- Muito bem - disse ele. - Tenho um homem de confiança a quem posso entregar o seu caso. Quando deseja que ele comece? -Na segunda-feira.
Portanto ele estava certo. Não havia urgëncia. Melina Demiris pôs-se de pé.
-Depois telefono-lhe. Tem um cartão da firma? -Naturalmente que sim. -Katelanos entregou-lhe o cartão da firma e conduziu-a até ao exterior. «É uma boa cliente», pensou. «0 nome dela vai impressionar os outros clientes.» Quando Melina voltou para casa, telefonou ao irmão:
- Spyros, tenho uma boa notícia. - A sua voz estava cheia de excitação. - 0 Costa quer uma trégua.
- 0 quê? Eu não confio nele, Melina. Deve ser algum truque. Ele...
- Não. É a sério. Ele acha que é uma estupidez vocês os dais andarem sempre a brigar. Ele quer ter paz na fami7ia.
Houve um silêncio. -Não sei.
- Dá-lhe pelo menos uma oportunidade. Ele quer encontrar-se contigo no teu pavilhão de caça de Acrocorinto hoje à tarde às três horas.
- Mas isso são três horas de carro. Porque é que não podemos encontrar-nos na cidade?
-Ele não disse-adiantou-lhe Melina-mas sevai serpormotivo de paz...
- Está bem. Eu vou. Mas faço-o por ti. -Por nós-disse Melina. -Adeus, Spyros. -Adeus.
Melina telefonou a Constantin para o escritório. A voz dele foi abrupta.
-0 que é? Estou ocupado.
-Acabei de receber um telefonema do Spyros. Ele quer fazer as pazes contigo.
Houve um riso breve e desdenhoso.
-Aposto que sim. Quando eu tiver acabado com ele, ele vai ter a paz que sempre desejou...
- Ele disse que não vai competir mais contigo, Costa. - Ele está disposto a vender-te a frota dele.
-Vender-me a... Tens a certeza? -A voz dele ficou de repente cheia de interesse.
-Tenho. Ele disse que já está farto.
-Muito bem. Ele que mande os contabilistas dele ao meu gabinete, e...
-Não . Ele quer encontrar-se contigo esta tarde às três horas em Acrocorinto.
-No pavilhão de caça dele?
- Sim. E um lugar retirado, Serão só vocês os dois. Ele quer sigilo absoluto sobre o assunto.
«Aposto que quer>, pensou Demiris com satisfação. «Quando se souber, ele vai ser motivo de riso.» -Está bem-disse Demiris.-Podes dizer-lhe que eulá estarei. A viagem para Acrocorinto era longa, com estradas cheias de curvas que serpenteavam por entre o pavilhão de caça luxuriante, fragrante com os odores dasvinhas, doslimões e do feno. Spyros Lambrou passou por antigas ruínas ao longo do caminho. Na distância, viu os pilares caídos do Elefsis, os altares em ruínas de deuses menores. Pensou em Demiris. Lambrou foi o primeiro a chegar ao pavilhão de caça. Estacionou à frente da cabana e ficou sentado dentro do automóvel por um momento, a pensar no encontro que ia ter. Constantin queria mesmo uma trégua, ou era mais um dos seus truques? Se lhe acontecesse algumacoisa, pelo menos Melina sabia aonde ele tinhaido. Spyros saiu do carro e entrou na casa deserta.
0 pavilhão de caça era um velho e belo edifício de madeira com vista sobre Corinto que se erguia em baixo. Quando era rapaz, Spyros Lambrou passara fins-de-semana com o pai ali, atrás de caça pequena nas montanhas. Agora a caça era maior. Quinze minutos depois, chegou ConstantinDemiris. ViuSpyros lá dentro, à espera, o que lhe deu uma satisfação intensa. «Portanto, depois de todos estes anos, o homem está finalmente disposto a admitir que foi derrotado.» Saiu do carro e entrou na cabana. Os dois homens fitaram-se mutuamente.
-Bem, meu caro cunhado-disse Demiris-,chegamos então ao fim da estrada.
- Eu quero que esta loucura tenha um fim, Costa. Foi longe de mais.
-Não podia concordar mais contigo. Quantos navios é que tens, Spyros?
Lambrou olhou para ele surpreendido. - 0 quê?
-Quantos navios é que tu tens? Compro~s todos. Com um desconto substancial, naturalmente.
Lambrou não podia acreditar no que ouvia. -Comprares-me os meus navios?
-Estou disposto a comprá-los todos. Fará de mim dono da maior frota do mundo.
-Estás maluco? 0 que é que... que te faz pensar que eu quero vender os meus navios?
Foi a vez de Demiris reagir.
- É por isso que estamos aqui, não ?
- Estamos aqui porque tu pediste uma trégua. Aface de Demiris escureceu.
-Eu.., quem é que te disse isso? - Foi a Melina.
A verdade revelou-se-lhes no mesmo momento. -Ela disse-te que eu queria uma trégua?
-Ela disse-te que eu queria vender-te os meus navios?
- Estúpida de merda- exclamou Demiris. -Suponho que ela pensou que pelo facto de nos reunirmos poderíamos chegar a uma espécie de acordo. Ainda é mais idiota do que tu, Lambrou. Perdi uma tarde par causa de ti.
Constantin Demiris voltou-se e saiu furioso porta fora. Spyros Lambrou olhou para ele, a pensar: «A Melina não nos devia ter mentido. Ela devia saber que eu e o marido dela nunca haveremos de reconciliar-nos. Não é agora. É demasiado tarde. Foi sempre tarde de mais »
Às duas horas dessa tarde, Melina chamou a criada. - Andrea, importa-se de me trazer um pouco de chá?
- Não , minha senhora. - A criada saiu do quarto e, quando voltou com a bandeja do chá dez minutos depois, a patroa falava ao telefone. 0 tom era zangado.
-Não, Costa, já decidi. Tenciono divorciar-me de ti, e vou fazer o maior escândalo público que eu puder.
- Embaraçada, Andréa colocou a bandeja e dirigiu-se para a porta. Melina fez-lhe sinal para que ficasse.
Melina falava para o telefone desligado.
- Podes fazer-me todas as ameaças. Eu não vou mudar de ideias... Nunca... Pouco me rala o que estás para aí a dizer... Tu não me metes medo, Costa... Não ... De que é que adiantava?... Está bem. Vou ter contigo à casa de praia, mas não vai servir de nada. Está bem, vou sozinha. Dentro de uma hora. Está muito bem.
Lentamente, Melina pousou o telefone, com um olhar preocupado no rosto. Virou-se para Andrea.
-Vou à casa de praia para me encontrar com o meu marido. Se eu não tiver voltado até às seis horas, quero que chame a polícia. Andrea engoliu nervosamente.
-A senhora deseja que o motorista a leve?
- Não. 0 senhor Demiris pediu-me para eu ir sozinha. - Sim, senhora.
Havia mais uma coisa a fazer. A vida de Catherine Alexander estava em perigo. Tinha de ser avisada. Era alguém da delegação que jantara em casa. «Não vais voltar a vê-la. Mandei uma pessoa dar-lhe um fim.» Melina pediu uma chamada para os escritórios do marido em Londres.
- Há uma pessoa de nome Catherine Alexander que trabalha aí~? -Ela nâo se encontra de momento. Pode ser com outra pessoa? Melina hesitou. 0 recado era úrgente de mais para confiar noutra pessoa, mas não teria tempo de voltar a ligar.
Lembrou-se de Costa ter mencionado o nome de Wim Vandeen, um génio no escritório.
- Poderia falar com o senhor Vandeen? - Só um momento.
Uma voz de homem surgiu na linha. -Estou.
Ela quase não o percebia.
-Tenho um recado para a Catherine Alexander. É muito importante. Importa-se de lho transmitir?
-À Catherine Alexander.
-Sim. Diga-lhe... diga-lhe que a vida dela corre perigo, Alguém vai tentar mofa-la. Acho que poderá ser um dos homems que foi de Atenas.
-Atenas... - Sim.
Atenas tem uma população de oitocentas e sessenta mil... Pareceu a Melina que o homem não a entendeu. Desligou o telefone. Fizera o melhor que pudera. Wim ficou à secretária, digerindo a chamada telefónica. «Alguém vai tentar matar a Catherine. Cento e catorze mortes foram cometidas na Inglaterra este ano, a Catherine será a número cento e quinze. Um dos homens queveio deAtenas. Jerry Haley,Yves Renard, Dino Mattusi. Um deles vai matar a Catherine.» A mente de computador de Wim logo se encheu com dados sobre os três homens. «Acho que sei qual é.» Quando Catherine regressou mais tarde, Wim não lhe disse nada sobre o telefonema. Ele tinha curiosidade em saber se estava certo. Catherine saía com um membro diferente da delegaçâo todas as noites, e quando vinha trabalhar todas as manhãs Wim estava lá, à espera. Ele parecia desapontado em vê-la. «Quando é que ela ia permitir que ele o fizesse?» Wim interrogou-se. «Talvez devesse informá-la sobre o recado. Mas isso seria fazer batota. Não seria justo alterar as apostas Aviagem para a casa de praia levou uma hora de tempo real e vinte anos de memórias. Havia tanto para Melina reflectir, tanto para recordar. Costa, jovem e bonito, dizendo, «Claro quevocê foienviadados céus para nos mostrar o que é a beleza. Você está além do galanteio. Nada do que eu pudesse dizer lhe faria justiça...» Os cruzeiros maravilhosos no iate e as frias idílicas em Psara... Os dias dos amorosos presentes-surpresa e as noites de amor selvagem. E depois o aborto, a série de amantes e o caso com Noelle Page. E os espancamentos e ashumilhações públicas. «Monnareemou! Tu não tens umarazão para viver», dissera-lhe ele. «Porque é que não te matas?» E, por fim, a ameaça para destruir Spyros. Isso foi o que, no fim, Melina não conseguiu suportar. Quando Melina chegou à casa de praia, estava deserta. 0 céu estava nublado, ehaviaum vento desagradável que soprava dos mares. «Um presságio», pensou ela. Entrou na casa confortável e amistosa e percorreu o olhar pela última vez. Depois começou a virar a mobília e a partir os candeeiros. Rasgou o vestido e deixou-o cair no chão, Tirou o cartão da agência de detectives e colocou-o na mesa. Levantou o tapete e pôs o botão sob o mesmo. A seguir tirou o relógio de ouro que Costa lhe dera e esmagou-o contra a mesa, Apanhou os calções de banho do marido que trouxera de casa e levou-os ã praia. Molhou-os na água e voltou a entrar na casa. Finalmente, só faltava fazer uma coisa. «Chegou a hora», pensou ela. Respirou fundo e lentamente apanhou a faca e desembrulhou-a, tomando cuidado para não deslocar o papel que cobria o cabo. Melina segurou-a, fitando-a. Era a parte crucial. Tinha de e sfaquear-se com força suficiente para parecer homicídio, e ao mesmo tempo ter energia bastante para levar por diante o resto do plano. Fechou os olhos e espetou a faca bem fundo no seu corpo. A dor foi excruciante. 0 sangue começou a jorrar. Melina segurava os calções de banho a seu lado, e quando ficaram cobertos de sangue ela dirigiu-se a um roupeiro e atirou-os lá para dentro. Começa va a sentir-se tonta. Olhou em volta para ter a certeza de que não se esquecera de nada, depois foi a tropeçar até à porta que dava para a praia, o sangue manchando a alcatifa com um vermelho brilhante. Caminhou na direcção do oceano. 0 sangue saía agora mais rápido, e ela pensou, «Não vou conseguir.» 0 Costa vai ganhar. Não posso deixar que isso aconteça. A caminhada até ao mar parecia nunca mais acabar. «Mais um passo», pensou. «Só mais um passo.» Ela continuava a andar, combatendo a tontura que tomava conta de si. A visão começou a enevoar -se. Caiu de joelhos. Não posso parar agora. Ergueu-se e continuou a andar até que sentiu a água fria bater-lhe nos pés. Quando a água salgada lhe tocou no ferimento, deu um grito alto por causa da dor insuportável. «Faço isto pelo Spyros», pensou ela. «Querido Spyros.» Ao longe, viu uma nuvem baixa que pairava sobre o horizonte. Começou a nadar na sua direcção, deixando um rasto de sangue. E aconteceu um milagre. A nuvem desceu sobre ela, e ela sentiu a sua maciez branca envolvê-la, banhá-la, acariciá-la. A dor desaparecera, e ela sentiu uma paz maravilhosa apoderar-se de si. «Vou paracasa», pensou Melina feliz. «Voufinalmente para casa.»