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Mal os polegares da jovem haviam comprimido as órbitas dos olhos cerrados, o telefone da casa começou a tocar. O som fez-se ouvir insistentemente na quietude do jardim. Imediatamente o homem ficou sobre um joelho, como um corredor que aguarda o tiro de partida. Mas não se adiantou. A campainha deixou de tocar. Ouviu-se o murmúrio de uma voz. A jovem não podia entender o que era dito, mas o tom era servil, como quem recebe instruções. A voz parou, e um dos empregados surgiu rapidamente na porta, fez um aceno de chamada e voltou para a casa. Mal o gesto fora feito e o homem despido já corria. Ela observou as costas morenas reaparecerem pela porta de vidro. Era melhor que, ao voltar, ele não a encontrasse ali, sem fazer nada, talvez escutando. Ela se ergueu, deu dois passos em direção à borda da piscina e nela mergulhou graciosamente.

Era bem melhor, para sua paz de espírito, que ela desconhecesse a identidade do homem, embora isso explicasse seus instintos em relação àquele de cujo corpo tratava.

Seu verdadeiro nome era Donovan Grant, ou "Red" Grant. Mas durante os dez últimos anos, fora Krassno Granitski ou, em código, "Granit".

Era o carrasco-chefe da SMERSH, o "apparat" exterminador da M.G.B. e, neste instante, recebia ordens na linha direta que ligava a M.G.B. a Moscou.

Capítulo 2 — O SANGUINÁRIO

 

GRANT colocou o fone, suavemente, no gancho e ficou olhando para ele.

O guarda, cuja cabeça tinha um formato cônico, em pé ao seu lado, disse:

— É melhor que se vá.

— Eles disseram-lhe algo sobre o trabalho? — Grant falava muito bem o russo, mas com forte sotaque. Poderia passar por oriundo de qualquer das províncias bálticas da URSS. O timbre da voz era alto e inexpressivo como se recitasse uma passagem monótona de um livro.

— Não. Apenas que sua presença é desejada em Moscou. O avião está a caminho. Deve chegar dentro de uma hora. Meia hora para reabastecer e depois três ou quatro horas, dependendo de fazerem ou não escala em Kharkov. Chegará em Moscou à meia-noite. É melhor preparar a mala. Vou chamar o carro.

Grant levantou-se, nervosamente.

— Sim. Tem razão. Mas nem ao menos disseram se é algum plano? A gente gosta de saber. A linha é particular; podiam ter dado uma pista. Geralmente o fazem.

— Desta vez, não.

Grant saiu vagarosamente pela porta de vidro, em direção ao gramado. Se notou a jovem sentada na borda oposta da piscina, não deu o menor indício. Abaixou-se e pegou o livro, apanhou os dourados troféus ganhos na profissão e retornou à casa subindo a curta escada até o quarto.

Este era frio e mobiliado apenas com uma cama de ferro, na qual os lençóis pendiam, de um lado, até o chão; uma cadeira de vime; uma cômoda sem pintura, e um lavatório barato com uma bacia de alumínio. O chão estava cheio de revistas americanas e inglesas. Livros de mistérios em brochuras vistosas ou encadernados estavam empilhados contra a parede, sob a janela.

Grant abaixou-se e pegou de sob a cama uma surrada maleta de fibra italiana. Colocou dentro dela a roupa bem passada, de aparência discreta e barata, que selecionou dentre as que estavam na cômoda. Depois lavou o corpo, apressadamente, com água fria e sabonete com o inevitável aroma de rosas e enxugou-se com um dos lençóis da cama.

Ouviu-se lá fora o ruído do carro. Grant vestiu-se depressa com roupas tão escuras e discretas quanto as que emalara, colocou o relógio de pulso, pôs nos bolsos o resto dos pertences, apanhou a maleta e desceu as escadas.

A porta da frente estava aberta. Podia ver os dois guardas conversando com o motorista de um velho modelo ZIS.

— Idiotas — pensou. (Ainda coordenava a maioria dos pensamentos em inglês.) — Provavelmente estarão lhe dizendo que devo ser posto a bordo do avião. Certamente não podem imaginar que um estrangeiro queira viver neste maldito país. Os olhos frios tornaram-se irônicos quando Grant pousou a maleta na soleira da porta e procurou um dentre os vários sobretudos que se achavam pendurados em cabides, na porta da cozinha. Encontrou seu "uniforme", uma capa de chuva, parda, e o boné de pano preto do oficialato soviético, vestiu-os, apanhou a maleta e saiu, colocando-se ao lado do motorista que trajava à paisana, ao mesmo tempo que empurrava um dos guardas.

Os dois homens recuaram, sem nada dizer, mas dirigindo-lhe um olhar frio. O motorista retirou o pé do desembreio, e o carro, já com a marcha engatada, acelerou rapidamente pela estrada poeirenta.

A vila achava-se na extremidade sudeste da costa da Criméia, entre Feodosiya e Ialta. Era uma das muitas "datchas" oficiais para veraneio, ao longo da montanhosa costa que parte da Riviera Russa. Red Grant sabia que era um imenso privilégio estar hospedado ali, em vez de estar em alguma sombria vila nos arrabaldes de Moscou. Enquanto o carro galgava as montanhas, pensou que eles, na realidade, lhe proporcionavam o melhor dos tratamentos, embora esse interesse pelo seu bem-estar obedecesse a um objetivo calculista.

A viagem de quarenta milhas até o aeroporto de Simferopol levou uma hora. Não havia outros carros na estrada e as raras carroças que encontraram, vindas dos vinhedos, afastaram-se rapidamente ao ouvirem o som da buzina. Como em todas as partes da Rússia, um carro significava um membro do governo, e isso era sempre sinal de perigo.

Havia rosas por todos os lados. Campos cobertos por elas, alterando-se com os vinhedos; sebes ao longo da estrada e, à entrada do aeroporto, um enorme canteiro circular plantado com variedades vermelhas e brancas, formando uma estrela vermelha sobre fundo branco. Grant estava farto de rosas e ansiava por chegar a Moscou, a fim de livrar-se do seu odor adocicado.

Atravessaram a entrada do aeroporto civil e seguiram cerca de uma milha, ao longo de um alto muro, até o lado militar do campo. À entrada de um elevado portão de arame, o motorista apresentou o seu passe a dois sentinelas armados de metralhadoras e prosseguiu até à pista de asfalto. Lá havia diversos aviões: grandes aeronaves camufladas para transportes militares, pequenos bimotores para treinamento e dois helicópteros da Marinha. O motorista parou para perguntar a um homem vestido de macacão onde se encontrava o avião de Grant. Imediatamente, um som metálico fez-se ouvir, vindo da torre de controle, e um alto-falante gritou-lhes: — À esquerda. Na extrema esquerda. Prefixo V-BO.

O motorista aprestava-se para cumprir a ordem, seguindo através a pista de asfalto, quando a voz metálica latiu novamente: — Pare!

Enquanto o motorista pisava no freio, ouviu-se um ruído ensurdecedor acima de sua cabeça. Ambos curvaram-se instintivamente quando uma esquadrilha de quatro MIGs 17 surgiu do poente e deslizou sobre eles, com os freios aerodinâmicos prontos para aterrissar. Os aviões atingiram a pista, um após o outro, largando baforadas de fumaça azul pela fricção do pneu dianteiro contra o solo e, com os tubos de jato em ação, fizeram o táxi até à longínqua linha de demarcação e dali de volta à torre de controle e aos hangares.

— Continuem!

Cem metros além, depararam com um avião marcado pelas letras V-BO. Era um bimotor Ilyushin 12. Uma pequena escada de alumínio pendia da porta da cabine e o carro parou ao seu lado. Um membro da tripulação apareceu à porta. Desceu a escada e examinou o passe do motorista e os documentos de identidade de Grant; depois despediu o primeiro e fez sinal a Grant para que o seguisse. Não se ofereceu para ajudá-lo com a maleta, mas Grant levou-a escada acima, como se ela não pesasse mais do que um livro. O tripulante içou a escada, fechou a larga porta e dirigiu-se à cabine de comando.

Havia vinte lugares vazios à disposição. Grant acomodou-se no mais próximo à porta e apertou o cinto de segurança. Através da porta aberta que levava à cabine de comando, ouviu-se uma breve conversa com a torre de controle; os dois motores gemeram, tossiram e puseram-se em movimento. O avião virou-se tão rapidamente quanto um carro, dirigiu-se à cabeceira da pista norte-sul e, sem maiores delongas, correu por ela até levantar vôo.