A seguinte estava datada de 1950. Não era nítida, mas mostrava o rosto e os ombros do mesmo homem. Era um instantâneo e Bond aparecia olhando cautelosamente, os olhos semicerrados, para alguma coisa, talvez para a face do fotógrafo logo acima das lentes. A câmera deveria ter sido uma dessas miniaturas de lapela, pensou o general G.
A terceira era de 1951. Tomada do lado esquerdo, e bem próxima, mostrava o mesmo homem, num terno escuro, sem chapéu, caminhando por uma larga rua deserta. Passava ele por uma loja fechada, cujo dístico indicava "Charcuterie". Parecia dirigir-se com urgência a algum lugar. O perfil bem cinzelado apontava para a frente e a curva do cotovelo direito indicava que sua mão devia estar no bolso do casaco. O general G. pensou que essa fotografia provavelmente fora tirada de dentro de um carro. Achou que a aparência decidida do homem e seu andar elástico pareciam perigosos, como se ele se dirigisse em direção a algum tumulto que estivesse acontecendo no fim da rua.
A quarta e última fotografia estava marcada "Passe, 1953". No canto inferior direito, apareciam a borda do selo real e as letras "...REIGN OFFICE" dentro do segmento de um círculo. A foto-miniatura talvez tivesse sido tirada na fronteira, ou por algum hoteleiro a quem Bond apresentara o passaporte. O general G. examinou-a detidamente com a lente.
Mostrava um rosto moreno, de traços bem marcados, com uma longa cicatriz esbranquiçada sobre a pele queimada, na face direita. Os olhos eram grandes e horizontais, sob negras sobrancelhas retas, e um tanto longas. O cabelo era negro, repartido do lado esquerdo e descuidadamente penteado de molde a permitir que um espessa mecha caísse sobre a fronte direita. O nariz longo e reto encimava a boca rasgada e finamente modelada, um tanto cruel, e com um lábio superior curto. A linha do queixo era reta e firme. A fotografia era completada por uma nesga do terno escuro, da camisa branca e da gravata de crochê preta.
O general G. esticou o braço e olhou a fotografia à distância. Podia ver as seguintes qualidades: decisão, autoridade e crueldade. Não se importava com o que mais pudesse sentir esse homem. Passou a fotografia aos outros e voltou sua atenção para o arquivo, olhando brevemente cada página e virando bruscamente a seguinte.
As fotografias foram-lhe devolvidas. Apontou com o dedo o lugar onde parará a leitura e ergueu os olhos. — Parece ser um indivíduo perigoso — disse em tom severo. — Sua história o confirma. Lerei alguns trechos. Depois decidiremos. Já está ficando tarde. — Voltou para a primeira página e selecionou os trechos que lhe chamaram a atenção.
— Primeiro nome: JAMES. Altura: 1 metro e 83; peso: 76 quilos; compleição esguia; olhos: azuis; cabelos: pretos; cicatriz na face direita e no ombro esquerdo; sinais de cirurgia plástica no dorso da mão direita (ver adendo "A") ; atleta versátil; perito em tiro de pistola, boxe e arremesso de faca; não usa disfarces. Idiomas: francês e alemão. Fuma em excesso (N.B.: cigarros especiais com três faixas douradas) ; vícios: bebida, mas não em excesso, e mulheres. Não parece ser passível de suborno.
O general G. pulou uma página e continuou:
— Esse homem está sempre armado com uma Beretta automática .25, que carrega numa cartucheira debaixo do braço esquerdo. O pente da arma dá para oito balas. Dizem que usa uma faca atada ao antebraço esquerdo; já usou sapatos com ponteiras de aço; conhece os golpes básicos de judô. Em geral, luta com tenacidade e tem grande tolerância pela dor (ver adendo "B").
O general G. folheou outras páginas que continham excertos dos relatórios dos agentes, dos quais haviam sido tiradas essas informações. Chegou à última página antes dos adendos, a qual continha trechos dos casos nos quais se envolvera Bond. Volveu os seus olhos para as últimas linhas, e leu: — Conclusão. Este homem é um perigoso espião e terrorista profissional. Trabalha para o Serviço Secreto Britânico desde 1938 e atualmente (ver a ficha Highsmith de dezembro de 1950) tem o número secreto "007", desse Serviço. Os dois zeros significam que já cometeu um assassínio, e teve o privilégio de fazê-lo em ação. Julga-se que apenas dois outros agentes britânicos gozam desse mesmo privilégio. O fato de que esse espião tenha sido condecorado com o C.M.G., em 1953, comenda geralmente só concedida em casos de aposentadoria, dá a medida do seu valor. Se for encontrado em campo, o fato e todos os detalhes devem ser informados ao quartel-general (consultar as Ordens Expressas da SMERSH, M.G.B. e G.R.U., de 1951 em diante).
O general G. fechou a pasta e lançou a mão espalmada, com decisão, sobre a capa. — Bem, Camaradas. Estamos de acordo?
— Sim — disse o coronel Nikitin, em alta voz.
— Sim — respondeu o general Slavin em tom aborrecido.
O general Vozdvichensky olhava para as unhas. Estava farto de mortes. Havia gostado do tempo que passara na Inglaterra. — Sim — disse. — Creio que sim.
A mão do general G. dirigiu-se para o telefone da linha interna. Falou com o ajudante de ordens. — Autorização de morte — falou bruscamente. — Dada contra James Bond. — Soletrou o nome. — Descrição: "Angliski Spion". Crime: "Inimigo do Estado." Desligou o telefone e inclinou-se para frente. — E agora temos apenas de elaborar uma "konspiratsia" apropriada. E uma que não falhe! — Sorriu cruelmente. — Não podemos ter outro caso como o Khoklov.
A porta abriu-se e o ajudante de ordens entrou trazendo uma folha de papel de cor amarelo-clara. Colocou-a em frente ao general G., e saiu. Este correu os olhos sobre o papel e escreveu: "Deve ser morto. Grubozaboyschikov", no cabeçalho do largo espaço em branco, ao fim da página. Passou o papel para o representante da M.G.B., que escreveu, depois de o ler: "Matem-no. Nikitin", e passou-o por cima da mesa ao chefe do G.R.U. que também escreveu "Matem-no. Slavin". Um dos ajudantes de ordens passou o papel ao civil que se achava ao lado do representante do R. U. M. I. D. Ele o colocou em frente ao general Vozdvichensky e deu-lhe uma caneta.
Este leu o documento, cuidadosamente. Ergueu os olhos, vagarosamente, para o general G. que o observava e, sem baixá-los, garatujou um "Matem-no", mais ou menos sob as demais assinaturas, e firmou a seguir o seu próprio nome. Depois disso, retirou as mãos de sobre o papel e levantou-se.
— É só, camarada general? — perguntou, enquanto empurrava a cadeira.
O general G. estava satisfeito. Sua intuição sobre o outro fora correta. Teria de mantê-lo sob vigilância e transmitir suas suspeitas ao general Serov. — Um momento, camarada general — disse. — Tenho algo mais a acrescentar à autorização.
O documento foi-lhe devolvido. Tomou da caneta e rabiscou o que escrevera. Tornou a escrever, ditando os termos.
— Deve ser morto COM IGNOMÍNIA. Grubozaboyschikov.
Ergueu os olhos e sorriu satisfeito para os demais. — Obrigado, camaradas. E' só. Transmitir-lhes-ei a decisão que o Presidium tomar a respeito de nossa deliberação. Boa noite.
Depois que a conferência se dissolveu, o general G. ergueu-se, espreguiçou-se e bocejou sonoramente. Tornou a sentar-se à escrivaninha, desligou o gravador de fita e tocou a campainha para chamar o ajudante de ordens. Este entrou e parou ao lado da mesa.
O general G. deu-lhe o papel amarelo. — Envie isto ao general Serov, imediatamente. Descubra onde está Kronsteen e mande buscá-lo de carro. Não me interessa que já esteja deitado. Terá de vir. O Otdyel II saberá onde encontrá-lo. E quero ver a coronel Klebb dentro de dez minutos.
— Sim, camarada general. — O homem saiu da sala. O general G. apanhou o receptor marcado V.Ch. e chamou o general Serov. Falou calmamente durante cinco minutos. Por fim, disse: — Estou agora em vias de transmitir as tarefas à coronel Klebb e a Kronsteen, o planificador. Discutiremos o esboço de uma "konspiratsia" adequada e eles deverão trazer-me, amanhã, suas propostas detalhadas. Tudo certo, camarada general?