-Mas eu endireitei-me-disse Haley a Catherine com orgulho. -Virei uma página nova.
Yves Renard era um homem amargo. Catherine soube que os pais o abandonaram, e ele fora educado por uns parentes distantes que o maltrataram.
-Eles tinham uma quinta perto de Vichy, e obrigavam-me trabalhar que nem um cão, de sol a sol. Fugi de lá quando tinha quinze anos e fui trabalhar para Paris.
0 italiano Dino Mattusi, sempre bem-disposto, nasceu na Sicília, filho de pais da classe média.
-Quando tinha dezasseis anos, causei um grande escândalo ao fugir com uma mulher casada dez anos mais velha do que eu. Ah, ela era belíssima.
- Que é que aconteceu? Suspirou.
-Trouxeram-me para casa e depois mandaram-me para Roma para fugir à ira do marido da mulher.
Catherine sorriu.
- Estou a ver. Quando é que começou a trabalhar na firma do senhor Demiris ?
Ele disse evasivamente.
- Mais tarde. Fiz muitas coisas primeiro. Sabe... todo o tipo de trabalhos. Tudo para ganhar a vida.
- E depois conheceu a sua mulher? Ele fitou Catherine nos olhos e disse: -A minha mulher não está aqui.
Ele observava-a, falava com ela, escutava o som da suavoz, sentia o seu perfume. Quis sabertudo a seurespeito. Gostava damaneira comoela se movimentava e gostaria de saber como seria o corpo dela sob o vestido. Em breve saberia. Muito em breve. Mal podia esperar. Jerry Haley entrou no gabinete de Catherine. - Gosta de teatro, Catherine?
- Claro que sim. Eu...
-Estreouum novo musical. OArco-íris deFinian. Eu gostava de ir ver hoje à noite.
-Terei todo o prazer em arranjar-lhe uma entrada.
-Não teria muita piada ir sozinho, pois não? Tem que fazer? Catherine hesitou.
- Não. - Deu por si a olhar fixamente para as suas mãos enormes e inquietas.
- Óptimo! Vá buscar-me ao hotel às sete horas. - Era uma ordem. Ele voltou-se e saiu da sala.
«Era estranho», pensou Catherine. «Ele parecia tão amável e aberto e no entanto...
«Euendireitei-me.•> Ela não conseguia afastar a imagem daquelas mãos enormes da ideia.
Jerry Haley estava à espera de Catherine no salão do Hotel Savoy, e foram para o teatro numa limusina da firma.
- Londres é uma grande cidade - disse f erry Haley. - Gosto sempre de voltar aqui. Está cá há muito tempo?
-Há alguns meses. -Você é americana? - Sou. De Chicago. -Uma bela cidade. Passei lá uns bons tempos. «A violar mulheres?»
Chegaram ao teatro e misturaram-se com a multidão. 0 espectáculo foi maravilhoso e o elenco era excelente, mas Catherine não consegui concentrar-se. Jerry Haley passou o tempo a tamborilar com os dedos no braço da cadeira, no colo, nos joelhos. Foi incapaz de manter as suas enormes mãos sossegadas. Quando a peça acabou, Haley virou-se para Catherine e disse: -Está uma noite tão bonita. Porque é que não arrumamos o carro e vamos dar uma volta por Hyde Park?
-Eu tenho que estar amanhã bem cedo no escritório-disse Catherine. -Talvez numa outra altura.
Haley analisou-a, um sorriso enigmático no seu rosto. - Certo - disse ele. - Temos muito tempo. Yves Renard estava interessado por museus.
-É claro-disse o francês a Catherine-que em Paris temos o maior museu do mundo. Já foi ao Louvre?
-Não-disse Catherine.-Nunca estive em Paris.
-É pena. Devia ir lá um dia. -Mas, apesar de o ter dito, pensou ele consigo: «Sei que ela não irá. -Eu gostava de ver os museus de Londres. Talvez no sábado pudéssemos ir visitar alguns.
Catherine planeara pôr em dia algum do trabalho do escritório no sábado. Mas Constantin Demiris pedira-lhe para cuidar dos visitantes.
- Está bem - disse ela. - Sábado será óptimo.
Catherine não ansiava passar um dia com o francês. Ele é tão amargo. Comporta-se como se ainda andassem a maltratá-lo.
0 dia começou bastante agradavelmente. Primeiro, foram ao Museu Britânico, onde deambularam por entre galerias com magníficos tesouros do passado. Viram uma cópia da Magna Carta, uma proclamação assinada por Isabel I e tratados de batalhas combatidas em séculos anteriores. Havia algo em Yves Renard que incomodava Catherine, e só depois de estarem há quase uma hora no museu é que ela se apercebeu do que se tratava. Estavam a olharparaumavitrina que continha um documento escrito pelo Almirante Nelson.
-Acho que esta é uma das peças mais interessantes em exibição - disse Catherine. - Foi escrita momentos antes de o almirante Nelson partir para a batalha. Sabe, é que ele não sabia se tinha autoridade... -E ela de repente apercebeu-se de que Yves Renard não estava a prestar atenção. E uma outra percepção apossou-se dela: ele não prestara quase nenhuma atenção às exposições que havia no museu. Nâo estava interessado. «Então porque é que ele me disse que queria ver museus?» interrogou-se Catherine.
A seguir foram ao Museu Victoria e Albert, e a experiência repetiu-se. Destavez, Catherine observava-o de perto. YvesRenard ia de sala em sala elogiando da boca para fora o que viam, mas a sua mente estava obviamente noutro lugar. Quando terminaram, Catherine perguntou:
- Gostava de ir visitar a Abadia de Westminster? Yves Renard fez um sinal afirmativo com a cabeça. - Sim, claro.
Percorreram a imponente abadia, parando para ver os túmulos doshomensfamosos dahistória que ali estavm sepultados, poetas, estadistas e monarcas.
-Olhe -disse Catherine -, aqui é onde o Keats está sepultado. Renard baixou o olhar num relance.
-Ah, Keats. -E depois continuou a andar.
Catherine ficou ali atendendo. «De que anda ele à procura? Porque é que está a desperdiçar assim o dia?»
Quando estavam de regresso ao hotel, Yves Renard disse: - Obrigado, Miss Alexander. Gostei muito. «Ele está a mentir», pensou Catherine. «Mas porquê?»
- Ouvi dizer que há um lugar muito interessante. Stonehenge. Dizem que fica no Planalto de Salisbúria,
- Fica aí, sim - disse Catherine.
- Porque não vamos até lá visitar, talvez sábado que vem? Catherine interrogou-se se ele acharia Stonehenge mais interessante do que os museus.
- Seria óptimo.
Dino Mattusi era um gastrónomo. Entrou no gabinete de Catherine com um guia.
- Tenho aqui uma lista dos melhores restaurantes de Londres. Está interessada?
- Bem, eu...
- Óptimo! Hoje ã noite vou levá-la a jantar ao Connaught. Catherine disse:
-Esta noite tenho de...
- Nada de desculpas. Vou buscá-la às oito. Catherine hesitou.
-Muito bem. Mattusi ficou radiante.
-Bene!-Inclinou-se para a frente. -Não tem piada fazer as coisas sozinha, pois não?-0 significado era inconfundível. «Mas ele é tão óbvio»,pensou Catherine, «que é de facto completamente inofensivo.»
Ojantar no Connaught estava delicioso. Jantaram salmão escocês fumado, rosbife e pudim de Yorkshire. Quando comiam a salada, Dino Mattusi disse: -Acho-a fascinante, Catherine. Adoro as mulheres americanas. -Oh. A sua mulher é americana?-Catherine perguntou inocentemente. Mattusi encolheu os ombros.
-Não, é italiana. Mas é muito compreensiva. -Isso para si deve ser óptimo -disse Catherine. Ele sorriu.
-É óptimo.
- Só quando estavam a comer a sobremesa é que Dino Mattusi disse:
- Gosta do campo? Tenho um amigo que tem carro. Achei que pudéssemos ir dar um passeio no domingo.
Catherine começou por dizer não, e depois repentinamente pensou em Wim. Ele parecia tão sozinho. Talvez gostasse de ir dar uma volta de carro pelo campo.
-Parece ser divertido.
- Prometo-lhe que vai ser interessante. - Será que posso trazer o Wim?