-Estou aqui para aprender-disse Demiris com sinceridade. - Sim? Então vou dizer-te o que tens de aprender para já. Tu agora estás num país muçulmano. Isso significa que não há bebidas alcoólicas. Quem for apanhado a roubarfica sem a mão direita. Da segundavez, a mão esquerda. Da terceiravez, perdes um um pé. Se matares alguém, cortam-te a cabeça.
-Não estou a pensar em matar ninguém. -Espera-grunhiu McIntyre. -Tu acabaste de chegar.
0 complexo era uma torre de Babel, gente oriunda de uma dúzia de países diferentes, todos falando as suas línguas nativas. Demiris ouvia bem e aprendia línguas depressa. Os homens estavam ali para abrir estradas no meio de um deserto inóspito, edificar habitações, instalar equipamento eléctrico, montar comunicações telefónicas, construir oficinas, arranjar abastecimentos de água e comida, conceber um sistema de drenagem, administrar cuidados médicos e, pareceu ao jovem Demiris, fazer umá centena de outras tarefas. Trabalhavam com temperaturas acima dos quarenta graus, sofrendo com as moscas, mosquitos, poeira, febre e disenteria. Mesmo no deserto haviauma hierarquia social. No topo estavam os homens encarregados de localizar o petróleo, e abaixo os operários das obras, chamados de «tesos», e os empregados, conhecidos como «calças lustrosas». Quase todos os homens envolvidos na perfuração actual - os geólogos, topógrafos, engenheiros e analistas de petróleo - eram americanos, pois a nova broca rotativa fora inventada nos Estados Unidos e os americanos estavam mais habituados ao seu funcionamento. 0 jovem decidiu tornar-se amigo deles. Constantin Demiris passava o máximo de tempo possível junto dos perfuradores e não parava de lhes fazer perguntas. Retinha a informação, absorvendo-a como as areias quentes absorvem a água. Reparou que se utilizavam dois métodos diferentes de perfuração. Aproximou-se de um dos perfuradores que trabalhava junto a uma torre de perfuração com 400 metros.
-Eu estava aqui a pensar porque é que vocês utilizam dois tipos diferentes de perfuração.
0 perfurador explicou.
-Bem, rapaz, um por cabo e o outro com a rotativa. Agora, andamos a usar mais a rotativa. Os dois métodos começam exactamente da mesma maneira.
- Ah sim?
-Sim . Para qualquer um deles tem de se erguer uma torre igual a esta para içar as peças de equipamento que têm de ser metidas dentro do poço. -Olhou para o rosto ansioso do jovem. -Aposto que não fazes a mínima ideia por que lhe chamam assim.
-Não faço, não.
-Era o nome de um famoso carrasco do século XVII. -Estou a perceber.
- A perfuração por cabo é ainda mais antiga. Há centenas de anos, os chineses abriam poços de água assim. Eles faziam um buraco na terra, levantando e deixando cair um instrumento cortante que estava pendurado num cabo. Mas hoje cerca de oitenta e cinco por cento de todos os poços são perfurados pelo método darotativa.-Virou-se para regressar à perfuração.
- Desculpe. Mas como é que funciona o método da rotativa? 0 homem parou.
- Bem, em vez de abrir um buraco na terra à pancada, basta perfurar. Estás a ver isto? No meio do piso da rotativa está uma mesa giratória de aço que a maquinaria faz girar. Esta mesa rotativa prende com firmeza e roda um tubo que desce através dela. Há uma broca presa à parte inferior do tubo.
-Parece simples, não parece?
-É mais complicado do que parece. Tem de haver um método de escavar o material libertado à medida que se perfura. Há que evitar a aluimento das paredes e vedar a água e o gás do poço.
- Com toda essa perfuração, a broca não se gasta?
- Claro. Depois temos que tirar para fora toda aquela danada série de tubos, enroscar outra broca na ponta do tubo da perfuradora e meter tudo outra vez dentro do furo. Estás com ideias de ser um perfurador?
- Não, senhor. Tenciono ter poços de petróleo. - Parabéns. Posso voltar ao trabalho agora?
Uma manhã, Demiris observava a inserção de um tubo no poço, mas em vez de perfurar o interior ele reparou que cortou pequenas áreas circulares dos lados do furo e trouxe rochas para cima.
- Desculpe-me. Para que está a fazer isso? - perguntou Demiris.
0 perfurador parou para limpar a testa.
-Isto é a medula das paredes laterais. Usamos estas rochas para análise, para ver se são portadoras de petróleo.
- Estou a perceber.
Quando as coisas corriam sem problemas, Demiris ouvia os perfuradores gritar, «Vou virar para a direita», o que significava que estavam a fazer um furo. Demiris reparou que havia dezenas de pequeníssimos furos perfurados por todo o campo, com diâmetros que não tinham mais do que cinco ou seis centímetros. -Desculpe-me. Para que são esses poços?-perguntou o jovem.
-São poços de prospecção. Indicam-nos o que existe no subsolo. Poupa um monte de dinheiro e tempo à companhia.
-Estou a ver.
Tudo era completamente fascinante para o jovem, e as suas perguntas eram infindáveis.
-Desculpe-me. Como é que sabe onde vai furar?
-Temos muitos geólogos, a malta dos calhaus, que tiram medidas dos estratos e estudam os cortes dos poços. Depois os estranguladores de cordas...
-Desculpe-me, o que é um estrangulador de cordas? -Um perfurador. Quando eles...
Constantin Demiris trabalhava desde manhãzinha até ao pôr do Sol, arrastando maquinaria através do deserto escaldante, limpando equipamento e conduzindo camiões àfrente dos raios de chama luminosos que se erguiam dos picos rochosos. As chamas ardiam noite e dia, levando para longe os gases venenosos. J. J. McIntyre dissera a verdade a Demiris. A comida não prestava, as condições de vida eram horríveis, e à noite não havia nada que fazer. Pior, Demiris sentia que todos os poros do seu corpo estavam cheios de grãos de areia. 0 deserto tinha vida, e não havia maneira de fugir a isso. A areia entrava na barraca, metia-se-lhe na roupa e no corpo, e ele pensou que ia enlouquecer. E depois piorou. 0 vento do golfo surgiu. As tempestades de areia sopravam todos os dias durante meses, conduzidas por um vento uivante com uma intensidade suficientemente forte para levar os homens à loucura. Demiris olhava fixamente pela porta da barraca para a areia rodopiante.
-Vamos trabalhar com este tempo?
- Tens toda a razão, Charlie. Isto não é uma estância termal. Faziam-se descobertas de petróleo àvolta deles. Haviauma nova descoberta em Abu Hadriya e outra em Qatif e em Harad, e os trabalhadores nunca estiveram mais ocupados.
Chegaram duas novas pessoas, um geólogo inglês e a mulher. HenryPotterandavapelos setentaanos, e amulher, Sybil, tinhapouco mais de trinta. Em qualquer outro lugar, Sybil Potter teria sido descrita como uma mulher de aspecto simplório e obesa com uma voz aguda e desagradável. Em Fadhili, ela era uma beleza delirante. Como Henry Potter estava constantemente ausente na prospecção de novos campos petrolíferos, a mulher ficava muito tempo sozinha. 0 jovem Demiris ficou incumbido de ajudá-la a mudar-se para os seus novos aposentos.
- Este é o pior lugar que eu já vi na minha vida - queixou-se Sybil Potter na sua voz plangente. - 0 Henry está sempre a arrastar-me para lugares terríveis como este, Não sei como é que aguento.
-0 seu marido está a fazer um trabalho importante-Demiris assegurou-lhe.
Ela olhou para o jovem atraente especulativamente.
-0 meu marido não faz tudo o que devia fazer. Está a entender-me?
Demiris sabia exactamente o que ela queria dizer. -Não, senhora.
- Como é que se chama?
-Demiris, senhora. Constantin Demiris. - Como é que os seus amigos o tratam? -Costa,
-Bem, Costa, acho que vamos ser bons amigos. Certamente que não temas nada em comum com esta ciganaria, pois não?
- Ciganaria?
-Sim. Estes estrangeiros.
-Tenho que voltar ao trabalho - disse Demiris.
Nas semanas seguintes, Sybil Potter arranjava constantemente desculpas para mandar chamar o jovem homem.