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Relanceou os olhos úmidos para o ordinário relógio de pulso. Faltavam apenas sete minutos! Sentiu-se tomada de pânico. Esfregou os olhos com o antebraço e apanhou o uniforme de gala. Se, além de tudo, fosse lá o que fosse, ainda chegasse atrasada! Desabotoou nervosamente a blusa branca, de algodão.

Enquanto se vestia, lavava o rosto e escovava o cabelo, continuava a perscrutar mentalmente o perigoso mistério, como uma criança curiosa que enfiasse uma varinha num covil de serpentes. De qualquer ângulo que explorasse a furna, a resposta seria um ameaçador sibilar.

Independente da natureza da sua culpa, qualquer contato com um dos tentáculos da SMERSH era de se temer. O próprio nome da organização era odiado e evitado. SMERSH, "Smiert Spionam", Morte aos Espiões. Era uma palavra hedionda, emanada de um túmulo, o próprio sussurro da morte, uma palavra evitada até mesmo nas palestras de escritório, entre amigos. O pior de tudo dentro dessa organização, seu horrendo núcleo, era o Otdyel II, o Departamento de Tortura e Morte.

E a cabeça do Otdyel II era uma mulher, Rosa Klebb! Corriam rumores inacreditáveis sobre essa mulher, coisas que perseguiam Tatiana em seus pesadelos e que ela procurava esquecer durante o dia, mas que, agora, repassava na memória.

Diziam que Rosa Klebb não permitia que se desse início a uma tortura, sem ela estar presente. Guardava na sua sala uma bata manchada de sangue e uma cadeira de dobrar. Diziam também que, quando era vista correndo pelos corredores do porão, envergando a bata e com a cadeira na mão, a notícia era passada adiante, e até mesmo os funcionários da SMERSH diminuíam o tom de voz e vergavam a cabeça sobre seu trabalho (talvez até cruzassem os dedos, dentro do bolso) até que ela voltasse para o escritório.

Corriam rumores de que ela colocava a cadeira bem próximo ao rosto pendente do homem ou da mulher que estivesse atado à mesa de interrogatórios. Depois, acomodava-se pesadamente sobre a cadeira, olhava a face da vítima e dizia: — N.° 1 (ou n.° 10, ou n.° 25) — e os inquisidores, sabendo o que pretendia, dariam início à tarefa. Ela observava os olhos da vítima, a poucos centímetros dos seus, e aspirava os gritos como se fossem perfume. E, dependendo do que lesse nos olhos, mudaria calmamente a tortura, dizendo: — Agora, o n.° 36. — Ou: — Mude para o n.° 64 — e os inquisidores fariam outra coisa. Quando a coragem e a resistência se dissipassem dos olhos, e estes começassem a enfraquecer e a implorar, ela começaria então a arrulhar, suavemente. — Vamos, vamos, minha pombinha. Fale comigo, meu bem, e eu mando parar. Isso dói. Ah, como dói, minha querida. E a dor cansa tanto! A gente quer que ela pare e nunca mais recomece, tem vontade de se deitar em paz. Sua mamãe está aqui ao seu lado, esperando que a dor passe. Tem uma caminha quente à sua espera, onde você poderá dormir e esquecer, esquecer, esquecer. Fale — diria carinhosamente. — É só falar e novamente terá paz e não sentirá mais dor. — Se os olhos ainda demonstrassem alguma resistência, o arrulhar começaria de novo. — Mas como você é tolinha, minha querida. Tão tolinha. Essa dor não é nada. Nada! Pois bem, então sua mamãe terá de tentar um pouquinho, só um pouquinho, do n.° 87. — E os carrascos ouviriam e mudariam de instrumentos e de alvo, enquanto ela permanecia refestelada, observando a vida esvair-se lentamente daqueles olhos, até que ela teria de gritar ao ouvido da pessoa para que suas palavras chegassem até o cérebro.

Mas era muito raro, segundo diziam, que uma pessoa pudesse ir longe na estrada de dor da SMERSH. E muito menos até ao fim. Quando a voz suave prometia paz, geralmente conseguia o seu objetivo. Rosa Klebb reconhecia pelo olhar o momento exato em que um adulto voltava a ser criança e implorava a ajuda da mãe. Ela fornecia então a imagem dessa mãe, amolecendo a vontade, quando esta se teria endurecido ante a voz brutal de um homem.

Depois, quando mais um suspeito cedia, Rosa Klebb voltava pelo corredor levando a sua cadeira, tirava a bata coberta por novas manchas e retornava ao seu trabalho. Correria então a notícia de que tudo estava terminado e a atividade normal voltava ao porão.

Tatiana, intimidada por seus pensamentos, tornou a olhar para o relógio. Faltavam quatro minutos. Passou as mãos pelo uniforme e voltou a olhar o rosto pálido no espelho. Voltou-se e deu adeus ao quartinho querido que lhe era tão familiar. Tornaria a vê-lo?

Caminhou até o fim do longo corredor e tocou a campainha do elevador. Quando este chegou, endireitou os ombros, ergueu o queixo e entrou, como se estivesse subindo a plataforma da guilhotina.

— Oitavo — disse para a ascensorista. Ficou de frente para as portas. No íntimo, lembrou-se de uma palavra que não usava desde a infância, e repetiu sem cessar: — Meu Deus! Meu Deus! Meu Deus!

 

Capítulo 9 — UMA TAREFA AMOROSA

 

DO lado de fora da porta comum, pintada de cor creme, Tatiana já podia sentir o odor que emanava do lado de dentro. Quando a voz lhe disse bruscamente que entrasse e ela abriu a porta, foi esse odor o que mais a impressionou, enquanto mirava os olhos da mulher que estava sentada no lado oposto de uma mesa redonda, bem em baixo do lustre central.

Era o odor do metrô numa tarde quente: perfume barato tentando encobrir o cheiro de corpo. O povo da Rússia abusa do perfume, quer tenha tomado banho, quer não, mas principalmente quando não toma, e jovens asseadas e saudáveis como Tatiana sempre voltam para casa a pé, depois do trabalho, a menos que a chuva ou a neve estejam muito fortes, para evitar o mau cheiro dos trens ou do metrô.

Agora, Tatiana achava-se envolta pelo tal odor. Suas narinas fremiram de repugnância.

Foram o nojo e o desprezo por uma pessoa que consegue viver em meio a tal cheiro que a ajudaram a encarar os olhos amarelados que a fitavam por trás das lentes quadradas. Eram imperscrutáveis. Estavam na expectativa, nada deixavam transparecer. Eles a examinaram vagarosamente, como lentes de uma câmara, procurando analisá-la.

A coronel Klebb falou:

— É muito bonita, camarada cabo. Dê uma volta pela sala.

Que significavam essas palavras melífluas? Tensa por um novo temor, proveniente dos notórios hábitos pessoais daquela mulher, Tatiana obedeceu.

— Tire a túnica. Coloque-a sobre a cadeira. Erga as mãos acima da cabeça. Mais alto. Curve-se agora e toque a ponta dos pés. Endireite-se. Ótimo. Sente-se. A mulher falava como um médico. Acenou em direção à cadeira em frente, perto da mesa. Seus olhos fixos e inquiridores velaram-se quando dirigiu a atenção para o fichário, sobre a mesa.

"Deve ser o meu "zapiska", pensou Tatiana. Como era interessante alguém ver o instrumento do qual dependia toda a sua vida. E como era volumoso. Tinha quase cinco centímetros de espessura. Que conteriam aquelas páginas? Olhou fascinada para a pasta aberta.

A coronel Klebb repassou as últimas páginas e fechou a capa alaranjada com uma lista preta, em diagonal. Que significariam aquelas cores?

A mulher ergueu o olhar. Tatiana conseguiu encará-la corajosamente.

— Camarada cabo Romanova. — Era a voz da autoridade, da alta patente. — Recebi relatórios favoráveis sobre o seu trabalho. Seu prontuário é excelente, no que se refere tanto ao dever como ao esporte. O Estado está satisfeito com você.

Tatiana não podia acreditar no que ouvia. Sua reação foi de fraqueza. Corou até à raiz dos cabelos e depois ficou pálida. Colocou uma das mãos na borda da mesa. Gaguejou em voz débiclass="underline" — Estou g...grata, camarada coronel.

— Devido aos seus excelentes serviços, foi destacada para uma missão de grande importância. É uma grande honra para você. Compreende?

Fosse lá o que fosse, era melhor do que poderia esperar. — Sim, perfeitamente, camarada coronel.