Grant desamarrou o cinto de segurança, acendeu um cigarro "Troika" de ponteira dourada e recostou-se confortavelmente para refletir sobre sua carreira passada e considerar o futuro imediato.
Donovan Grant era o fruto de uma união, à meia-noite, entre um levantador profissional de pesos, alemão, e uma servente sul-irlandesa. A união durou cerca de quinze minutos na grama úmida atrás de uma tenda de circo, na periferia de Belfast. Depois disso, o pai deu à mãe meia coroa e ela voltou muito satisfeita para a sua cama, na cozinha de um café perto da estação da estrada de ferro. Quando ficou esperando bebê, foi morar com uma tia, na pequena aldeia de Aughmacloy encravada na fronteira, e ali, seis meses depois, morreu de febre puerperal, após dar à luz um menino que pesava doze libras. Antes de morrer, disse que o menino deveria chamar-se Donovan (o levantador de peso intitulara-se "O Grande O'Donovan") e Grant, que era o seu nome próprio.
O garoto foi criado, sem grande boa vontade, pela tia e cresceu saudável e extremamente forte, mas muito retraído. Não tinha amigos. Recusava-se a entrar em contato com outras crianças e, quando queria algo que lhes pertencia, tomava-o à força. Na escola local, continuou a ser malquisto e temido, mas conseguiu projetar-se nas feiras de amostras, através do boxe e da luta-livre, quando logrou vencer rapazes muito mais velhos e maiores, pela fúria sanguinária do seu ataque aliada à malícia.
Foi com as lutas que atraiu a atenção dos Sinn-Feiners, que usavam Aughmacloy como principal conexão das suas idas e vindas do norte ao sul, e também dos contrabandistas locais que utilizavam a aldeia para o mesmo fim. Quando deixou a escola, tornou-se capanga de ambos os grupos. Pagavam bem pelo trabalho, mas o viam o menos possível.
Foi nessa época que o seu corpo começou a sentir ímpetos estranhos e violentos, na época da lua cheia. Quando em outubro (tinha então dezesseis anos) sentiu pela primeira vez "o Impulso", como o denominava, saiu e estrangulou um gato. Isso o fez "sentir-se melhor" durante todo um mês. Em novembro, foi um enorme cão pastor, e no Natal, esfaqueou o pescoço de uma vaca, à meia-noite, no estábulo de um vizinho. Esses atos fizeram-no "sentir-se bem". Tinha raciocínio suficiente para saber que, em breve, toda a aldeia começaria a estranhar essas mortes misteriosas, e por isso comprou uma bicicleta e, uma noite por mês, pedalava em direção ao campo. Às vezes, tinha de andar muito até conseguir o que desejava, e depois de dois meses, em que teve de se contentar apenas com gansos e frangos, arriscou-se e degolou um vagabundo que dormia.
Encontrava tão poucas pessoas à noite, que logo começou a percorrer as estradas mais cedo, aumentando o percurso de maneira a chegar a aldeias longínquas ao entardecer, quando algumas pessoas voltavam isoladamente para casa e moças saíam para os seus namoros.
Quando matou uma dessas jovens, não "interferiu" com ela de maneira alguma. Essas coisas, de que ouvira falar, eram-lhe completamente incompreensíveis. Era apenas o maravilhoso ato de matar que o fazia "sentir-se melhor". Nada mais.
Já ao completar dezessete anos, notícias alarmantes corriam por toda a região de Fermanagh, Tyrone e Armagh. Quando uma mulher foi morta em plena luz do dia, estrangulada e jogada sobre uma pilha de feno, o alarme transformou-se em pânico. As aldeias formaram grupos de vigilantes, reforços policiais foram trazidos com cães amestrados, e as histórias sobre o "Assassino Lunático" atraíram jornalistas para a região. Por diversas vezes, Grant, na sua bicicleta, foi parado e inquirido; mas tinha forte proteção em Aughmacloy, e a desculpa de que precisava pedalar para manter-se em forma sempre se confirmava, pois era agora o orgulho da aldeia e candidato ao título de campeão dos meios-pesados, do Norte da Irlanda.
Novamente, antes que fosse tarde demais, o instinto o salvou e, trocando Aughmacloy por Belfast, entregou-se aos cuidados de um decadente promotor de lutas que detestava transformá-lo em profissional. A disciplina no periclitante ginásio era severa. Era quase uma prisão, quando o sangue tornou a ferver nas veias de Grant, nada mais havia a fazer senão quase matar o seu "sparring". Depois de, por duas vezes, ter sido tirado à força de cima dos adversários, foi o fato de ter ganho o campeonato, tão somente, que o impediu de ser expulso pelo promotor de lutas.
Grant levantou o campeonato em 1945, aos dezoito anos, e nessa ocasião foi convocado para o serviço militar, sendo engajado como motorista do Real Corpo de Sinaleiros. O período de treinamento na Inglaterra tornou-o mais sóbrio ou, pelo menos, mais cauteloso quando sentia "O Impulso". Passou então a beber, na época da lua cheia. Levava uma garrafa de whisky para os bosques nos arredores de Aldershot, tomava-a toda, e observava suas sensações, friamente, até ser tomado pela inconsciência. Depois, nas primeiras horas da manhã, cambaleava de volta ao campo, insatisfeito, mas não mais perigoso. Se alguma sentinela o surpreendia, apanhava apenas um dia de detenção, pois o comandante queria mantê-lo satisfeito e em forma para disputar os campeonatos do Exército.
Mas a secção de transporte em que se encontrava Grant foi mandada às pressas para Berlim, na época do litígio com os russos, sobre o "corredor polonês", e ele não chegou a disputar os campeonatos. Em Berlim, o constante ambiente de perigo o fascinou e deixou ainda mais cauteloso e maquiavélico. Ainda se embriagava até cair, na época da lua cheia, mas, durante o resto do tempo, observava e tecia planos. Gostava do que ouvira falar sobre os russos; brutalidade, desprezo pela vida humana, falta de escrúpulos. É decidiu passar para o lado deles. Mas de que forma? Que poderia levar-lhes como oferta? Que desejariam eles?
Foi o campeonato do B.A.O.R. que o decidiu finalmente a desertar. Por acaso, foi realizado numa noite de lua cheia. Grant, defendendo o Real Corpo de Sinaleiros, foi advertido por agarrar o adversário e desferir-lhe golpes baixos e, finalmente, desclassificado no terceiro assalto por persistir na luta desleal. Todo o estádio o vaiou quando desceu do tablado; a maior manifestação partiu do seu próprio regimento; e, na manhã seguinte, o comandante mandou chamá-lo e disse-lhe que seria repatriado na primeira leva. Seus colegas motoristas o boicotaram e, como ninguém desejava acompanhá-lo na viatura, teve de ser transferido para o tão cobiçado posto de estafeta no esquadrão de motocicletas.
A transferência não poderia ter sido mais benéfica para os desígnios de Grant. Esperou alguns dias e, uma tarde, após ter recolhido a correspondência do quartel-general do Serviço Secreto, no Reichskanzlerplatz, dirigiu-se diretamente ao Setor Russo; aguardou com o motor em movimento até que o portão de controle do Setor Inglês fosse aberto, a fim de permitir a passagem de um táxi, atravessou a quarenta milhas quando o portão já se fechava, e parou ao lado da guarita de concreto no posto da fronteira russa.
Foi rudemente introduzido na Sala de Guarda. Um oficial de cara impassível, sentado a uma escrivaninha, perguntou-lhe o que desejava.
— Quero comunicar-me com o Serviço Secreto Soviético — respondeu Grant, inexpressivamente. — Com os dirigentes.
O oficial observou-o friamente. Disse algo em russo. Os soldados que o haviam trazido começaram a puxá-lo para fora. Grant desvencilhou-se deles com facilidade. Um deles ergueu a metralhadora.
Grant disse, pausada e distintamente: — Tenho muitos documentos secretos. Lá fora. Nas bolsas de couro da motocicleta. — Captou o pensamento do seu interlocutor. — Ficarão em maus lençóis se eles forem entregues ao seu Serviço Secreto.
O oficial disse algo aos soldados e eles recuaram. — Não temos Serviço Secreto — respondeu em inglês hesitante. — Sente-se e preencha este formulário.
Grant sentou-se à mesa e preencheu um longo formulário destinado àqueles que desejavam visitar a Zona Orientaclass="underline" nome, endereço, assunto a tratar, e assim por diante. Enquanto isso, o oficial falava, em tom baixo, rapidamente ao telefone.