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-0 senhor Demiris mandou trazer roupas para a senhora escolher. Pode escolher tudo o que lhe apetecer,

Catherine tomou consciência, pelaprimeiravez, de que ainda trazia vestido o hábito que lhe haviam dado no convento. -Obrigada. Afundou-se na cama macia, sentindo-se como num sonho. Quem era este estranha, e por que estava ele a ser tão amável com ela? Umahoramais tarde, chegouuma carrinha cheia de roupas. Uma modista foi conduzida ao quarto de Catherine.

- Sou Madame Dimas. Vamos ver o que temos de trabalhar. Importa-se de tirar a roupa?

- Como?

-Quer tirar a roupa? Não consigo saber quais as medidas do seu corpo debaixo dessas roupas.

Há quanto tempo não ficava nua à frente de outra pessoa? Catherine começou a despir a roupa, mexendo-se lentamente, sentindo-se embaraçada. Quando ficou nua à frente da mulher, Madame Dimas olhou-a de um modo sabido. Estava impressionada.

-Tem uma bela figura. Acho que vamos conseguir arranjar-lhe umas coisas bem bonitas.

Duas assistentes entraram com caixas de vestidos, roupa interior, blusas, saias, sapatos.

- Escolha o que quiser - disse a modista -, e vamos experimentar.

-Não posso ficar com nada disto-protestou Catherine. -Não tenho dinheiro.

A modista riu-se.

-Não me parece que o dinheiro seja problema. 0 senhor Demiris vai tratar disso.

-Mas porquê?

Os tecidos trouxeram de volta memórias tácteis de roupas que ela deve ter em tempos usado. Eram sedas, tweeds e algodões numa colecção de cores delicadas. As três mulheres eram despachadas e eficientes, e duas horas depois Catherine tinha meia dúzia de belos conjuntos, Era irresistível. Ali estava ela, sem saber o que fazer da vida. «Estou toda arranjada»,pensou, «sem terpara onde ir.» Mashavia um lugar aonde ir-à cidade. A chave para o que quer que fosse que lhe acontecera estava em Atenas. Estava convencida disso. Levantou-se. «Vamos, estranha. Vamos tentar saber quem tu és.» Catherine atravessava ovestíbulo quando ummordomo a abordou.

-Posso ajudá-la?

-Sim. Eu... eu gostava de ir à cidade. Podia chamar-me um táxi? -Estou certo de que isso não será necessário. Temos limusinas à sua disposição, Vou providenciar um motorista.

Catherine hesitou. -Obrigada.

0 senhorDemiris não gostaria que ela fosse à cidade? Ele não aimpedira.

Uns minutos depois ela estava sentada no banco de trás de uma limusina Daimler,com destino à baixa de Atenas. Catherine estava deslumbrada com a cidade barulhenta e animada e pela pungente sucessão de ruínas e monumentos que surgiam àsua volta. 0 motorista apontou para a frente e disse orgulhosamente: -Aquilo é o Pártenon, no cimo da Acrópole. Catherine fixou o olhar no conhecido edifício de mármore branco. -Dedicado a Atena, a deusa da sabedoria-deu por si a dizer. 0 motorista sorriu com um ar aprovador.

-A menina é estudante de História da Grécia? Lágrimas de frustração enevoaram a visão de Catherine. -Não sei-sussurrou ela.-Não sei.

Passaram por outra ruína.

-0 teatro de Herodes Atticus. Como pode ver, parte das paredes estão ainda de pé. Em tempos sentava mais de cinco mil pessoas. - Seis mil duzentas e cinquenta e sete - disse Catherine num tom suave. Modernos hotéis e imóveis de escritórios viam-se por toda a parte no meio das ruínas intemporais, uma mistura exótica de passado e presente. Alimusina passou por um parque enorme no centro da cidade, com fontes efervescentes e dançantes. Dezenas de mesas com mastros de cor verde e laranjaladeavam o parque, e o ar que os cobria estava atapetado com toldos azuis. «Eu já estive aqui», pensou Catherine, as suas mãos a ficarem frias. «E fui feliz.» Havia esplanadas em quase todos os quarteirões, e nas esquinas homens vendiam esponjas de recolha recente. Por todo o lado havia flores à venda, as barracas dos vendedores urna paixão de flores violentamente coloridas. A limusina havia chegado à Praça Syntagma. Quando passavam por um hotel na esquina, Catherine gritou. - Páre, por favor!

0 motorista encostou à esquina, Catherine estava com dificuldades em respirar. «Estou a reconhecereste hotel. Jáme hospedei aqui,» Quando falou, a voz tremia-lhe.

-Gostava de descer aqui. Será que me podia vir buscar dentro de duas horas?

-Claro que sim. -0 motorista apressou-se a abrir-lhe a porta, e Catherine saiu de encontro ao ar quente de verão. As pernas tremiam-lhe. -A menina está bem?

Ela não teve resposta. Sentiu como se estivesse à beira de um precipício, quase a cair num abismo desconhecido e aterrador. Movimentou-se por entre as multidões, maravilhando-se com as hordas de pessoas que se precipitavam nas ruas, criando um alarido aterador de palavras. Depois do silêncio e solidão do convento, tudo aquilo parecia irreal. Catherine deu por si a caminhar na direcção de Plaka, a parte antiga de Atenas no coração da cidade, com os seus becos serpenteados e as escadarias em ruínas e gastas que davam para casas minísculas, cafés e estruturas caiadas tortuosas. Ela achou o caminho através de algum instinto que não percebeu ou tentou controlar. Passou por uma taberna no topo de um telhado, que dava para a cidade, e ficou parada, a olhar. «Eu já estive sentada àquela mesa. Deram-me uma ementa em grego. Eramos três. 0 que é que queres comer? perguntaram. Importam-se de pedir por mim? Não vá eu pedir ao proprietário. Eles riram-se. Mas quem eram eles?» Um empregado aproximou-se de Catherine. -Goro na sas ooithiso?

-Ochi efharisto.

« Posso ajudá-la? Não, obrigada. Como é que eu soube responder? Sou grega?»

Catherine avançou precipitadamente, e era como se alguém estivesse a conduzi-la. Ela sabia exactamente para onde ir.

Tudo parecia familiar. E nada. «Meu Deus», pensou ela, «estou a enlouquecer. Estou alucinada.» Passou por um café chamado Treflinkas. Uma lembrança importunava-a nas partes remotas do pensamento. Acontecera-lhe algo aqui, algo de importante. Não conseguia lembrar-se do que era. Atravessou as ruas movimentadas e sinuosas e virou à esquerda na Voukourestiou. Havia muitas lojas elegantes. «Eu fazia compras aqui.» Começou a cruzar a rua, e uma viatura azul surgiu veloz na esquina, quase que a atropelava. Lembrou-se de uma voz que lhe disse: «Os gregos não fizeram a transição para o automóvel. No fundo, ainda andam de burro. Se queres entender os gregos, não leias os guias; lê as velhas tragédias gregas. Nós estamos repletos de paixões grandiosas, alegrias profundas e grandes mágoas, e não aprendemos a disfarçá-las com um verniz civilizado.»

Quem lhe dissera isso? Um homem descia a rua apressado, caminhando na direcção dela, olhando-a fixamente. Ele abrandou, um olhar de reconhecimento no seu rosto. Era alto e moreno, e Catherine tinha a certeza de não o ter visto antes. E no entanto...

-Viva. - Ele parecia muito feliz por vê-la.

- Olá. - Catherine respirou fundo. -0 senhor conhece-me? Ele tinha um sorriso largo.

-Claro que a conheço.

Catherine sentiu o coração saltar. Ela ia finalmente saber a verdade acerca do passado. Mas como é que se diz «Quem sou eu?» a um estranho numa rua cheia de gente?

-Podíamos... podíamos conversar?-perguntouCatherine. -Acho que devíamos.

Catherine estava à beira do pânico. 0 mistério da sua identidade estava prestes a ser solucionado. E, no entanto, sentia um medo terrível. «E se eu não quiser saber? E se eu fiz algo de terrível?» 0 homem levava-a para uma taberna ao ar livre. -Estou tão feliz por encontrá-la - disse ele. Catherine engoliu em seco.

-Também eu.

Um criado de mesa conduziu-os a uma mesa,

-0 que que gostaria de tomar?-perguntou o homem. Ela abanou a cabeça.

-Nada.

Havia tantas perguntas a fazer. «Por onde começo?»

- Você é muita bonita - disse o homem. - Foi o destino. Não concorda?

-É verdade. - Ela quase tremia de excitação. Inspirou profundamente. -Eu ... onde foi que nós nos conhecemos?