos, na noite em que o senhor Savalas morreu, que pessoal trabalhava na casa?
-Nenhum.
Peter Demonides deixou que a sua voz exprimisse surpresa. -Quer dizer que numa casa que a senhora diz ser tão grande não havia nenhum membro do pessoal na casa? 0 senhor Savalas não tinha cozinheira, ou uma criada... um mordomo...?
- Oh, sim, senhor. Tínhamos de tudo. Mas a senhora disse a todos que tirassem a noite de folga, Disse que queria ela própria fazer o jantar do marido. Ía ser uma segundá lua-de-mel. -A última observação foi dita com um resfôlego.
- Então a senhora Savalas livrou-se de toda a gente?
Desta vez, foi o juiz-presidente que olhou para Napoleon Chotas, à espera que ele protestasse. Mas o advogado manteve-se sentado, preocupado.
0 juiz-presidente virou-se para Demonides.
- 0 advogada de defesa deve deixar de conduzir a testemunha. -Peço desculpa, Meritíssimo. Eu reformulo a pergunta. Demonides aproximou-se mais da senhora Lykourgos.
- Está a dizer que numa noite em que os membros do pessoal deveriam estar ordinariamente todos em casa a senhora Savalas ordenou que toda a gente saísse para que ela pudesse ficar sozinha com o marido?
- Sim, senhor. E o pobrezinho estava com uma terrível constipação.
-A senhora Savalas cozinhava muitas vezes o jantar do marido?
A senhora Lykourgos desdenhou.
- Ela? Não, senhor. Ela não. Ela nunca levantou um dedo para fazer nada lá em casa.
E Napoleon Chotas mantinha-se sentado, ouvindo como se fosse um mero espectador.
-Obrigado, senhora Lykourgos. A senhorafoi uma grande ajuda. Peter Demonides virou-se para Chotas, tentanto ocultar a sua satisfação. 0 testemunho da senhora Lykourgos tivera um efeito perceptível sobre os jurados. Todos lançaram olhares desaprovadores para a ré. Vamos ver como é que o velho descalça esta bota.
-A testemunha é sua.
Napoleon Chotas ergueu um olhar de relance. -0 quê? Oh, não tenho perguntas.
0 juiz-presidente olhou para ele surpreso.
-Senhor Chotas... não deseja contra-interrogar a testemunha? Napoleon Chotas levantou-se.
-Não, Meritíssimo. Parece uma mulher perfeitamente honesta. - Voltou a sentar-se.
Peter Demonides não acreditava na sua sorte, «Meu Deus», pensou, «ele nem sequer oferece luta. 0 velho está mesmo acabado.» Demonides saboreava já a vitória.
0 juiz-presidente virou-se para o advogado de acusação. -Pode chamar a próxima testemunha.
- 0 estado gostaria de chamar Josef Pappas.
Um homem novo, alto, bonito e de cabelo escuro levantou-se do banco do público e caminhou até ao banco das testemunhas. Fez o juramento, Peter Demonides começou.
-Senhor Pappas, queira por favor dizer-nos qual é a sua profissão.
-Sou motorista. -Encontra-se empregado? - Não.
-Mas esteve empregado até há pouco. Isto é, esteve empregado até à morte de George Savalas?
-Verdade.
- Durante quanto tempo foi empregado da família Savalas? -Pouco mais de um ano.
-Era um trabalho agradável?
Josef Pappas olhava para Chotas, espera que ele viesse salvá-lo. Houve apenas silêncio.
-Era um emprego agradável, senhor Pappas? -Acho que era um trabalho razoável.
- Tinha um bom salário? -Tinha.
- Então não acha que o emprego era mais que razoável?
- Quero dizer, não havia uns extras que eram oferecidos? 0 senhor não dormia regularmente com a senhora Savalas? JosefPappas olhouparaNapoleon Chotas àprocura de ajuda. Mas não houve nenhuma.
-Eu... Sim, senhor. Acho que sim.
Peter Demonides era fulminante no seu escárnio.
-Acha que sim? Está sob juramento. Teve um caso com ela ou não teve. Em que ficamos?
Pappas contorcia-se no lugar. -Tivemos um caso.
-Apesar de trabalhar para o marido dela... de ser generosamente pago por ele e viver debaixo do seu tecto?
- Sim, senhor.