A chamada chegou a meio da noite. Constantin Demiris escutou, e quando falou a sua voz estava cheia de surpresa.
- 0 Thele foi ao fundo? Não posso acreditar.
-É verdade, senhorDemiris. Aguarda costeira encontrou alguns pedaços do naufrágio.
-Houve sobreviventes?
-Não, senhor. Infelizmente, não. Perderam-se todos os marinheiros.
- Isso é terrível. Alguém sabe o que aconteceu? -Infelizmente nunca saberemos. Todas as provas estão no fundo do mar.
-0 mar-murmurou Demiris -, o mar cruel. -Entramos com a apresentação de um pedido nos seguros? -É difícil uma pessoa preocupar-se com essas coisas depois de to dos aqueles homens corajosos terem perdido a vida-mas, sim, entre com a apresentação do pedido. - 0 vaso ficaria na sua colecção particular. Agora eram horas de punir o cunhado. Spyros Lambrou estava num frenezim de impaciência, aguardando a notícia da prisão de Constantin Demiris. Mantinha o rádio constantemente ligado no seu escritório e passava a pente fino todas as edições dos jornais diários. «Eu já devia ter sabido de alguma coisa, pensou Lambrou. «Desta vez a polícia deve ter prendido o Demiris. No momento em que Tony Rizzoli informara Spyros de que Demiris concordara transportar-lhe as drogas, Lambrou dera conhecimento ã Alfândega norte-americana - anonimamente, claro - de que o Thele iria transportar uma quantidade enorme de heroína. -Já o devem ter apanhado. Porque é que os jornais não souberam da história?
0 intercomunicador soou.
- 0 senhor Demiris está na linha dois.
- É alguém que quer falar com o senhor Demiris?
-Não, senhor Lambrou. É o próprio senhor Demiris que está na linha. - As palavras provocaram-lhe um arrepio.
-Era impossível!
Nervosamente, Lambrou pegou no telefone. - Costa?
-Spyros. -A voz de Demiris era jovial.-Como é que vão as coisas?
-Tudo bem, tudo bem. Onde é que estás? - Em Atenas.
- Oh. -Lambrou engoliu nervosamente. -Não temos conversado ultimamente - disse ele.
-Tenho estado ocupado. Que tal almoçarmos hoje? Estás livre? Lambrou tinha um almoço de trabalho importante.
- Estou. Está bem.
- Óptimo. Encontramo-nos no clube. Às duas horas.
Lambrou pousou o auscultador, as mãos tremendo. 0 que é que em nome de Deus podia ter corrido mal? Bem, iria saber o que acontecera dentro de pouco tempo. Constantin Demiris deixou Spyros à espera durante meia hora, e quando, por fim, chegou disse bruscamente:
-Desculpa o atraso. -Não há problema.
Spyros analisou Demiris cuidadosamente, à procura de alguns sinais da experiência recente por que devia ter passado. «Nada»
-Estou com fome -disse Demiris animadamente. -E tu? Vamos ver o que é que há na lista para hoje. -Percorreu a ementa com um olhar atento. -Ah, Stridia. Queres abrir com ostras, Spyros?
- Não. Acho que não. - Tinha perdido o apetite.
Demiris agia com demasiada alegria, e Lambrou teve uma premonição terrível.
Depois de pedirem, Demiris disse: -Quero agradecer-te, Spyros. Spyros fitou desconfiadamente. - 0 quê?
-0 quê? 0 teres-me mandado um bom cliente ... o senhor Rizzoli. Lambrou humedeceu os lábios.
-Tu... estiveste com ele?
- Oh, estive, sim. Ele garantiu-me que íamos fazer muitos negócios juntos no futuro. -Demiris suspirou. - Embora me custe pensar que o senhor Rizzoli já não tenha muito futuro.
Spyros ficou tenso.
- 0 que é que queres dizer com isso?
A voz de Constantin Demiris endureceu.
- 0 que eu quero dizer é que o Tony Rizzoli está morto. -Como é que.. ~ 0 que é que aconteceu?
-Ele teve um acidente, Spyros.-Olhava de frente para o cunhado. - Como têm todos os que me querem enganar.
-Não... não entendo. Tu...
-Não entendes? Tu tentaste destruir-me. Falhaste. Prometo-te que teria sido muito melhor para ti se tivesses conseguido. -Não... não sei do que estás a falar.
-Não sabes, Spyros?-Constantin Demiris sorriu.-Em breve saberás. Mas primeiro vou destruir a tua irmã.
As ostras chegaram.
-Ah-disse Demiris-, parecem deliciosas. Bom apetite.
Depois, Constantin Demiris pensou no encontro com um sentimento de satisfação profunda. Spyros Lambrou era um homem completamente desmoralizado. Demiris sabia quanto Lambrou adorava a irmã e Demiris tencionava puni-los a ambos.
Mas havia algo que tinha de tratar primeiro. Catherine Alexander. Ela telefonara-lhe depois da morte de Kirk, à beira da histeria. ... é tão horrível. «Lamento muito, Catherine. Sei como devia gostar do Kirk. É uma perda terrível para nós dois. «Vou ter que alterar os meus planas», pensou Demiris. Agora não há tempo para Rafina.» Catherine era o único elo existente que o ligava ao que acontecera a Noelle Page e Larry Douglas. «Foi um erro tê-la deixado viver todo este tempo Enquanto ela estivesse viva, alguém poderia provar o que Demiris fizera, mas com ela morta ele ficaria perfeitamente seguro. Pegou no telefone da secretária e marcou um número. Quando uma voz respondeu, Demiris disse:
-Vou estar em Kowloon na segunda-feira. Esteja presente, - Desligou sem esperar uma resposta.
Os dois homens encontraram-se num edifício deserto que Demiris possuía na cidade murada. Tem de parecer um acidente. Consegue arranjar isso?-perguntou Constantin Demiris. Era um insulto. Sentia a raiva crescer dentro de si. Isso era pergunta para se fazer a um amador que se contratava na rua. Sentiu-se tentado a responder com sarcasmo: «Oh, sim. Acho que consigo fazer isso. Prefere um acidente dentro de casa? Posso fazer que ela parta o pescoço ao cair de um lanço de escadas. 0 dançarino de Marselha. Ou ela podia embebedar-se e afogar-se na banheira. A herdeira de Gstaad. Podia tomar uma dose excessiva deheroína.~ Eliminara três assim. Ou ela podia adormecer na cama com um cigarro aceso. 0 detective sueco de L'Hôtel da Margem Esquerda em Paris. «Ou será que prefere qualquer coisa no exterior? Posso provocar um acidente de trânsito, a queda de um avião ou um desaparecimento no mar.» Mas não disse nada disto, pois na verdade tinha medo do homem que se sentava à sua frente. Ouvira muitas histórias arrepiastes a seu respeito, e tinha razão para acreditar nelas, De forma que tudo o que disse foi:
-Sim, senhor, posso provocar um acidente. Ninguém irá descobrir. -Mas no momento em que dizia estas palavras a ideia passou-lhe pela cabeça: «Ele sabe que eu saberei» Ficou à espera. Ouvia os barulhos da rua do outro lado da janela, e a poliglota estridente e roufenha de línguas que pertenciam aos residentes da cidade murada. Demiris estudava-o com olhos frios e negros.
Quando finalmente falou, disse:
-Pois bem. 0 método ficará ao seu critério. - Sim, senhor. 0 alvo está aqui em Kowloon?
- Londres. Chama-se Catherine. Catherine Alexander. Trabalha nos meus escritórios de Londres.
-Dava jeito se ela me fosse apresentada. Uma pista interna. Demiris pensou por um momento:
-Vou enviar uma delegação de executivos a Londres na semana que vem. Vou fazer que você integre o grupo. - Inclinou-se para a frente e disse: - Só mais uma coisa.
-Sim,senhor?
- Quero que o corpo não consiga ser identificado por ninguém.
Constantin Demiris estava a telefonar.
-Bom dia, Catherine. Como é que se sente hoje? -Óptima, obrigada, Costa.
- Sente-se melhor? - Sinto-me.
-Óptimo. Muito me agrada ouvirisso. Vou enviaruma delegação dos executivos da nossa companhia aí a Londres para analisarem as nossas operações. Agradecia que se encarregasse deles.
- Com todo o prazer. Quando é que chegam? -Amanhã de manhã.
-Farei tudo o que puder.
- Sei que posso contar consigo. Obrigado, Catherine. -Não tem que agradecer.
-Adeus, Catherine.
A ligação foi interrompida.
«Pronto, acabou-se!~ Constantin Demiris encostou-se à cadeira, a pensar. Com Catherine fora de campo, deixava de haver pontas soltas. Agora, podia centrar toda a sua atenção na mulher e no irmão dela.