-Kalimehra, Peter-disse Demiris. - Obrigado por ter vindo. Trouxe aquilo?
-Trouxe, sim. -Entregou a Demiris o envelope selado que Napoleon Chotas lhe dera. -Pensei que pudesse querer guardar isto aqui.
- Foi muito atencioso da sua parte, Peter. Quer tomar o pequeno-almoço?
-Efharisto. É muita gentileza sua, senhor Demiris.
-Costa. Trate-me por Costa. Há algum tempo que o trago debaixo de olho, Peter. Acho que você tem um futuro importante. Gostava de lhe arranjar uma boa posição na minha organização. Estaria interessado?
Peter Demonides sorriu.
- Sim, Costa. Estaria muito interessado.
- Óptimo. Vamos falar sobre o assunto ao pequeno-almoço.
Londres
Catherine falavacom Constantin Demiris pelo menos umavezpor semana, o que se tornara um hábito. Ele continuava a enviar presentes, e quando ela protestava ele garantia-lhe que eram somente pequenas provas do seu agradecimento.
- A Evelyn contou-me da sua eficiência no tratamento do caso Baxter. - Ou; -Soube pela Evelyn que a sua ideia está a fazer-nos poupar muito dinheiro nos encargos de transporte.
Na realidade, Catherine orgulhava-se do seu sucesso. Deparara com meia dúzia de coisas no escritório que poderiam ser melhoradas. Recuperara as suas antigas capacidades, e sabia que a eficiência do escritório melhorara bastante graças a si.
-Estou muito orgulhosa de si-disse-lhe Constantin Demiris. E Catherine sentiu uma excitação. Ele era um homem tão maravilhoso e carinhoso.
«Está quase na hora de avançam, concluiu Demiris. Com Stavros e Chotas seguramente afastados, a única pessoa que podia ligá-lo ao que acontecera era Catherine. Esse perigo era mínimo, mas, como Napoleon Çhotas descobrira, Demiris não era um homem que corresse riscos. «E uma pena•>, pensou Demiris, «que ela tenha de morrer. É tão bela. Mas, primeiro, a uilla de Rafina.» Ele tinha comprado a uilla. Levaria Catherine para lá e faria amor com ela exactamente como Larry Douglas fizera amor com Noelle. Depois disso... De vez em quando, Catherine recordava-se do passado. Leu no Times de Londres a notícia dasmortes de Frederick Stavros e Napoleon Chotas, e os nomes não lhe teriam dito nada à excepção da referência de que tinham sido os advogados de Larry Douglas e Noelle Page. Nessa noite voltou a ter o sonho. Certa manhã, Catherine viu um artigo num jornal que a abalou: «William Fraser, assistente do presidente americano Harry Truman, chegou a Londres para preparar um acordo comercial com o primeiro-ministro britânico.» Baixou o jornal, sentindo-se idiotamente vulnerável. William Fraser. Ele fora uma parte tão importante da sua vida. «Que teria acontecido se eu não o tivesse deixado?» Catherine sentou-se à secretária, sorrindo tremulamente, com o olharfixo na notícia do jornal. William Fraserfoi um doshomensmais queridos que conhecera. Só lembrar-se dele fez que se sentisse ardente e amada. E ele estava aqui em Londres. «Tenho de vê-lo», pensou. Segundo o jornal, ele estava no Claridge's. Catherine marcou o número do hotel, e os seus dedos tremiam. Ela teve a sensação de que o passado estava prestes a tornar-se presente. Sentiu-se excitada com a ideia de ver Fraser. «Que dirá ele quando ouvir a minha voz? Quando me voltará ele a ver?» A telefonista disse: -Bom dia, Claridge's, Catherine respirou fundo. - 0 senhor William Fraser, por favor.
- Desculpe, minha senhora. Disse senhor ou senhora William Fraser?
Catherine parecia que lhe tinham batido. <•Como eu fui idiota. Porque é que eu não pensei nisso? Claro que nesta altura ele já podia ser casado.»
Minha senhora...
- Eu.., deixe estar. Obrigada. - Colocou o auscultador lentamente.
«Cheguei tarde de mais. Acabou-se. 0 Costa tinha razão. 0 passado deve pertencer ao passado.»
A solidão pode ser um corrosivo, que consome o espírito. Todas as pessoas precisam de partilhar a alegria, aglória e a dor. Catherine vivia num mundo cheio de estranhos, observando a felicidade de outros casais, ouvindo o eco do riso daqueles que se amam. Mas recusou sentir pena por si própria. «Não sou a única mulher do mundo que está sozinha. Estou viva! Estou viva!» Havia sempre que fazer em Londres. Os cinemas de Londres estavam cheios de filmes americanos, e Catherine gostava de ir ao cinema. Viu 0 Fio da Navalha e Ana e o Rei de Sio. Um Acordo de Caoalheiros era um filme perturbante, e Gary Cooper estavamaravilhoso em The Bachelor and the Bobby-Soxer. Catherine ia a concertos no Royal AlbertHall e assistia a bailados em Sadler's Well. Foi a Stratford-upon-Avon ver Anthony Quayle emAFeraAmansada, e Laurence Olivier emRicardo 111. Mas não tinha graça nenhuma ir sozinha. Foi então que apareceu Kirk Reynolds. Foi no escritório que um homem alto e atraente se dirigiu a Catherine e disse: -Chamo-me Kirk Reynolds. Por onde tem andado? -Perdão?
-Tenho estado à sua espera. Foi assim que começou.
Kirk Reynolds era um advogado americano, que trabalhava para Constantin Demiris em fusões internacionais. Estava na casa dos quarenta, era sincero, inteligente e atencioso.
Quando falou de Kirk Reynolds a Evelyn, Catherine disse: -Sabes o que mais me agrada nele? Faz-me que eu me sinta uma mulher. Há muito tempo que eu não sentia isso.
-Não sei-Evelyn objectou. -Eu se fosse a ti tomava cuidado. Não precipites as coisas,
-Não o farei-disse Catherine.
Kirk Reynolds levou Catherine a uma viagem legal através de Londres. Estiveram no Old Bailey, onde os criminososforam julgados durante séculos, e deambularam pelos trios dos tribunais, cruza ram-se com causídicos de aspecto grave, peruca e toga. Visitaram as instalações da Prisão de Newgate, construída no século XVIII. Mesmo em frente do local onde estivera a igreja, a estrada alargava-se, estreitando-se inesperadamente.
-É estranho-disse Catherine.-Por que será que construíram uma rua assim?
-Para acomodar as multidões. Era aqui que costumavam realizar-se as execuções públicas.
Catherine estremeceu. «Quase atingiu o alvo»
Certa noite, Kirk Reynolds levou Catherine à East India Dock Road, ao longo dos quebra-mares.
-Ainda não há muito tempo, os polícias andavam aos pares neste lugar-disse Kirk.-Era o ponto de encontro dos criminosos. Jantaram no Prospect of Whitby, um dos puós mais antigos da Inglaterra, localizado numavaranda construída sobre o Tamisa, vendo as barcaças que desciam o rio e se cruzavam com os grandes navios que iam a caminho do mar. Catherine adorava os nomes fora do vulgar dos pubs londrinos. Ye Olde Cheshire Cheese, o Falstaff e o Goat in Boots. Noutra noite, foram a um velho e pitoresco pub em City Road que se chamava Eagle.
-Aposto que as tuas cantigas de criança se referiam a este sítio - disse Kirk.
Catherine olhou fixamente para ele.
- Referiam-se a este sítio? Eu nem sequer ouvi falar daqui. - Ouviste, sim. 0 Eagle está na origem de uma rima infantil. - Que rima infantil?
-Aquiháuns anos, aCityRoad era o centro do comércio de alfaiataria, e por volta do fim-de-semana os alfaiates costumavam estar sem dinheiro, e punham o ferro de engomar no prego até ao dia de
pagamento. De formaquehouve algum que escreveuumarima infantil sobre isso:
Acima e abaixo da City Road Para dentro e para fora do Eagle Assim que o dinheiro desaparece Lá se aai o ferro de engomar
Catherine riu-se.
- Onde é que aprendeste isso?
-Um advogado deve saber tudo. Mas há uma coisa que eu não sei. Sabes esquiar?
-Infelizmente não. Porquê? De repente ele ficou sério.
-É que eu vou a St. Moritz. Há lá óptimos instrutores de esqui. Queres vir comigo, Catherine?