Выбрать главу

A jovem não usava nada debaixo da blusa. De pele agradàvelmente bronzeada, seus ombros e os belos seios irradiavam saúde. Quando ergueu os braços para desabotoar o lado da saia, pôs à mostra pequenos tufos de pelos louros nas axilas. A impressão que dava, de uma camponesa agreste e saudável, foi acentuada pelos quadris robustos ajustados por um calção de banho de um azul desbotado, e pelas coxas e pernas curtas e grossas, que se revelaram ao despir-se.

A jovem colocou a saia cuidadosamente ao lado da blusa, abriu a bolsa de fibra, tirou uma velha garrafa de soda cheia de um líquido incolor e denso, e dirigiu-se para o homem, ajoelhando-se ao lado dele na grama. Derramou-lhe nas costas um pouco daquele líquido, um óleo fino com perfume de rosa, como tudo o mais na redondeza, e, depois de flexionar os dedos como uma pianista, começou a massagear-lhe os músculos da nuca.

Trabalho pesado. O homem era tremendamente forte e os músculos salientes, na base do pescoço, mal cediam aos polegares da jovem, mesmo quando ela pressionava com o peso dos ombros. Ao terminar, estaria molhada de suor e tão exausta que mergulharia na piscina e depois iria deitar-se à sombra até que o carro a viesse buscar. Mas não era isso o que mais a incomodava enquanto as mãos trabalhavam automaticamente nas costas do homem: era o terror instintivo pelo corpo mais belo que jamais vira.

Esse terror não transparecia na face larga e impassível da massagista, e os olhos oblíquos sob a franja das grossas pestanas negras e curtas estavam tão vazios quanto uma bolha de sabão. Mas por dentro o animal gemia acuado e, se ela tivesse a idéia de controlar sua pulsação, veria que estava acelerada.

Ainda uma vez, como já o fizera tantas vezes durante os dois últimos anos, imaginou porque se enojava ante um físico tão perfeito e, novamente, tentou analisar superficialmente sua repulsa. Talvez conseguisse agora livrar-se das sensações que, com um sentimento de culpa, admitia serem muito menos profissionais do que o desejo sexual que alguns de seus pacientes lhe despertavam.

A começar pelas pequenas coisas: o cabelo. Ela contemplou a cabeça redonda e pequena presa ao pescoço vigoroso. Era coberta por ondas assentadas, de um louro avermelhado, que deveria fazê-la lembrar-se, agradavelmente, do cabelo-padrão que vira nas esculturas clássicas. Mas as ondas eram assentadas demais, miúdas e muito grudadas contra o crânio. Davam-lhe uma sensação desagradável, como se passasse as unhas contra um tapete de crina. E as ondas douradas desciam até à base do pescoço; quase (pensou ela, em termos profissionais) até à quinta vértebra cervical. E ali paravam bruscamente, mesclando-se numa linha de louros cabelos espetados.

A jovem parou, a fim de descansar as mãos, e sentou-se sobre os calcanhares. O belo torso já brilhava com a transpiração. Enxugou a testa com o antebraço e tornou a pegar a garrafa de óleo. Derramou cerca de uma colher de sopa sobre a pequena planície cabeluda, na base da espinha do homem, flexionou os dedos e tornou a curvar-se.

Num amante, a cauda embrionária de pêlos louros, sobre a cova das nádegas, seria excitante. Nesse homem, parecia-lhe bestial. Não: lembrava-lhe um réptil. Mas cobra não tem pêlo. De qualquer forma, não podia descrevê-lo de outra maneira. Réptil era o termo. Comprimiu com as mãos as duas protuberâncias formadas pelos músculos glúteos. Era nessa ocasião que muitos clientes seus, especialmente os jovens jogadores de futebol, começavam a gracejar. E então, se não tivesse cuidado, viriam as sugestões. Às vezes, ela os silenciava comprimindo subitamente o nervo ciático. Outras então, particularmente se o homem lhe agradava, surgiam discussões em tom jocoso, uma breve luta, seguida de rápida e deliciosa rendição.

Com esse homem era diferente: quase misteriosamente diferente. Desde o início, comportara-se como uma posta de carne inanimada. Durante dois anos, jamais lhe dirigira a palavra. Quando terminava a massagem nas costas e ele se virava, nem os olhos nem o corpo jamais demonstraram o menor interesse por ela. Quando lhe dava uma palmadinha no ombro, ele voltava-se, contemplava o céu, com os olhos semicerrados e, uma vez ou outra, dava um longo bocejo, o único indício de que, afinal, possuía reações humanas.

A jovem mudou de posição e vagarosamente deslizou as mãos pela perna esquerda até o tendão de Aquiles. Sua repulsa seria apenas física? Seria provocada pela pele de um branco leitoso, agora avermelhada pelo sol, dando a impressão de carne mal assada? Seria a própria tessitura da pele, os poros profundos e espaçados na superfície lisa? As sardas cor de laranja espalhadas sobre os ombros? Ou seria falta de sexualidade a indiferença demonstrada por esses esplêndidos e volumosos músculos? Ou seria espirituaclass="underline" um instinto animal prevenindo que dentro desse belo corpo havia um ser perverso?

A massagista levantou-se e girou a cabeça vagarosamente, de um lado para o outro, ao mesmo tempo que flexionava os ombros. Esticou os braços para os lados e depois para cima, conservando-os nessa posição, por algum tempo, a fim de descongestioná-los. Caminhou até à bolsa de fibra e de lá tirou uma toalha com a qual enxugou a transpiração do rosto e do corpo.

Quando se voltou para o homem, ele já se havia virado, e agora permanecia com a cabeça deitada sobre uma das mãos espalmadas, olhando vagamente para o céu. O outro braço descansava sobre o gramado, à espera da massagem. Ela aproximou-se e ajoelhou-se na grama, por trás da cabeça do homem. Esfregou um pouco de óleo nas mãos, pegou aquela mão inerte e entreaberta, e começou a flexionar os dedos curtos e grossos.

A jovem olhou nervosamente de soslaio para o rosto queimado, sob os cabelos ondeados e louros. A aparência era boa: de uma beleza rude e juvenil, com as faces rotundas e coradas, o nariz arrebitado e o queixo redondo. Mas, olhando-se atentamente, notava-se um traço cruel nos lábios finos e contraídos; as narinas abertas e o nariz arrebitado tinham um quê de suíno; e a falta de expressão dos olhos azuis-claros comunicava-se ao resto da fisionomia, fazendo-a parecer inerte e cadavérica. Isso dava à jovem a impressão de que alguém pintara o rosto de uma boneca de porcelana de forma a causar horror.

A massagista continuou a trabalhar no braço até o saliente bíceps. Onde teria o homem desenvolvido tal musculatura? Seria um lutador de boxe? Que fazia ele com esse corpo avantajado? Comentava-se que a vila pertencia à polícia. Os dois empregados eram evidentemente guardas, embora cozinhassem e fizessem o serviço da casa. Todos os meses, o homem ausentava-se por alguns dias e ela recebia ordem para não ir. E, de tempos a tempos, diziam-lhe que não aparecesse durante uma semana ou duas, ou um mês. De uma vez, após uma dessas ausências, o pescoço e o tórax do homem estavam cobertos de equimoses. De outra, um curativo sobre as costelas, na altura do coração, deixava aparecer o canto de uma ferida mal cicatrizada. Nunca ousara inquirir a seu respeito lá no hospital ou na cidade. Quando fora pela primeira vez à casa, um dos empregados lhe dissera que, se fizesse algum comentário sobre o que iria ver, iria para a prisão. Lá no hospital, o diretor-superintendente que nunca notara a sua existência antes disso, mandou chamá-la e disse-lhe a mesma coisa. Seria presa. Os vagarosos dedos da jovem enfiaram-se nervosamente no grande deltóide, na extremidade do ombro. Sempre soubera que se tratava de um caso de segurança do Estado. Talvez fosse isso o que lhe repugnava nesse corpo magnífico. Talvez fosse apenas medo da organização que mantinha o corpo sob custódia. Cerrou os olhos com força, ao lembrar-se de quem poderia ser o homem, do que poderia mandar fazer-lhe. Abriu-os de novo, rapidamente. Ele podia ter notado. Mas aqueles olhos fitavam o céu de uma forma absorta.

Tornou a pegar o vidro de óleo, para estender a massagem ao rosto.